quinta-feira, setembro 29, 2005

A pedrada de todos nós.

Anda circulando pela internet o texto "O mensalão de todos nós", atribuído a um renomado psicólogo e professor de não sei onde. Chegaram para mim já três ou quatro mensagens eletrônicas com ele, e comentando coisas como "Triste, mas pura verdade.", "Nossa hipocrisia" ou sem comentar nada.
Colo aqui. Quem já leu, pule. Quem não leu, se quiser...

"O ''MENSALÃO'' DE TODOS NÓS

Pedro Paulo Rodrigues Cardoso de Melo

Numa tarde de sexta-feira, recebi um telefonema de um amigo me convidando para ir a um churrasco na sua casa. Acontece que na naquela noite eu tinha que dar aula na faculdade. O problema é que eu queria ir ao churrasco e, como solucionar o problema de uma forma que eu ganhasse nas duas frentes era o que eu tinha que fazer. Mas, como?
Bem, eu agi como, geralmente, todos nós agimos: fiz de conta que estava cumprindo com a minha obrigação quando, na verdade, fui de encontro à satisfação do meu prazer. O churrasco iria começar às oito horas da noite e a aula às sete e meia. Ora, fui para a faculdade, registrei a aula, fiz a chamada e inventei uma aula de leitura na biblioteca abandonando a turma. Depois, fui à outra turma (a que iria assistir aula depois do intervalo) e fiz a mesma coisa. Depois disso, saí para o churrasco querendo acreditar que havia cumprido religiosamente com o meu dever de professor.
No churrasco, fiquei numa mesa com o dono da casa, que é médico, o amigo que estava sendo homenageado, que é policial, um amigo do homenageado que é advogado e político e a sua esposa que é universitária e estuda no período da noite. Entre muita cerveja e pouca carne o assunto era um só: a roubalheira dos nossos políticos e a passividade da sociedade (todos nós) mediante a podridão do episódio do mensalão. Todos nós estávamos revoltados e propondo soluções para o melhor funcionamento da máquina pública e para o resgate da ética entre a classe política.
Num dado momento, o telefone do dono da casa tocou e ele se afastou um pouco para atender. Cerca de um minuto depois ele retornou à mesa e, com raiva, falou que "não dava para trabalhar com certas pessoas". O telefonema que ele havia recebido era do hospital. Naquela noite ele estava de plantão, mas ele já havia passado no trabalho. Chegou cedo no hospital, visitou alguns pacientes e leu "por cima", os prontuários dos outros. Depois de uma hora foi para casa e deixou a seguinte recomendação: "só me liguem em caso de extrema emergência ou se aparecer pacientes particulares". Sendo assim, era um absurdo a enfermeira lhe telefonar só porque chegara um senhor de sessenta e quatro anos de idade com suspeita de infarto. Ele "receitou" alguns medicamentos pelo telefone e disse que a enfermeira podia retornar a ligação (se ela tivesse coragem para isso), caso acontecesse alguma coisa.
Na tentativa de aliviar o clima, perguntei ao amigo que estava recebendo a homenagem se ele já havia feito a sua mudança. Ele respondeu que sim e, satisfeitíssimo, contou que a mesma não tinha lhe custado nada. Segundo ele, o dono de uma transportadora lhe havia retribuído "um favor", já que ele, meses antes, tinha "resolvido" uns probleminhas de multas nos seus carros que poderiam lhe custar a habilitação e, até mesmo, a sua empresa!
De repente, a esposa do político liga para uma colega que estava assistindo aula para saber se tinha dado certo "aquele plano". Ou seja, o plano da colega responder a chamada por ela enquanto ela estava no churrasco, pois ela já estava "pendurada nas faltas" na disciplina em questão e não poderia, "por nada", ser reprovada. E, toda feliz, sorriu com a assertiva da colega. O plano havia dado certo.Em um outro momento, o anfitrião pergunta ao político como iria ficar o caso de uma determinada pessoa. E ele respondeu que tudo estava indo bem. O único problema era que na secretaria almejada já havia alguém concursado ocupando cargo que tal pessoa pleiteava, mas que ele não se preocupasse, pois estavam estudando uma medida legal (?) para transferir o "dito cujo" de função ou de setor para a vaga "do fulano" ser ocupada por ele. "Ele é um que não pode ficar de fora, pois foi comprometido com a gente até o fim", finalizou.
Em meio a tudo isso, não deixávamos de falar das CPI’s, da corrupção dos políticos e da cumplicidade da sociedade que, apática, não movia uma palha para mudar nada.
Chegando em casa fui pensar naquela noite e em tudo o que havia presenciado. De repente, me dei conta que o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro está certo quando diz que "nós vivemos num ambiente de lassitude moral que se estende a todas as camadas da sociedade e que esse negócio de dizer que as elites são corruptas mas que o povo é honesto é conversa fiada. Nós somos um povo de comportamento desonesto de maneira geral, ou pelo menos um comportamento pouco recomendável".
O melhor era que eu não precisava pesquisar em nenhuma fonte bibliográfica para concordar com o escritor. A sua afirmação estava magistralmente retratada no meu comportamento e no comportamento dos meus amigos naquela noite e naquele churrasco que eu havia freqüentado.
Para começar, eu roubei o povo ao fazer de conta que estava dando aula quando na verdade não estava. Da mesma forma, como professor, eu estou surrupiando (roubando) a sociedade quando adoto como metodologia de ensino os tão conhecidos seminários apenas para não dar aulas com a mentira disfarçada de desculpa bem intencionada de que os alunos precisam treinar a arte de expressar bem as suas idéias. Isso pelo fato dessa afirmação não ser verdade, mas parte de uma verdade maior.
É lógico que os alunos precisam treinar a arte de bem expressar as suas idéias, mas depois de serem ensinados e conduzidos pelo professor que, por sinal, é pago para fazer isso. A verdade inteira é que, quase sempre por motivos pessoais, o professor acaba transformando o que seria uma, de várias técnicas de ensino, em sua prática regular de ensino e o resultado é uma enorme massa de estudantes "transfigurados", da noite para o dia, em professores dos professores que deviam ensinar, mas não ensinam.
E o que dizer do anfitrião da festa? Do médico que estava "tirando plantão" e que, portanto, estava ganhando o seu salário e reclamou por ser incomodado, apenas porque um senhor de idade estava com suspeita de infarto? Somos tão imersos na nossa convicção de que somos bons, quando na verdade não somos, que o médico chegou a dizer que, se ao menos o ancião tivesse sido diagnosticado por um profissional, então ele se sentiria na obrigação de ir atendê-lo. Ele só esqueceu de um detalhe: se o plantonista do hospital que, por sinal era ele, estivesse cumprindo o seu plantão, o senhor de sessenta e quatro anos de idade, casado, pai de seis filhos, aposentado e que trabalhava desde os doze anos de idade e contribuía com a previdência há trinta, talvez tivesse sido atendido por um profissional e não tivesse sofrido um derrame cerebral.
É interessante vermos, também, o caso da universitária, a defensora dos valores morais. E, aqui eu pergunto: quais valores seriam esses? O valor que nós damos ao "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço?" O valor que depositamos nos nossos desejos pessoais e nas nossas vontades de uma maneira tão absoluta e absurda que, simplesmente, esquecemos que não vivemos sozinhos "nesse mundão de meu Deus?" O valor que damos ao famoso jeitinho brasileiro que, não custa lembrar, só virou instituição nacional porque nós lhe damos vida com as nossas atitudes?
Sim, porque se formos honestos e verdadeiros com nós mesmos, somos obrigados a admitir que, no geral, esses são os nossos valores porque é assim que nós somos e é assim que nós fazemos, com raríssimas exceções. Os valores que almejamos como ideais, infelizmente, só existem no mundo das nossas idéias e/ou como metas a serem atingidas pelos outros e não por nós.
No caso do policial, ele me mostrou uma coisa bastante óbvia: que é fácil fazer favores com o esforço que não é nosso para sermos merecedores de créditos que também não nos pertencem, para depois declararmos que o nosso país é o país da impunidade, pois os outros, e não nós, são larápios da coisa pública. Por isso que ele resolveu alguns problemas de um amigo onerando o erário, para ser recompensado depois. Ou seja, roubou o coletivo para ser beneficiado no particular.
A mesma coisa se aplica ao político que, lembrando mais uma vez, é também advogado, defensor da lei e da justiça. Pode? Vergonhosamente, pode sim. E, a prova de que isso é verdade está na própria justiça que fazemos. Uma justiça que liberta uma jovem que confessa o planejamento e o assassinato dos pais baseado em um argumento que ninguém sabe qual é e que, por mais legal que possa ser, é imoral e totalmente fora do bom senso; uma justiça que prende as pessoas que filmaram e denunciaram um esquema de corrupção nos correios enquanto deixa em liberdade o corrupto que foi filmado recebendo propina; uma justiça que manda para as cadeias apenas os pobres e os negros; uma justiça que sempre solta os ricos que são presos (quando são) e que é extremamente distante do povo que a mantém; uma justiça, enfim, injusta e, porque não dizer, muitas vezes criminosa.
Acredito que mais uma vez o Brasil passa por uma oportunidade de ouro para rever-se como país e sair crescido e melhorado de toda essa crise. O grande problema está nas pessoas. Em mim, em você, nos nossos familiares, colegas, amigos e inimigos, parentes e aderentes. Isso, porque, se quisermos realmente uma nação melhor temos que assumir que nós também somos recebedores do mensalão e que, portanto, cada um de nós também é merecedor de sentar nas cadeiras da CPI.
Recebemos o mensalão quando sonegamos imposto, quando matamos aula e inventamos uma justificativa para não levarmos falta, quando faltamos ao trabalho e fazemos de conta que não faltamos (como eu fiz) ganhando o que é indevido, quando copiamos ou compramos CD’s piratas, quando pagamos propinas ao guarda de trânsito para ele não nos aplicar uma multa que ele deveria aplicar, enfim, todos nós, cada um a seu modo e com o seu preço, também é culpado, pessoalmente, por tudo isso que está acontecendo no nosso país.
Finalizando, é bom não esquecermos que os nossos políticos não vieram de marte; não vieram de uma outra galáxia ou do céu, mas do nosso meio, um meio que é corrompido por nós, pois somos, também, corruptos e corruptores. É bom não esquecermos, de igual modo, que esse é o real motivo para a sociedade (nós) assistir apática a toda essa decadência, pois no fundo, não é apatia, mas cumplicidade. Nenhum de nós toma uma atitude de mudança porque acreditamos (ou temos a certeza) que se um dia estivermos no lugar dos políticos, faremos a mesma coisa que eles fazem, aumentando o nosso mensalão. Como disse Freud, "seríamos bem melhores se não quiséssemos ser tão bons", e ele estava certo. Bom seria se tivéssemos a honradez de olhar para essa verdade constantemente.

