quarta-feira, maio 31, 2006

Milo versus Mila

É que Dorothy, depois que foi morar em Recife, só anda apressada, ou, atrasada. A universidade lhe consome muita energia, e as suas manhãs foram reservadas ao sono, posto que estudar na calada lhe é mais rentável. Achando pouco, matriculou-se num curso de francês, e adora passear nas “horas vagas”. Cinema, teatro, shows, casa de amigos, enfim, vive toda a efervescência cultural da capital pernambucana.

E foi que num dia desses, naquela hora em que a tarde se despede, que ao chegar da rua com Oswald, seu namorado guitarrista com nome de poeta, que Dorothy deparou-se com uma belle scène. Ali mesmo, na calçada do pensionato, mais precisamente no portão da casinha singela da rua calma, estava um belo exemplar de canino com cara de solidão. Quem bem a conhece pode imaginar a sua reação de carinho/alegria/compaixão diante de um cãozinho de rua mirando seus olhos com os dele: as mãos abanando, como quem sacode delas a água, acompanhado de uma vozinha meiga em idioma incompreensível. Ficou ali babando, enquanto Oswald a apressava, já que iriam sair novamente. De pronto fez um batismo avulso, e o cãozinho recebeu o nome Milo, pela semelhança com o cachorro do Máscara, disse ela.

O compromisso era urgente, e Dorothy entrou em casa, já sentindo uns pingos da chuva que uma nuvem grossa estava prometendo. Milo, por sua vez, encontrou um lugar pra ficar por entre uns jarros de plantas na área que vai do muro à varanda. A chuva caiu. Estiou. Era hora de ganhar a rua novamente. Um susto ao dar os primeiros passos na calçada, Milo reapareceu, e uma Dorothy derretida seguiu seu caminho: “vem, cachorrinho, vem...”. E um Milo feliz seguiu o casal pela rua sem som. Até que, um Oswald preocupado soltou:

“Mi..., não é muito bom que esse cachorro nos acompanhe...”

“Ãããiii!, oxe, por que, hein?” (meio que miando)

“Uma vez, o cachorro do Cordeiro nos seguiu até a locadora, e...”

“Pára, ô... o que foi que houve?...” (quase chorando)

“...a moça da locadora não o deixou entrar. Daí, ele ficou triste. Voltou sozinho para casa, e...”

“Ahhh, mô... que foi, hein?” (via-se uma lágrima)

“...é... bem... ele morreu... atropelado”.

“Volta, Milo, volta!” (nervosa)


Já estavam na Avenida Caxangá, uma espécie de autódromo aberto. Milo os seguiu, mesmo depois de se encantar por um outro casal, um que tentava ser mais feliz que Dorothy e Oswald, mas não conseguia. Atravessaram a primeira faixa, e no canteiro central, a menina das bochechas lindas tentou demover o cãozinho, apesar do coração aos cacos. Milo entendeu, e tentou voltar. Ouviu-se um riscar de pneus, e um grito característico de cachorro... Atônito, o casal voltou-se a tempo de vê-lo correndo na direção da rua calma, puxando a patinha dianteira. Dividida entre a dor e o compromisso, Dorothy seguiu adiante, mas muito preocupada. Voltou na madrugada, e buscou vestígios de Milo, em vão. Dormiu. Acordou. Deu linha a vida e seguiu sem ele.

Dias depois, numa meia tarde, as bochechas atrasadas seguiam rumo ao portão. E ao abri-lo, eis que aparece o cãozinho, com ar choroso, mostrando a patinha machucada. Há quem diria ter visto bochechas derretidas na calçada. Dorothy estava decidida: criaria Milo por todo o sempre, com muito amor e carinho, caso Dona Márcia o aceitasse no pensionato. Mas, um porém: estava atrasada para o francês. E se foi, no afã de na volta reencontrar sua paixão animal. Do curso ficou ligando pro namorado, queria que o futuro engenheiro lhe ensinasse a fazer um curativo. Ao mesmo tempo ligava pra casa, alguém deveria “segurar” o cãozinho por lá, até sua volta. Voou Dorothy da aula para casa. E lá chegando, procurou Milo pela rua, entre os jarros, e nada. Já se fazia noite, outra nuvem doava seus pingos furtivos, e quem passou na rua sem som, deve ter visto no portão da casa singela, umas bochechas molhadas mirando o horizonte. Dorothy chorou àquela noite, em que foi obrigada pelo destino a adiar o sonho de criar um bichinho de estimação. Solidário, Oswald cantou e tocou guitarra ao telefone, e a menina que ama cãezinhos, gatinhos, inhos e afins, dormiu.

Milo já estava na página dez, e o rio das obrigações voltara ao seu curso, quando na mesa do jantar, alguém falou sobre uma cadelinha perdida, com a patinha machucada, e que fora socorrida por outro alguém que tem em casa um abrigo para animais de rua. E mais, falou-se que ela estava super bem, saudável, plenamente adaptada. É, era ela, assim como Dorothy, Milo também era Mila.

6 comentários:

Luana disse...


Risos.
Amor [deliciosamente] genuíno!

Amo.

Beijos de afeto!
*:

Anônimo disse...

muito bom! :~~ hahaha
não fosse a fobia de "umas" moradoras.. não sentiria saudades do meu bebê agora ¬¬ :~
espero que tenha conseguido um "lugar" quentinho pra aquecer o corpo e o coração no inverno.
oun...

;õ*

Anônimo disse...

tenho que admitir, tio múcio.
Sua fidelidade aos fatos foi hmm, digamos, explêndida.
Parecia que ali estavas, debruçado sobre o parapeito duma janela na Caxangá, analisando os fatos como o boêmio analisa a cor e a densidade de sua cerveja.
Bom, até mais.


(pareceu q eu escrevo bem, pareceu? deu trabalho mesmo haha)
abraços

Anônimo disse...

aaaaaaaaaaahueiuaheuiaeae o waldo é ridículo.. aueuahueaeae

Diógenes Pacheco disse...

As belas crônicas do Múcio. E que bom é chegar a finais felizes... :)

[]´s

Anônimo disse...

Mú,
Adorei a Dorothy rsrs, nao sei pq me identifiquei tanto com ela...
essa coisa de atrasada, de corar e de amar muitooooo os bichinhos.
Ah, por falar nisso, agora além dos meus cães adotei uma gatinha...e pira!Todos os dias ela me observa no banho, hj arrisquei e a levei pro chuveiro, morrendo de medo dela me arranhar, mas que nada, adorou e ficou toda boazinha, estou encantada com minha princesa mimi rsrs
Beijos