sábado, julho 30, 2005

E assim jaz uma quase poeta

Ela sempre gostou de escrever. Mas nunca gostou de redação na escola: escreva tantas linhas sobre tal assunto, no estilo assim e assado.

Não, ela gosta de sentir a liberdade de sua caneta percorrendo o papel sem se importar com as margens. Como se fossem suas mãos a deslizar suavemente pelas costas do seu amado, a procura do desejo escondido em cada poro do corpo dele.

Ela sempre viveu entre as letras. Sempre entre os livros. Sempre teve um pedaço de papel por perto para pedir por socorro nos naufrágios de seus sentimentos.

Ela sempre soube que a escrita, assim como o amor, deve ser livre pra conhecer todos os caminhos que quiser, certos ou errados, não importa.

Toda pedra no caminho percorrido edifica uma letra das estórias e da história de cada um.

Todos esses que aí estão a atravancar o caminho são peças de um grande jogo que ninguém sabe quem está jogando ou quais são as apostas.

A escrita sempre foi como um vôo para seus desejos, como uma ave no céu a procurar os quentes raios do sol.

Escrever sempre foi seu ópio, seu vício. Sua droga mais poderosa. Seu remédio para cólicas, enxaqueca e dor-de-cotovelo.

Com as palavras que fluíam de sua caneta, amou todos os homens que quis. Beijou todos os que desejou. Teve filhos.

Construiu castelos de areia no ar que duravam a eternidade de um instante fugaz por toda a eternidade. Construiu fortalezas pra se proteger da dor.

Quiseram contar suas palavras. Tentaram colocar suas idéias e emoções num quadrado 4 x 4.

Quiseram aprisioná-la numa quitinete, onde nem no mais sombrio dos dias caberia sequer a sua sombra. Ela, que sempre teve a imensidão do mar como quintal dos seus sonhos.

Tentaram fazê-la andar com os dois pés no chão em vez de flutuar nas nuvens dos sonhos que sonhava acordada.

Justo ela que sentia no vento gélido da noite chuvosa o doce cheiro do suor de seu amado...

Fizeram-na assinar contrato, usar ternos apertados e sapatos de salto alto. Justo ela que preferia uma camisa de força azul com bolinhas amarelas à monotonia insossa do cáqui.

Tentaram enquadrá-la em um retrato 3x4 ao lado de um número. Tentaram identificá-la. Quiseram lhe por um rótulo.

Logo ela que nunca se olhou pra não ter que saber quem era. Sempre soube o que sentia, e no final das contas, isso era o que importava.

Fizeram-na ir ao salão: escova, maquiagem, pé e mão. Obrigaram-na a fazer dieta, lipoaspiração.

Justo ela que nunca quis ser atriz - modelo – apresentadora - namorada de jogador de futebol. Preferia assistir e jogar futebol.

Largou as canetas pela mesa, pela casa... Perdidas para sempre.

Deixou pra trás a angústia, a insônia e a melancolia de uma mente pulsante, quase poética, sempre apaixonada.

Aposentou os papéis, os brancos e os já amarelados. Esquecidos numa gaveta fria e úmida de um móvel qualquer em uma sala qualquer.

Deixou as emoções perdidas em algum lugar do passado. Numa noite de inverno, num ano qualquer, acompanhadas de vinho tinto barato, do jeito que sempre gostou.

Mataram-na um pouco a cada dia...

4 comentários:

Anônimo disse...

"Ela sempre soube que a escrita, assim como o amor, deve ser livre pra conhecer todos os caminhos que quiser, certos ou errados, não importa."


"Deixou as emoções perdidas em algum lugar do passado. Numa noite de inverno, num ano qualquer, acompanhadas de vinho tinto barato, do jeito que sempre gostou.

Mataram-na um pouco a cada dia..."



Nos roubam o poder sobre nossas vidas, ou cedemos nós?

Até onde sufocamos nossa felicidade?

Belo texto, Ercília!

Ah! Pode me chamar de Patita sim... ou de qq outro nominho que você gostar!

Grande beijo!

Marina disse...

Hum, sou assim também em relação a escrita... livre! Ainda não tentaram me aprisionar... e por isso, escrevo... ;)

mg6es disse...

Escrever... voar... ser livre... amar... Belo texto, desses que deslizam como mão na pele... :*

Anônimo disse...

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