Sobre o autor:
Pedro Paulo Rodrigues Cardoso de MeloPsicólogo Clínico, Psicopedagogo e Professor Universitário de Psicologia e Sociologia."

Me passa pela cabeça que uma pequena porcentagem das pessoas tem senso crítico. Parece-me quel lêem qualquer besteira e pensam "Oh! É mesmo!" sem tentar analisar, ao menos, em relação à sua própria experiência de vida.
Esse camarada, se é que o texto é realmente de quem se atribui, joga no mesmo balaio todo o tipo de contravenção legal, independente do julgamento passar por valores, justiça, moral e lei.
Nem sempre o que é legal é moral ou justo. E vice-versa.
A Microsoft vende o Office por mais de R$ 1500,00. É a empresa mais "eficiente" do mundo. Trabalha sem nenhuma dívida de empréstimos - além do patrimônio líqüido, só o que consta no passivo do balanço da empresa é o que ainda não venceu.
Se a placa da moto cair e você nem perceber, pode ser multado em R$ 300,00 por infração grave.
Se você não vai para a aula, estuda e passa, a quem você está prejudicando?
Isso dá no mesmo de deixar alguém morrer porque não foi para o plantão? Que transferir alguém para Cabrobró das Farinhas para alocar seu correlato?
Isso dá no mesmo que aprovar legalmente um aumento de salário para si, sendo um deputado, custando ao estado entre salário, auxílios, verbas de gabinete e possibilidades de contratação mais de R$ 100.000,00 por mês? Isso é legal.
E estes aí são os que, ainda por cima, recebem mensalão.
Não me envergonho de dizer que cometo algumas infrações, ilegalidades. Não acho que seja vergonha. Aliás, santo ninguém é, mas há uma enorme distância entre as coisas.
Da mesma forma, não titubeio em dizer que já tive oportunidades, mantidas as proporções, de receber propinas. Nunca o fiz, nunca o farei. E acredito que muitos de nós, ouso dizer que a maioria, não o faria.
Os políticos são (foram) trabalhadores? Alguns. Grande parte é de empresários, filhos de políticos, fazendeiros, "Universais", gente oriunda de meios em que a "esperteza" costuma enriquecer.
E se a gente esmiuçar dessa massa qual é a sujeira, a maior parte vai estar aí.
Mensalão de todos nós é uma pinóia.
[]´s

quarta-feira, setembro 28, 2005

Breve olhar sobre a vida de um homem


Um cheiro inebriante de coisa boa invadiu a sala, pouco antes de quebrar a esquina que vem do hall de entrada da mansão, um vestido solto e curto, ornado em estampas de pequeninas e delicadas flores sobre o fundo branco do tecido, este, que pela leveza com que se moldava àquela malemolência, qualquer leigo diria ser seda. Olhando de baixo para cima, o vestido começava a um palmo e meio, quase dois, acima do joelho, mais precisamente, nas imediações de um belíssimo par de coxas, coisa que bem se poderia dizer, fora esculpida à mão; e terminava em duas finas alças quase inúteis, posto que aqueles belos seios gravitacionais e seus mamilos, de tão intumescidos, fariam o seu papel. Por dentro do vestido, a recheá-lo e dar-lhe formas esculturais, um exemplar da raça feminina de ímpar beleza se insinuava docemente numa direção da sala, como se fora algo premeditado. De rosto e pele inefáveis; melenas em desalinho; boca em lábios brilhantes, e úmidos; olhos de um verde nunca visto, e olhar de promessas inimagináveis. Era a Ruiva.

No ambiente, num volume agradável, tocava uma música suave e sensual. Mais ao fundo, numa confortável poltrona de couro, sentado estava um homem. Metido em seu roupão de seda estampado com motivos indianos, aquisição feita na sua última estada na Indonésia. Seu porte atlético escondia-lhe os verdadeiros anos vividos, apesar das entradas já bem adiantadas a partir da testa. Lia um jornal estrangeiro, e que aberto totalmente, o fazia desperceber o que se passava à sua frente, além do cheiro bom que percebera sem se distrair pouco antes. Trazia as pernas cruzadas, e um leve balançar de pés, estes calçados em chinelos rústicos importados da sua última peregrinação às montanhas do Himalaia. Era o Multimilionário.

De pé, mais ao canto, com todos os paramentos na vestimenta, um homem sisudo e compenetrado, com olhar fixo num ponto da parede longínqua, de certo evitando o que se passara ali, à sua frente. No ante-braço um grande guardanapo, e ao seu lado numa mesa com rodinhas, um balde de prata legítima guardava uma garrafa de Möet Chandon inundada em gelo, e as respectivas taças aguardando o precioso líquido. Era o Mordomo. Na medida em que a Ruiva se aproximava em seu balé lascivo, o mesmo pigarreou quebrando a beleza melódica que inundava o ambiente, para que então seu patrão se desse conta do enleio a ele reservado.

Uma piscadela da Ruiva para o Mordomo e a música baixa foi trocada. Agora em alto e bom som explodiu na grande sala a voz rouca e sensual de Sade, em Paradise. A Ruiva encarnou sua alma stripper, e iniciou o show. O Mordomo se retirou discretamente, mas antes distribuiu o champanhe nas taças; a sala se encheu de um ar excitante, o Multimilionário dispensou o jornal, a inquietação tomou-lhe conta, o cruzar de pernas, as mãos sem achar lugar. A Ruiva se aproximou e pegou o champanhe, uns morangos que surgiram por osmose; e cada vez mais perto, num balé serpenteado, provocava o Multimilionário. Ele levantou, desfez-se do roupão de Java, e entrou no jogo de corpos, numa espécie de "quer-não-quer". Negação. Promessa. A música agora era No ordinary love, ainda de Sade. E veio o beijo, o joguinho se intensificou com a queda do vestido, que escorreu pelas curvas da Ruiva, como água. Despido, aquele corpo tomou mais ares de escultura, agora, se excetuando de tal apenas pelo púbis tenro e ruivo. Nus, dois corpos sedentos se entrelaçaram ali mesmo, dançando, beijando-se, no compasso da melodia. Inconscientemente se deitaram, foram entre o atrito se desvencilhando das resistências, e logo chegaram a tal horizontalidade que, os encaixes perfeitos por si só foram feitos. Ao som de uma música que para eles, àquela altura era inteligível, já que o idioma sussurrado e sem nexo é particular dos amantes sedentos, só eles entendem; amaram-se com sofreguidão, sob o testemunho de um tapete persa, mimo dado para si mesmo na última estada em Istambul. Mãos e boca, entre pêlos e apelos, seguiram até o ápice, ao que chamam os franceses de la petit mort, a explosão final; Supernova, a morte da estrela. O orgasmo. Exaustos, dois corpos caídos sob o pálio imaginário do pós-morte, e o Multimilionário em seu sorrir adormeceu, indo despertar pouco depois com um forte cheiro de fumaça vindo de um fogão à lenha. Abriu os olhos, e deparou-se com a cena: a Negra, sua esposa, com uma vassoura de piaçaba numa mão, chaleira de água fervente na outra, cabelos aramados e presos à força por um lenço roto e sujo; três moleques remelentos e barrigudos a chorar, e uma frase peculiar e carinhosa:

“Acorda, vagabundo! Não vai catar lixo hoje não?!”


Ps: entrando na temporada “inspirado em”, aviso que qualquer semelhança entre pessoas e fatos já citados aqui, não terá sido mera coincidência.

terça-feira, setembro 27, 2005

Huuummm...*

TEM UMA ESPERANÇA NO MEU QUARTO...

Quanta responsabilidade pra um bichinho tão pequeno...quer dizer, pequeno lá longe compondo a parede, porque se resolver vir pra cá...o "gigante" vai conhecer o poder ensurdecedor do meu grito à la Edson Cordeiro desafinado. Eu até gosto de verde...verde-esperança... na verdade, prefiro o preto. Simples, sóbrio, prático, básico e com o revolucionador efeito da modelagem ilusória...alguém sempre me pergunta se estou mais magra quando estou toda enlutada...o máximo!

E a dona ou será dono? Bom, a Esperança lá...tão alta que não consigo alcançá-la... nem que quisesse...soberana, inerte, mas real e viva...Será que ela está me olhando?! Será que são as esperanças que nos procuram? Quantas estarão me observando louca a escolher um vestido? Dessa vez a Andressa me arranca a cabeça...

- Ei, você conhece a Senhora Esperança barrigudinha que vive me falando de realização e trabalho? É...essa deve morar um pouquinho longe. - E aquela que me diz que no meio de tanto sapo, um não vai virar só chato, mas um grande companheiro de paranóias, pra ser e fazer amor? - Pôôô...você não conhece ninguém, né?! Nossa, surtei! Ai, meu Deus, surtei mesmo...cobrando atenção de um bichelengo verde, que tá pendurado ali, me olhando...me olhando...me olhando?! Tarado! Me deixe trocar de roupa em paz!

Essa é boa...recém curada de uma dor-de-cabeça infernal...procurando por um vestido no meio de tantos pretos, com uma calcinha linda que comprei e ninguém viu, a não ser claro, a Esperança! Mas quer saber, até que ela me deixou inspirada. Vou com esse colorido...único, perdido no guarda-roupa. Às vezes é melhor mudar o sentido das coisas, mudar a ordem prevista...o resultado, mesmo que inesperado às vezes é bom...Tá aí...gostei dele...gostei dele em mim...estou gostando de mim...preciso aproveitar esses meus cinco minutos de amor por quem vejo no espelho... amando sem precisar avaliar, só amar... Ai, não tenho mais nem esses cinco minutos...

- Fala Andressa! - Já tá aqui?! - Tô indo!!! - Quem?! - Beleza! Rapaz, ninguém merece o André! - Afff...Você é pão-dura, viu?! Já vou desligar o celular!

Nem consegui ganhar mais tempo... mas não tem nada não. Vou assim mesmo...Hoje quero só me divertir...ouviu Dona Senhora Ilustríssima Esperança?! Preciso correr, aliás com esse salto será um grande risco...para as "mocinhas", quebrar, cair ou descer do salto são atuações imperdoáveis e micáveis!!! Ainda mais se a Andressa e o André estiverem por perto! Ela, aspirante a bióloga, linda, companheira, casquinha, regueira, chata e minha metade, aquela que comporta as alegrias, fofocas, choros e puxões de orelha... Ele, o meu cara cantor!rsrsrs... meu cara, porque é amigo, fiel, chato, inteligente, lindo, instigante, poeta, palhaço ainda que tímido, me ouve e é altamente desligado... E cantor porque além da sua sensibilidade e simplicidade, tem um gogó de ouro. Os dois juntos? Resenhas por três gerações...Vou ganhar quanto por essa rasgação de seda aqui?!

- OOOiiiii ! - Mas eu já tô aqui! Cadê vocês?! - Já vííí!!!
Enquanto eu vou descendo a escada do prédio escuto o André com o maior bocão do mundo:

- Nossa, Mocinha! Você tá parecendo uma borboletinha toda colorida! Antes que eu me virasse pra voltar pra companhia da minha Esperança ele completa: - Uma borboletinha colorida, linda! Ei, as roskas nos esperam!!!

Esse é o André...A noite promete...bem que eu poderia ter trazido a Esperança na bolsa!

............

A NOITE...

Promessa é dívida!!! Não adianta, a noite prometeu...prometeu o quê mesmo? Ah! prometeu que iria ser A NOITE e...Processo nela! Quero processá-la! Crime!!! Socooorro, alguém segure essa noite!!! - Senhorita, aceita? Me viro e dou de cara com uma bandeja brotando roskas...coloridinhas como o meu vestido...e na base, um garçom gato, destes que a gente recebe fotinhas por e-mail ( Cuidado ao abrir! ). - Obrigada! Aceitei a de maracujá.... Mas vc já vai?! Tive vontade de perguntar, enquanto ele se dirigia a outra senhorita exuberantemente decotada e de preto.

Daqui de cima, enquanto brigo com a noite, sozinha - porque meus fiéis aliados estão reconhecendo o campo e suas probabilidades - dá pra ver os futuros reanimadores de coração, recauchutadores das partes freteiras do corpo (que feio isso!), descobridores das causas das dores-de-barriga...Tenho por eles profunda admiração. Mesmo quando duelam com os convênios, me fazendo doer o corpo e o bolso.

Formatura de medicina... como diria o Dr. Hunter Adams...todos pacientes, todos doutores. Principalmente de onde estou observando-os. A não ser pelo juramento do zelo à vida e da conta bancária, dançando o ziriguidum do Batifun são todos iguais. Tenho grande respeito por estes profissionais...ter a vida nas mãos, estender a cura, experimentar a essência do cuidar... Ai, meu Deus! Conheço aquele óculos...aquele sorriso...sambando...Dr. Pedro!!!...Meu gineco...Ai, meu Deeeus! O recauchutador da MINHA parte freteira! ...Eu bem que disse a Andressa que não queria médico novo, "fácil" (o famoso fico fácil!)...que vergonha!!! Se eu falar com ele e os olhos dele baixarem, morro! Se ele me perguntar se o creme vaginal fez efeito, o fuzilo!

- Menina, já viu quem tá aí?! Dr. Pedro...Gostosaaaço! Com uma coroa...Será que era paciente dele? Chegou Andressa com o resultado da sua pesquisa de campo. - A gente tem que ir lá, falar com ele, perguntar se ele lembra da sua...hahahaha...calma, tô brincando!

- E o André?! Perguntei olhando em volta.

- Parabenizando em "sol, la, si, dó" alguma mééédica. Enquanto ela, coitada, caridosa o atende gratuitamente.

- Que nada! A fila do SUS tá grande. E pelo visto a senha são as roskas...O André tá vindo com duas.

- Pensei que vc ainda tava dando em cima daquele Dr. Bigode, Andressa. Riu o André, me entregando uma "senha", em substiuição ao meu copo, agora vazio.

- Tinha esquecido dele! Fuiii...Saiu se sacudindo a candidata a Srª Barba, Bigode, sei lá!

- E aí, Deco! Descobriu alguma afinidade com a medicina?

- Só se tivesse alguma especialidade em canto e encanto...Falou juntando o copo ao meu.

- É amigo...temos mais de loucos do que de médicos...- Nãããoooo....olhe quem tá vindo...o Leaaandro!!! - Ai, ele tá acompanhado! - O que faço?! - O que faço?! Meu coração tá parecendo a bateria da Mangueira em confraternização com o Olodum.

-Me beije! Brincou o André.

Nem pensei... grudei minha boca na dele... huuumm... booom... a-a-amigo... huuummm... língua...macia... huuummm...roska de morango...huuummm...

Acusada de difamar A NOITE...será que vou presa?!

....

*... Mais uma vez deixo vocês com a maluca da Sandrete (textos do patriciando)... devo voltar com textos atuais em breve!

Beijo grande!

Patita Marques


segunda-feira, setembro 26, 2005

a mulher da minha vida

a mulher da minha vida tem de ser carinhosa. de fato, não tem de necessariamente ser carinhosa da forma convencional. pode bem ser lá do jeito particular dela... e eu até prefiro que seja assim. que tenha seu temperamento arredio e áspero, que deva ser "vencido" e lapidado pouco a pouco. e que seja boa e recompensadora a sensação de vencê-la, e fazê-la perceber quão desnecessária é para mim a carapaça usada pras outras pessoas. esta mulher tem de ter o mais belo par de olhos do mundo. e disto não abro mão. quero-os tristonhos, expressivos e profundos a tal ponto que quando ela chegue perto, a resposta para um"oi, como vai?" perca o sentido... porquê já vai estar ali, bem clara, escrita eloquentemente na sutil diferença em seu brilho e coloração. tem de ser olhos tais que nas tardes bucólicas de beira de praia de salvador atraiam mais a atenção que o mar... ora... e quem mais que não a mulher da minha vida teria olhos que atraíssem mais que a beleza infinita e quase onipresente do mar?

a voz da mulher da minha vida tem de ser bonita. a ponto de me fazer sentir saudades sempre que fale ao telefone... e dê logo vontade de escutá-la in loco. tem de ser macia, melodiosa e tranquila... pra que assim continue ecoando em minha cabeça muito tempo depois de eu haver escutado falar. e tem coisa melhor que fechar os olhos e continuar escutando a voz da mulher de nossa vida na cabeça? a mulher de minha vida não precisa estar exatamente dentro dos meus padrões de mulher ideal. mas ela precisa - com o jeito desengonçado e tímido de andar -me encantar a ponto de me fazer decorar cada pequeno detalhe de seu corpo... a mulher da minha vida me instiga intelectualmente. é uma mulher extremamente inteligente, com aquele tipo de inteligência viva que não é pedante, e que facilmente compreende o mundo a sua volta...e tem uma curiosidade sadia que a impulsiona todo o tempo a vir a entender o que ainda não domina. ela tem de ter um jeito desleixado na forma como se veste, e pelo menos aparentar que não é "mais uma" mulher, no sentido de que - sabe-se lá por que meios - já tenha nascido sabendo combinar roupas, regras de etiqueta e joguinhos de sedução. aliás, sabe um dos maiores indicativos de que alguém encontrou a mulher de sua vida? quando se pega observando-a sem que ela esteja percebendo, e são só de ternura os pensamentos que lhe vão pela mente... a ponto de, quando ela se percebe observada, perguntar da "cara de bobo" com que você sempre fica olhando pra ela... e a idéia de pensar que pode vir a perdê-la lhe é inadmissível... na verdade, chega a ser dolorosa... eis a mulher da tua - e da minha - vida.

quanto ao resto... bom... o resto é o resto... a química, pura e simples... e é a descoberta, lá um dia quando você acorda, de que já não existe "você"... existe "ela e você"... e neste dia, amigo, parabéns! você acabou de perceber - porquê descobrir você já o tinha há tempo - a mulher da tua vida!


o texto saiu aos borbotões. as últimas semanas tem sido meu inferno pessoal... o texto é a colagem resultante de uma madrugada insone há alguns dias (onde na verdade pude perceber claramente que as paredes que eu olhava fixamente não saíram do lugar), misturada com um dia estafante de trabalho.

domingo, setembro 25, 2005

O faz de conta

Eu tenho 25 anos. Sou analista de sistemas por formação e estudo administração de empresas. Dizem que o curso de administração é a escolha de quem não sabe o que quer. Mas ninguém sabe o que quer. Eu não sei se quero ser analista de sistemas ou administrador. Mas eu sei o que eu quero: ser músico. Mas a arte é algo que nasce com você, salvo os casos em que seu pai é um rico empresário da música, cantor consagrado ou alguém com influência, porque aí entram as questões sorte e influência.

Eu nasci sem talento e meu pai não preenche nenhum dos requisitos acima. Então eu fico em casa, tocando meu violão e sonhando com um palco, minha banda de rock e uma multidão capaz de encher dois Maracanãs, porque se é para sonhar, quero ter a maior banda de rock de todos os tempos. Mas aí o despertador toca e eu tenho que levantar da cama, tomar banho e sair para trabalhar, porque quem não tem talento para fazer o que quer, faz o que precisa.

E eu sou um analista de sistemas, que estuda administração e trabalha numa grande empresa de auditora e consultoria. Porque se é para fazer o que se precisa, que se faça numa grande empresa, que não paga grandes salários, mas faz você viver num faz de contas. E ainda por cima te dá status social, como se isso fosse importante. E eu realizo auditoria e consultoria em empresas maiores que a minha, dizendo para os outros como fazerem seus trabalhos, como se eles não soubessem fazê-los.

Além de cantor-líder-gostoso da maior banda de rock de todos os tempos, eu queria ser o compositor da banda. Não um compositor qualquer, como tantos que existem por aí. Eu queria ser o porta-voz das gerações, o messias da juventude, e ter um carisma maior que o palco montado para suportar a mega estrutura dos meus shows. Era preciso bater no liquidificador o Renato Russo, o Cazuza, o Raul Seixas e ainda ter generosas pitadas de Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Tom Jobim.

Com tanto talento para escrever, eu também escreveria livros. Poderiam ser romances. Mas a rede Globo tentaria adaptar meus livros para novelas e eu não deixaria. Se fosse para o cinema eu poderia deixar, porque eu gostaria de incentivar o cinema nacional, que está muito bom nesses dias. Eu poderia até escrever alguns roteiros, porque com tanto talento para escrever, eu poderia fazer o que quisesse.

E esse talento todo me permitiria escrever excelentes textos, para eu publicar aqui no Expressões Digitais. Assim vocês ficariam livres dessas bobagens que tenho escrito atualmente, porque eu estou totalmente sem inspiração, cheio de idéias, mas vazio de forma.

E na próxima semana, quem sabe, saem desses dedos palavras mais serelepes, dessas que pulam do monitor, mas que eu ainda não encontrei.

Mas estou procurando.

sábado, setembro 24, 2005

A Rita (ou ao Chico)


A Rita levou meu sorriso no sorriso dela. Levou minha alegria. Meus bons-dias, boas-tardes, boas-noites. Meu assunto. Minha razão. Meus desejos. E meus sonhos, levou junto com ela. E o que me é de direito, arrancou-me do peito. Arrancou-me o que era mais precioso e levou junto com ela: minha vontade de amar. E tem mais, levou minha disposição de se entregar ao amor.


Levou seu retrato. O retrato que tirei uma noite. Numa daquelas noites em que se espera que tudo dure para sempre e o tempo parece parar só para o beijo ter sabor de infinito. O vestido que lhe dei no seu aniversário, seu trapo, como ela gostava de dizer, também se foi. Naquele vestido estampadinho de florzinhas e cheio de babados, ela parecia uma menina brincando no parquinho. E ela sabia como isso me deixava louco e ela sabia como me sorrir. Ao chegar em minha casa com suas malas, suas tralhas, sua bagagem, sua vida, uma coisinha pequenina me chamou atenção. Uma lancheira colorida que usara no jardim de infância. Dentro dela, uma garrafinha pra levar suco, uma toalhinha com carinha de gato e seu prato, com a figura do Mickey já desbotando. Assim era minha criança, menina, mulher. Também levou a lancheira quando me esqueceu em casa.


Que papel eu passei chorando no canto do quarto onde guardava meus tesouros... Fui procurar seus vestígios em todos os lugares da casa onde ela passava. E onde ela passava deixava sua marca de mente inquieta: sua bagunça, sua desordem, seu caos. Ao procurar seu cheiro pela casa senti falta de uma imagem de São Francisco. Ganhei-a aos 11 anos, depois da morte de meu cachorro. Chorei por dias e dias. Chorei até o momento que minha mãe chegou em casa segurando em uma mão, um cachorro, e trazendo, na outra, a imagem de São Francisco. Ela me contou tudo sobre Seu Chico (assim que eu o chamo; mania de sagitariano de achar que é íntimo dos poderosos e divinos) e de como ele amara os animais e por isso tornou-se seu protetor. O cachorro ganhou o nome de Chico. Como Seu Chico que aprendi a amar. Como o Velho Chico que todo nordestino aprende a admirar desde cedo. Como o Chico (o Buarque) que tantas noites de amor embalou, junto com um bom disco de Noel que ganhei do meu melhor amigo quando tive minha primeira decepção amorosa. Isso ela também levou. Sempre foi encantada por um e por outro. Sempre disse que ambos eram fiéis retratos de minha alma, de tudo que eu sempre fora.


A Rita matou nosso amor. De vingança, ela disse. Vingança de quê, eu pergunto. Ela se cala, não sabe, não pode, não quer dizer. Vingança pelo tanto de amor que eu a dediquei? Pela minha devoção? Vai ver enjoou de ser amada. Ou matou, por vingança, a rotina que ela disse ter se apossado de nosso amor. Nem herança deixou. Eu esperava que ela tivesse esquecido, no fundo de uma gaveta qualquer, uma camisola, uma foto, um batom, um verso displicente num pedaço de papel despretensioso. Nada ficou.


Não levou um tostão porque não tinha não, eu bem poderia dizer. Mas a Rita nunca ligou pro meu dinheiro, nem quando ele faltava. Desde muito jovem aprendeu que manter sua independência era preciso. E desde muito jovem trabalhou e trabalhou. E nunca me pediu nada. Nem nos curtos períodos em que ficou desempregada. Grande mulher era minha Rita.


Mas causou perdas e danos. Perdas e danos irremediáveis à minha alma. Desaprendi como se ama, como se é amado, como se entregar com plenitude no corpo e na alma. Levou os meus planos. Meus pobres enganos. Meus erros, meus acertos. Meus encantos, meus desencantos. Os meus vinte anos de amor incondicional, e junto com ela levou o meu coração que lhe foi entregue numa tarde cinza de inverno, o que fazia seus olhos claros brilharem ainda mais com os poucos raios de sol que se via.


E além de tudo me deixou mudo um violão. Como poderia tocá-lo novamente sem a sua voz a me acompanhar? Sua voz é rouca, grave. Voz de quem sabe que é sexy. E de quem sabe como usá-la, junto com seu sorriso tímido ou sua gargalhada franca. Foi assim que a Rita me conquistou.


Foi assim que a Rita me deixou numa tarde quente de sábado do mês de dezembro de um ano qualquer.


A Rita levou meu sorriso no sorriso dela...

quinta-feira, setembro 22, 2005

Esconde-esconde.

Joana não ligava se ele não sabia brincar. Ia ter que contar do mesmo jeito! Ela salvou todos, todo mundo sabia a regra, ele que não sabia!

- Não vou contar! Eu achei Cecília, Paulinho e Renata!
- Vai contar sim! Senão ninguém mais vai brincar com você! Nunca mais!
- Ah é? Eu que não quero mais brincar com vocês!

Depois de um pouco mais de discussão, o Henrique cedeu.

- Você sabe muito bem como é o jogo!
- Tá bom, eu conto! Mas é sacanagem!
- Não é não! E é até cem, viu?

Henrique encostou na parede da velha vendinha e a meninada correu depressa pro mato. Menos Cecília, que foi pro outro lado, atravessou a rua, e se escondeu do lado da casa do Seu Luís.
Joana, que sempre ia um pouco mais longe que todo mundo, viu uma árvore troncuda na margem do rio, e se abaixou atrás dela. Virada para o rio, de costas com a árvore, rapidamente imaginou por onde Henrique devia vir, e por onde ela ia correr. Ia mais longe para ser a última a ser encontrada, salvar todos, e ser a heroína no final. Era esperta, a mais ágil da turma, e sabia muito bem disso.
Virando o rostinho, via as investidas de Henrique. Procurou pelo fundo da casa, deixando bastante espaço para que a tática de Cecília desse certo.

- Um, dois, três, salve eu!

Ele nem correu, que não dava tempo mesmo.
Depois foi o Paulinho, que ele achou praticamente em cima do esconderijo. Paulinho ganhou na corrida mesmo.

- Um, dois, três, salve eu!

Paulinho saiu se gabando, batendo no peito.

- Lerdo! Lerdo!

Henrique estava vermelho que nem uma maçã. Prestes a explodir.
Com o pescoço cansado de ficar tanto tempo virado, e Henrique longe, Joana voltou seu olhar novamente pro rio. Uma coisa boiando chamou a sua atençãoum objeto pequeno, meio verde e meio amarelado, que não ia com a correnteza, e ela não conseguia entender bem o que era.
Ouviu um barulho distante. Era Henrique correndo, com Renata longe atrás. Renata deu mole, com certeza. Henrique não tinha como perder aquela. Ouviu outro barulho, vindo do rio, do lugar onde tinha visto o objeto. De repente tomou um susto!

- Aaaaaahhhhhhhh!!!!

O grito foi daqueles, e a meninada toda veio para ver o que tinha acontecido. Menos Henrique, que antes terminou de se garantir.

- Acusada Renata atrás da pedra!! Acusada Joana atrás da árvore!!

O pessoal chegou perto e Joana gritou de novo, apontando com o dedo:

- É um jacaré! É um jacaré!

Todos olharam e não restava dúvida. Tratava-se de um jacaré.
Cecília saiu correndo e gritando:

- Fujam! Fujam! Ele vai comer a gente!
- Para! Vem ! Eu sei o que tem que fazer!

Cecília voltou devagarinho. Henrique perguntou:

- Como assim “o que tem que fazer”?
- Pra prender ele!
- Prender ele?
- É! A gente prende com uma corda! Eu vi na televisão! Paulinho, corre na sua casa que é mais perto, e arranja uma corda!
- Acho que em casa não tem corda!
- ! !

O jacaré se aproximou um pouco, parando em um lugar mais seco e com sol. A distância da turma estava ainda razoável, ou ao menos era isso que eles pensavam.

- Vocês são malucos! Eu vou é contar pro meu pai!
- Cecília, se você sair daqui, eu conto aquele segredo!
- Que segredo? Eu não tenho segredo!
- Ah é? Deixa o Paulinho voltar que eu conto para ele e o Henrique de uma vez !
- Tá bom, eu fico.

Paulinho voltou com uma corda grande.

- Tá boa?
- Tá ótima! Henrique, segura a ponta de ! Você segura a outra, eu vou no meio!
- E a gente?
- Vem do lado da gente, para ajudar, se precisar!

Quarenta minutos depois, a polícia e duas equipes de reportagem estavam no local. A repórter, estarrecida com o acontecido, perguntava:

- E você não achou que era perigoso?
- Não! Eu vi na televisão! Mas tem que amarrar a boca dele enquanto tá fechada, né? Que ele não tem muita força para abrir! pra fechar!

Henrique e Paulinho, com outro repórter, discutiam:

- Mas se não fosse a minha força, a gente não tinha conseguido!
- Quem botou mais força fui eu!

Os policiais, depois de injetar sedativos, retiravam o animal do freezer horizontal onde as crianças o tinham colocado.
Cecília ouvia uma bronca do pai, Renata chupava um picolé de limão, perto dos policiais:

- Cuidado, viu? Ele mexe um bocado na hora de carregar!


* Inspirado nisso aqui.

quarta-feira, setembro 21, 2005

"Impressionantes Esculturas de Lama"


O ano era 1980, e eu, um pivete que corria pelas ruelas do meu bairro sob o sol quente tradicional da época e a fuligem da usina no auge da moagem. Cabelo grudado na testa pelo suor, pés descalços e artimanhas na cabeça, e para realçar, aquele porte magricela dos meus onze anos. Lembro-me como hoje a bomba que estourou naqueles dias. O governo militar dava seus ares de abertura, mas, o fato deixou no ar um certo medo, que, claro, eu sequer dei conta na minha correria de infante. O medo, hoje bem eu sei qual era. Rumores que ecoaram em todo o Pernambuco, davam conta da recusa de um padre italiano em celebrar uma missa pela independência no dia sete, sob a justificativa “da não efetiva independência do povo”. A recusa terminou com a expulsão do padre Vito Miracapillo, em 31 de outubro do mesmo ano, depois de exatos cinco vividos em Ribeirão, cidade agrária que fica a 50 quilômetros de Recife. Sua ligação com trabalhadores rurais era clara, e assustava os poderosos. Como também a sua admiração pelo “Bispo Vermelho”, e para mim, um dos mais decentes quadros da igreja católica, Dom Hélder Câmara. Fato é que o padre expressou seu protesto por meio de uma carta ao prefeito, e este correu ao seu padrinho, o então deputado estadual pelo famigerado PDS, Severino Cavalcanti. O puritano coronel, católico fervoroso, tratou de urdir com seus pares a trama da expulsão que em nome da civilidade nacional foi assinada pelo presidente João Batista de Oliveira Figueiredo.

Ali já estava se formando o caráter político desse ser que chegou ao ápice da carreira ocupando o 3º cargo mais importante do país. É certo que por meio de uma palhaçada, mas chegou. E bastou pouco tempo para que viesse à tona o arrependimento da oposição pela brincadeira de mau gosto. Arrogante, prepotente, intransigente, defensor explícito do nepotismo, e atualmente acusado de cobrar propina. Severino tem em seu currículo elementos suficientes para nunca mais voltar a exercer mandato algum. Vai optar pela via covarde da renúncia no afã de voltar às tetas em breve, e o pior, deve conseguir isso, graças a um curral que alimenta no interior de Pernambuco, onde é orgulho da cidade. Um sujeito que mal consegue argumentar sem gaguejar, não é capaz de fazer um discurso coerente de improviso, e diante das denúncias, para se fazer confiável, precisou ler um texto que seus cupinchas escreveram, e na pressão, gaguejou também. Não convenceu. Severino é contra a união homossexual, foi veemente contra a aprovação do projeto das células-tronco, mas, depois de o projeto aprovado, não hesitou em divulgar no horário político sua responsabilidade pelo fato. É um tolo que se acha. Para chamar a atenção na ONU, criticou os EUA por negarem o visto às delegações de Cuba e do Irã, e duvida-se que ele saiba por que motivo isso se deu. No auge da pressão, é daqueles que falam apontando o indicador, sem sequer perceber que há três outros dedos apontando para si mesmo. Deus é justo, e sua “expulsão” está por um fio. A máscara caiu!

Em suma, o ilustre deputado é um exemplo claro, e dos piores, de que a nossa responsabilidade de eleitores deve ser levada mais a sério, que a frase imortal de Tancredo, “O poder emana do povo”, não deve ficar na retórica, devemos sim, usar nossa arma para o nosso bem, o bem comum da nossa gente, e devemos também lembrar que o povo oprimido tem título de eleitor, e este, se se conscientizar de que um voto certo garante mais retorno que a venda de um voto errado, venda esta que garante apenas o feijão daquele instante; tudo pode melhorar à medida em que se fizer a faxina política devida no nosso país. Severino pode se afastar, mas outros “severinos” ficarão, e na própria mesa diretora existe uma metástase, passando pelo vice Thomaz Nonô, e o primeiro-secretário João Caldas, ambos de Alagoas, e de olho no desfecho da crise. Antes de ontem, no horário político gratuito (outra praga), Nonô já bradou aos quatro ventos que presidiu com “ética” a sessão que cassou Jefferson. Enfim, o nordeste nunca esteve tão forte no eixo do poder Federal, e Pernambuco tão decepcionado. Por hora resta se lamentar, e relembrar os bons tempos do grande Chico Science e seu movimento musical, que ganhou o mundo através de seus rios, pontes e overdrivers...

Salve, Chico!

domingo, setembro 18, 2005

Capacidade de armazenamento do cérebro

Para mim o melhor blog da Internet em língua portuguesa da atualidade é o Jesus, me chicoteia!. Hoje eu estava lendo um post onde ele falava de ciências e um monte de loucuras. Eu também, como ele, adoro pensar desnecessidades quando não tenho o que fazer. Só que não tenho a mesma criatividade que ele.

Bom, leiam o post do Marco clicando no link. O que eu quero falar aqui é que algumas vezes eu leio algum tipo de loucura e acabo pensando em algumas coisas estranhas. Essa minha mania de pensar...

Baseado na lógica do Marco, que previa um Backup do DNA das pessoas, alguém citou que não seria possível armazenar em computador a memória das pessoas. Bom, não entendo nada disso, mas entendo de pensar "e se..."

E se...

eu estivesse doente em fase terminal e antes d'eu morrer eu pedisse um clone de mim mesmo... Esse meu clone teria menos 30 anos do que eu...

E se...

Eu fosse milionário e deixasse, em testamento, minha herança para mim mesmo, através do meu clone?

Meu clone teria (a ciência permitiria isso, já que estamos falando de "e se...") a memória totalmente limpa, sem nenhum dado armazenado em seu cérebro.

Então eu faria um backup da minha memória até onde eu quisesse me lembrar e deixaria armazenado em computador. Eu poderia apagar os últimos dias da minha vida, mas manteria todo o resto. Daí depois de morto minha memória seria transportada para meu clone, através de um "restore". Com minha memória eu tornaria à vida, já que eu quero considerar que nossa memória também armazena nossa personalidade e tudo o que nós somos.

Com 30 anos outra vez, eu continuaria a administrar meu dinheiro e faria outro clone de mim, só que dessa vez evitando a doença que me matou da última vez. E mais uma vez eu fizesse outro clone de mim e transportasse as novas memórias, além das outras que vieram da minha matriz.

E a cada novo ciclo eu transportasse minhas memórias e eliminasse as doenças que me matam. Será que eu viveria eternamente? Sendo eu fruto do backup das minhas memórias, na quinta geração eu já seria a história ambulante, porque eu teria cerca de 300 anos. Mas e se eu batesse a cabeça e esquecesse tudo o que eu vivi? E se eu morresse antes de fazer um backup mais atual das minhas memórias, meu próximo clone teria apenas parte das minhas últimas lembranças?

E como eu seria lembrando de tantas coisas? Seguramente eu teria consciência de todas as minhas vidas pretéritas, mas será que ao fazer o restore para o clone, eu teria consciência absoluta de que eu, na verdade, estaria em um outro corpo, igual ao meu? Como será acordar da morte e perceber que se está mais jovem, só que com 300 anos de experiência? Eu seria algum tipo de sábio ou guru? Um novo Matusalém? Ou quem sabe Moisés. Eu não gostaria de ser como Moisés, porque morreu com 120 anos e ainda foi humilhado por Javé.

Mas até onde eu poderia reviver? Quantos backups de mim eu poderia restaurar? Será que o cérebro tem capacidade máxima de armazenamento? E se eu estourasse sua capacidade de armazenamento, eu poderia selecionar algumas memórias (ou vidas) e apagá-las, para garantir mais espaço em disco?

Será que eu poderia fazer um upgrade de cérebro, para garantir mais espaço para armazenar mais vidas?

Fiquei muito curioso, acho que nem vou dormir essa noite. E vocês, o que vocês acham disso?

quinta-feira, setembro 15, 2005

O MULTIMILIONÁRIO.

Republico aqui os textos do meu personagem mais famoso de todos os tempos - o MULTIMILIONÁRIO. Só para vocês terem uma idéia, somando os comentários que tive dos três textos, deve dar um número próximo de dez.
A maioria, em espírito, dizia algo tipo "não gostei". É um humor meio sofisticado - talvez tanto que até hoje só eu entendi... :) (Na qualidade de autor é fácil...)

Original de 06/08/2002.

A partir de hoje, e quando me der na telha, até quando eu bem entender, vou dedicar alguns textos aqui para ilustrar como dinheiro, se não traz felicidade, pode sim ajudar um bocado. Apresento – lhes a figura lúdica que nos ensinará: O MULTIMILIONÁRIO.
O MULTIMILIONÁRIO vive em sua mansão no Encontro das Águas com suas duas namoradas: a LOIRA e a MORENA. Ele nunca trabalhou, tendo herdado sua fortuna e aplicado em investimentos que sempre se valorizaram.
O MULTIMILIONÁRIO passa a maior parte de seu tempo na banheira de hidromassagem japonesa, nu, com a LOIRA e a MORENA (nuas, naturalmente).
Hoje, enquanto estava nesta situação, o MULTIMILIONÁRIO resolveu que queria ler a coleção completa de gibis do Recruta Zero, ao que pediu à sua assistente com a máxima urgência que providenciasse.
Por meios que até o próprio MULTIMILIONÁRIO duvidaria, em menos de quarenta minutos uma coleção completa das revistinhas, em perfeito estado de conservação, já estavam na sua biblioteca particular, no 3o andar da mansão. Ele seguiu para lá, de roupão, cercado pela LOIRA e pela MORENA, já enxutas, de camisola.
Nossa emocionante saga de hoje termina enquanto a LOIRA e a MORENA, sentadas de frente para o MULTIMILONÁRIO, exalavam um agradável e suave perfume francês no ar. O MULTIMILIONÁRIO, confortavelmente se postava numa poltrona de couro gaúcha, com os pés sobre a escrivaninha de cedro. Às vezes dava uma risadinha. Ás vezes dava uma risada maior e mostrava, ao que a LOIRA e a MORENA olhavam com interesse: “Essa aqui é ótima! O tenente pergunta pro Zero: Zero!! Já não mandei você atarraxar as porcas?!? E ele responde...”


Original de 20/08/2002.



O MULTIMILIONÁRIO estava em sua banheira, com a LOIRA e a MORENA, aguardando um telefonema do seu GERENTE. O GERENTE era a única pessoa no mundo dotada da possibilidade de estragar o dia do MULTIMILIONÁRIO. Uma vez até o havia demitido, mas como o substituto estragava mais dias que o GERENTE, ele o recontratou.
O MULTIMILIONÁRIO havia consultado o GERENTE preocupado com o dólar e os maus desempenhos da Bovespa, pediu uma posição sintética dos investimentos.
Ia de um lado para o outro da banheira (a LOIRA esperando de um lado e a MORENA do outro), nervoso, com a expectativa de más notícias.
A SECRETÁRIA, por perto, a exemplo do MORDOMO.
Passou - se uma hora. O MULTIMILIONÁRIO pediu um whisky. Depois pediu para a SECRETÁRIA e o MORDOMO esperarem do lado de fora algum tempo, até que ele os chamasse de volta. Depois, ao chamá - los de volta pediu um cigarro.
Passaram à sala da televisão, que na verdade era praticamente um cinema. O MULTIMILIONÁRIO pediu à secretária urgência ao providenciar MIIB (Homens de Preto 2), e ao mordomo pediu um tira - gosto de farofa de carne de panela e calabresa e Coca - Cola. Visivelmente nervoso, fumava mais um cigarro enquanto não chegava o tira - gosto.
Enquanto assistia o filme, confortavelmente deitado na cama - poltrona reclinável a SECRETÁRIA e o MORDOMO aguardavam no sofá do canto, na sala de televisão, pelo telefonema.
Num gesto raríssimo, o multimilionário balançou a perna, como fazem os estudantes nas provas. Num erro, ainda mais raro, a LOIRA perguntou:
"Está nervoso, meu bem?"
Ele, finalizando o diálogo:
"Não."
Segundos depois, o telefone toca. O MULTIMILIONÁRIO aperta um botão no controle do DVD, aparece uma informação na tela, ele atende o telefone:
"Me ligue novamente daqui a cinqüenta e dois minutos."
Assim que acaba o filme, um novo telefonema, e todos o cercam, ansiosos, ouvindo a conversa.
"Sei... Anrã... Anrã... Certo... Anrã... Não... Não... Anrã... Sim... Não... Tchau"
Todos o olham, ansiosos. Ele acende um cigarro, leva a boca, traga, olha pra eles. Ele pede ao mordomo que prepare a banheira e à secretária que providencie as compras da semana. A MORENA vira - se pro outro lado, na cama. A LOIRA continua olhando com curiosidade, não sem uma leve expressão de raiva e frustração.
O MULTIMILIONÁRIO leva o cigarro a boca, traga e assopra para o alto, impassível e inexpressivo.


Original de 01/02/2003.



Morena.

O MULTIMILIONÁRIO está na banheira, com a LOIRA e a MORENA. Fuma um cigarro, toma um vinho espanhol. Está um dia quente.
A SECRETÁRIA adentra o recinto, e lhe entrega uma carta de demissão.
A SECRETÁRIA é uma jovem de seus vinte e seis ou vinte e sete anos, pele branca, cabelos lisos e negros, olhar penetrante, vivaz e esperta.
O MULTIMILIONÁRIO apanha a carta, impassível, a coloca ao lado da banheira, está segurando o cigarro com uma das mãos. Pega a taça de vinho, sorve prazerosamente um gole, coloca o vinho de lado, traga o cigarro. O MULTIMILIONÁRIO pega novamente a carta e a lê.
O MULTIMILIONÁRIO olha nos olhos da SECRETÁRIA, com ar de questionamento. A SECRETÁRIA mantém o olhar sério, quase que imperceptivelmente amargo, e continua calada.
A um sinal, o MORDOMO traz o roupão do MULTIMILIONÁRIO. Ele se veste, toca com a mão o ombro da SECRETÁRIA, sobe para o andar do escritório. A SECRETÁRIA, o MORDOMO, a LOIRA e a MORENA o acompanham.
Ao entrar no escritório, o MULTIMILIONÁRIO faz sinal para que o MORDOMO, a LOIRA e a MORENA esperem do lado de fora. As paredes do escritório são de pedra, com 40 centímetros de espessura. A porta é de Pau Brasil, 35 centímetros, com vedação especial. Nenhum ruído chega do outro lado.
O MULTIMILIONÁRIO apoia a mão no ombro da SECRETÁRIA e a acompanha até o sofá. Faz um gesto para ela se sentar, volta e serve pessoalmente duas taças de vinho. O MULTIMILIONÁRIO entrega o vinho para a secretária, senta - se na poltrona de couro gaúcha, bebe um gole do vinho, coloca o vinho de lado, questiona novamente com um gesto de sobrancelhas.
- O que é que você pensa ao meu respeito?
- Nada. Alguma vez eu a desrespeitei?
- Não. Sim e não. Você sempre me tratou bem. Não é essa a questão.
O MULTIMILIONÁRIO questiona novamente com o olhar.
- Nunca me desrespeitou como mulher, mas e o meu lado profissional?
- Você está insatisfeita com quê? Não deve ser o salário.
- Não é o salário. Eu não estudei tanto tempo para ser secretária o resto da vida.
Do lado de fora, o MORDOMO anda de um lado para o outro. A LOIRA e a MORENA se entreolham, a MORENA dá de ombros e toma o rumo do quarto. A LOIRA acende um cigarro.


Loira.

A SECRETÁRIA e o MULTIMILIONÁRIO saem. O MULTIMILIONÁRIO avisa ao MORDOMO para preparar um carro para a SECRETÁRIA, e segue de volta para a banheira, acompanhado da LOIRA.
Duas horas depois, o MULTIMILIONÁRIO está na banheira, com a LOIRA e a MORENA. A ex - secretária adentra o recinto, com os cabelos pintados de vermelho, tira a roupa e junta - se aos três. O MULTIMILIONÁRIO pede ao mordomo Champanhe francês.
Um mês depois, o MULTIMILONÁRIO está jogando pingue - pongue com a MORENA, no salão de jogos. A LOIRA lê um livro, a RUIVA, entediada, chama a atenção do MULTIMILIONÁRIO:
- Amor, e quanto à parte do trabalho, quando você vai providenciar?
A interrupção custa um ponto ao MULTIMILIONÁRIO. O MORDOMO busca a bolinha, a MORENA anuncia "treze a doze", com um sorrisinho sacana. O MULTIMILIONÁRIO olha para a RUIVA com desaprovação, volta a atenção para o jogo, se prepara para o saque.



Ruiva.


[]´s

(Nunca mais pensei em nada.)

quarta-feira, setembro 14, 2005

Quando entrou setembro...

Na janela do meu quarto tem um toldo, desses comuns de função dupla, que ora protege do sol, ora da chuva. Na verdade, essa primeira função ele não exerce com tanta freqüência, já que o sol chega à ela de forma discreta, assim meio tímido, como quem nada quer, entre a folhagem de uma mangueira frondosa. A melhor época do toldo é de fato no inverno, quando acentua o barulho das chuvas, principalmente as noturnas, som do qual eu gosto muito. Por vezes perco o sono sem nenhuma culpa para ouvir a chuva deitar-se por toda a noite naquele pedaço de lona acústico. Porém, pensando bem, sinto culpa sim, não por mim, mas, quando me lembro que àquela hora, em algum lugar da cidade existe alguém com frio, sem teto, na rua.

A noite passada foi dessas de chuva e sem sono. Quando consegui dormir o barulho havia se reduzido a umas poucas gotas nas poças de água que se formaram durante o processo, e o tímido sol já vinha descortinando o pouco que sobrou da madrugada. Acordei cedo, ou melhor, despertei pouco depois de haver dormido, e como, para mim, acordar cedo não significa levantar da cama, fiquei deitado apreciando o movimento sutil das réstias de sol que bailavam no tecido alaranjado do toldo, cena que via através do vitrô que orna a parte superior da janela. Esperei ali até a hora de começar as chatices diárias, que atendem pelo nome de fisioterapia e outras cositas mas. Nesse ínterim, chegou meu secretário, que ao meu sinal logo abriu o dia lá fora. De leve, uma brisa doce com cheiro de terra molhada entrou no meu espaço, tocou-me o rosto com suavidade, como uma carícia, e se instalou, preenchendo o ambiente. Outro sinal, e ele abriu a outra porta daquele dia, que de tão intenso parecia explodir para dentro do quarto, apesar de o sol desse fim de inverno ser um tanto indeciso. A vontade de contemplar a paisagem que se desenhava na tela lateral venceu a disposição de fazer exercícios.
Fiquei sozinho, e logo me veio à mente um tempo em que podia me debruçar ali, e observar com calma a vida simples da natureza transcorrendo. Pois é, tive tanto tempo para isso, mas, a correria diária me impedia. Saía cedo e correndo, posto que nas noites anteriores eu sempre dormia tarde, e assim, mal tinha oportunidade de abrir aquela janela. Era um tempo de trabalho, farras com amigos, e navegação pelos mares dos amores temerários. Em comum com o que sou hoje, há apenas o gosto por escrever, o que eu fazia nas madrugadas que passava em casa, entre cigarros e meus rabiscos em papeis toscos e português revolto; que por sorte, as namoradas “cegas” mal liam antes de amassar.

Mesmo assim, sem me debruçar, imaginei que lá fora àquele instante, nas árvores que povoam o vasto quintal, bem poderia estar havendo uma convenção de rouxinóis, pardais, bem-te-vis, sagüis, no intuito de discutir acerca dos desmandos do homem com o meio ambiente. Mais ao lado, dois beija-flores dividiam pacificamente a seiva de umas poucas Lágrimas-de-Cristo, alheios à palestra da qual se avizinham. Enquanto formigas e cigarras se fartavam num banquete de folhas; no céu bailavam nuvens a mudar de forma sob o comando da imaginação de quem as olham; é a vida sendo ali, há uns poucos metros da minha cama. Lembrei do jardim de nossa amiga Ercília, minha rosa lá, a esperar que eu a colha.

Veio a coragem e iniciei os exercícios. Agora, com o rádio ligado numa estação sóbria a tocar músicas calmas, e boas. As lembranças se fundem com o som, e a vida mais que real pulsa à minha frente. É então que me dou conta de que a voz que sai do rádio é a de um dos rapazes do Clube da Esquina, um mineiro tranqüilo e terno, que um dia falou “que o medo de amar é o medo de ser livre para o que der e vier, livre para sempre estar onde o justo estiver...”. Beto Guedes e suas canções de sol, setembros e primaveras. E penso como seria bom que canções assim tivessem o poder permanente de tocar corações, sempre que tocassem nos rádios dos mais longínquos pontos do universo, abrindo assim fronteiras, vencendo distâncias, voando no vento da paz, da harmonia e do amor...

Saí do quarto e deixei ecoando pelo corredor esta canção:

“Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos,Quero ver brotar o perdão onde a gente plantou juntos outra vez...”





terça-feira, setembro 13, 2005

Dor-de-cabeça...

Tonta...logo eu, Olga. Amanhã serei Clarice, Raquel, Evita, Maria, Sônia...Mas hoje estou tonta. Na verdade o meu Sandrete de batismo me persegue...no princípio prova de amor, em meio a sorrisos, Sandro rimou com Anete. Ah! doces e cruéis suspiros da paixão, que vitimam pobres seres que ainda nem desvirginaram a própria existência, e são lançados ao mundo com o rótulo da gozação. Em letras garrafais: SANDRETE MEU NOME, FAVOR RIR!
Dete, assim fica mais fácil...não, não é Drete, é D-E-T-E!!! Isso, menos pior, eu achava. Mas depois com as brincadeirinhas de casinha, aquela em que a gente mora em mansões, faz comidinhas espetaculares para maridos perfeitos e pari filhos divinos, tudo sem sair do quarto e da infância, descobrí que podia ter outros nomes. Quantos me viessem a cabeça. Podia ser a Xuxa, porque Maria das Graças, realmente...Ou, tá, qualquer um!
Na minha adolescência, depois de um sorrisinho e de um: Que nome estranho é esse?! As coisas beiravam a normalidade. Mudar de nome era só pra mim...naqueles segundos que antecediam o ritual de apresentação. Melhor um sorrisinho do que mentir. E se descobrem depois? Além de Sandrete, mentirosa?! Demais pra essa pré-balzaquiana mal intitulada.
Há pouco tempo descobrí umas pauletes, muriletes, rafaeletes...todas rainhas...melhor não comentar. Se alguém sabe, sabido esteja. Mas bem que poderia ser só Sandra, bem que poderia! Mas ainda estou tonta, seja lá que nome eu tenha...o amargo da boca não pode ser por causa desta dor-de-cabeça chata...- Apaguem a luz! Gritei. Estou só, esqueci...a solidão às vezes é traiçoeira.
Pera...a luz tb já está apagada. Ah! não...lua cheia. Desculpa, mas dá pra chegar só mais um pouquinho pra lá?! É você mesmo, fica aí fazendo farra com São Jorge e eu aqui...explodindo. Amanhã compro aquela persiana...ai...hummm...
Batatas! Isso, batatinhas geladinhas na fronte (pra ficar mais chique!) Vai melhorar...qnd eu conseguir chegar na geladeira vai melhorar... Celular agora? - RÔI (meu oi pareceu mais o ronco de um urso polar, se é que eles roncam!)... - Não, ainda tô viva...quase viva! - Não, quero sair não! - Tá, vou ver! -Tááá...me dê pelo menos a chance de sobreviver antes de decidir com qual vestido eu vou! - Velha coroca é você! - Tchau!
Ai, tchau mesmo! Batatinhas...cadê vocês?! Vou tomar um chá de cidreira, um dorflex, neosaldina (propagandas à parte, resolvem!). E meia hora de sono...será que vou apagar? Quer saber?! FODA-SE tudo! FODA-SE dor-de-cabeça! FODA-SE lua cheia e São Jorge com sua espada enorme! FODA-SE lencinhos de papel! Êpa, o que esses lencinhos estão fazendo aqui ao lado da cama?! Ai!...Ai!...
*Oi, Gente!
Encontrei essa Sandrete perdida no patriciando... enquanto eu estiver vendo "sombras na caverna" a deixarei por aqui!
Beijo grande!!!

segunda-feira, setembro 12, 2005

Moça Caipira

O texto é da minha querida lea. Gosto da forma como ela diz as coisas... e acho que no final das contas é o mesmo o cheiro de mato que ambos sentimos...

As pessoas que me conhecem há muito tempo, sabem que sou uma pessoa rural. Gosto da roça. Gosto dos meus irmãos que caminham com os pés no chão, literalmente. Que usam roupas rotas durante a semana, enquanto as domingueiras estão curtindo na alfazema, pegando aquele cheirinho de roupa limpa, própria para “ver” Deus.


Gosto deste povo de fé. Seu Zé Augusto, compadre da minha tia, denominava as chuvas pelos nomes dos santos do mês que elas chegavam. Quantas vezes em minha vida eu já ouvi: “já vai chegar a ‘trivoada’ de São José” E os reisados? As leituras do Santo Ofício. A chegada da Semana Santa era um evento. Nestas festas os vizinhos compartilhavam as comidas. Era a parte de um porco para um, pedaços fartos dos mais variados tipos de bolo para outro. Digamos que um socialismo inconsciente.

Gosto das mãos calejadas desde a mais tenra idade, que de tenra não teve nada. A maciez que conheceram foi da farinha molhada no café. Alimento de todas as manhãs que lhes dá sustância para agüentar até a chegada do meio-dia, quando o sol a pino determina: é hora de parar um pouco para comer, para descansar e logo dar continuidade ao serviço. Até o anoitecer.

Gosto de ouvir a zoada da roça. É um barulho específico do silêncio. É algo inexplicável. Mas garanto: dá para ouvir. Chega a ser uma canção de ninar. O piado dos pintinhos é algo fantástico. Quem se acostuma até consegue identificar quando eles estão desgarrados da família. É um pio desesperado. O chiado de panela de pressão acompanhado pelo crepitar da lenha queimando. Quando chove é a glória! Os pingos grossos caindo no telhado sem laje. É bonito contemplar o cair da chuva em uma roça. Sinal que ali vem fartura. É uma felicidade geral. Mas lá as trovoadas são mais fortes, são mais vivas.

E o cheiro do cafezal florido? Do curral? Do café fresquinho? (não tem coisa mais gostosa que café de roça acompanho de castanhas de caju assadas) E a cozinha de lenha? O cheiro do feijão cozido, temperado com ervas cultivadas no próprio quintal ?

Sinto tanta falta deste universo... Das vivencias da infância. São as lembranças que às vezes me fazem sorrir. Ficar relembrando o que já foi e que não tem chances de voltar. Isto é parte de mim. Pedaço apartado de mim.

“os óio se enche d’água, que até as vista se atrapaia, ai, ai ” (na voz de Pena Branca e Xavantinho)

Lélia Sampaio é Radialista - Profa. de Língua Portuguesa e Espanhola (UEFS) - Editora de Pautas de Reportagens (TV SUBAÉ/Feira de Santana/BA), e é alguém que sei que me ama e que um dia ainda vai conseguir me ver sorrir de forma verdadeira.

domingo, setembro 11, 2005

“Solidão das noites sem graça dos quartos de hotel”

É hora do jantar, 19h:45m. E ele, no lobby do hotel, com seu notebook no colo apenas observa os outros comerem. Porque ele não tem fome. Não de comida, só de emoção.

Enquanto os outros comem ele vai tentando traduzir para o português a complexa língua dos seus sentimentos; língua esta que nem ele entende às vezes: quase nunca. Aliás, às vezes ele não sabe se às vezes leva crase. Mas ainda assim ele coloca. Melhor pecar por excesso que por omissão.

Já são 23h14minh de uma quinta-feira qualquer do mês de agosto. E ele lá, sentado no lobby vendo o mundo acontecer. Um lobby vazio, em suas dimensões arrogantes e coloridas. E ele, arrogante em suas dimensões, mas em branco e preto em seu conteúdo. Porque as cores definem os sentimentos e as estações do ano, as emoções. E em seu inverno siberiano, toda a sua atenção é voltada para aqueles que comem sozinhos. Porque ele sabe que nada é pior que estar sozinho em um hotel, com suas paredes frias e sorrisos indiferentes e falsos.

Alguns procuram a companhia cara das acompanhantes profissionais. Pois algumas mulheres sabem como fazer um homem esquecer o tamanho do seu vazio. Outros preferem a solidão gelada dos seus corpos. Prazer solitário ou lágrimas em frente ao espelho, para refletir toda a sua idiotice.

E dentro do quarto apenas a luz estroboscófica da televisão apresenta algum movimento e o som, quebra o silêncio de toda uma vida. Mas ele não presta atenção em nada, porque seus pensamentos e questionamentos ocupam todo o espaço da sua mente. Então ele acorda depois de uma noite mal dormida e se pergunta em que cidade está, ou quem vai encontrar. E o dia passa, e a solidão aumenta, porque a dor da solidão é proporcional ao tempo e à distância daqueles que ele gosta. E depois de quase um mês sozinho, ele começa a se questionar acerca dos seus sentimentos, da sua identidade e do tamanho do seu vazio.

Hoje ele se questiona sobre o que e quem preenche esse vazio constante em seu peito. E é chato constatar que, depois de um mês, existem lacunas que não são preenchíveis, pois ele nunca encontra uma correspondência entre o espaço que sobra de vazio e o que o completa.

E a sua constatação lhe traz frustração e tristeza: ou há ausência de seres em sua vida, ou excesso de vazio para um só coração.

E mais um dia passa. Mais um dia de trabalho numa capital fria, numa cidade estranha. E ele, frente a um banquete luxuoso de hotel, prefere saciar-se observando a solidão dos outros, pois sua fome é de entender seus sentimentos, motivo que lhe traz toda essa angústia, apesar dele ainda não ter percebido.


Título extraído da música “Quarto de Hotel” do Engenheiros do Hawaii.
Frase roubada da música “As vezes nunca”, da mesma banda.
Não, eu não estou ouvindo Engenheiros do Hawaii, mesmo que esteja aqui em Porto Alegre...

sábado, setembro 10, 2005

Uma rosa com carinho


Dia desses ao sair para a universidade, deparei-me com uma rosa amarela aberta em toda sua formosura. Bem ali, no jardim da minha casa. Por um minuto, parei para observá-la e observei também as outras rosas que lá estavam, naquele e em todos os outros dias, mas ninguém nunca as vê.

No jardim da minha cara tem rosas amarelas, vermelhas, brancas e cor de rosas. E mesmo com toda sua exuberância, passam despercebidas na correria do dia-a-dia. E ao olhar com mais atenção naquela manhã, percebi que no jardim da minha casa também tem rosas azuis. A rosa azul dos meus sonhos. Outra rosa chamada vida.

Quantas vezes passei por esse jardim e não as notei? Quantas vezes passei por ele correndo pra pegar um ônibus e deixei de ver as rosas? As brancas, vermelhas, amarelas, rosas... essas sempre ficavam pra trás. As azuis sequer foram vistas antes.

Isso me fez pensar também em quantas vezes deixamos nossas vidas passarem sem serem vistas. Quantas vezes não paramos pra sentir seu perfume, seu toque. Quantas vezes não contemplamos suas cores e seu esplendor.

Deixamos de ver as nossas rosas azuis todos os dias. E deixamos de ver as nós mesmos. A correria, as obrigações, a competitividade exagerada a que somos submetidos até por nós mesmos. Tudo isso nos faz esquecer de parar e contemplar e viver e curtir aquilo que é realmente importante.

Um amigo que precisou do nosso apoio e não o encontrou. Ou o irmão que precisou de uma palavra ou até mesmo compartilhar uma emoção e você não estava lá. E aquele livro maravilhoso que está há séculos acumulando poeira na estante? Você demorou horrores pra comprar e ainda está pagando... Mas nunca leu uma página sequer. Teu gato que implora um cafuné mas você nunca tem tempo. Dezenas de projetos guardados, esquecidos num canto qualquer à espera apenas do primeiro passo. E a lua, que nasce todos os dias à sua janela e você nem se dá conta? E teu amor? Pode estar do teu lado, como disse Nando Reis, mas como sempre você nem percebeu.


Este texto despretensioso é curto, ao contrário dos demais. Hoje, pare um pouquinho só pra pensar no que eu escrevi e depois curta o que está a tua volta. Dê um tempo a si mesmo e aos que te amam. Pare para olhar as tuas rosas a azuis. E para aqueles que lembraram de ler esse blog, ofereço uma rosa com carinho e com afeto, principalmente aos meus ilustres companheiros de Expressões.



P.S.1: Desculpem-me pelo atraso. Problemas técnicos incontornáveis impediram-me de escrever a tempo.

P.S.2: Dedico esse texto ao meu amor. Ele estava bem ali ao meu lado e que bom que eu estava de olhos bem abertos e percebi essa pessoinha maravilhosa que há 1 mês entrou na minha vida. Dan, esse é só o primeiro, mas muitos meses ainda virão. Você é um presente que eu nem merecia. Esse texto é meu presente pra você. Te amo!!!

quinta-feira, setembro 08, 2005

Dia escuro.















Éramos dois no carro e eu me justificava ali para mim mesmo, em pensamento: eu sempre disse que gostava de viajar de carro, e estava morando pertotanto tempo mas nunca ia em São Paulo. No fundo, cansado, não queria ir.

O convite da minha ex, no carro comigo, havia sido para um grande concerto de rock, de uma banda internacional que ela gostava muito. Que eu também gostava, ainda que nem tanto.
A chegada em São Paulo se dava por uma serra, coalhada por enormes vias elevadas, de grande calibre, fortemente iluminadas, que se estendiam por vários quilômetros sem tocar o chão. Uma cena completamente fascinante, temperada ainda mais pelo imberbe início de clarear do dia. Haviam milhares de carros em volta, apesar do horário. Alguns, aos poucos, iam desligando os faróis.
Saímos da auto-estrada onde imaginávamos ser conveniente, e fomos parar num lugarejo digno de cidade de interior. Pequeno, poucas casas em volta, muito mato, morros, mal iluminado. As nuvens haviam coberto o céu, e o dia continuava escuro, apesar de avançado o horário.
O frio havia congelado uma fina camada de água sobre aquela ladeira, onde eu tentava parar num bar para tomar uma cerveja, paraengrenar”. O carro deslizou e deu uma batida de leve no da frente. Dei uma , olhei, nada. Ninguém reclamou. Deixei para .
Tomamos rapidamente a cerveja, gelada, e voltamos ao nosso caminho. Estávamos perdidos. Entrávamos em ruas cada vez menores, passávamos por becos sem saída, lugares sem casas, sombrios, e não conseguíamos mais voltar para a rua maior onde estava o bar, para onde haviam casas, muito menos para a estrada.
O caminho era escuro e deserto, e nossas idas e vindas, eventualmente passávamos por um mendigo, doente das pernas, que andava de quatro. Andava rápido, de quatro, praticamente correndo, com sua juventude feia sob suas maltrapilhas e escuras vestes, e a cena era tão bestial que causava medo.
As ruas além de estreitas eram cada vez mais enlameadas, alagadiças, até que não distinguíamos mais se estávamos andando em ruas ou fora delas. O pálio não agüentava aquele terreno, o combustível estava prestes a acabar, e a escuridão do lugar não vinha do céu nublado: a terra era preta, a vegetação era fechada nos entornos, fazendo sombra das árvores velhas e cheias de limo. De quando em vez, mesmo que não passássemos por aquelas ruas, passava ao nosso lado, indo para caminho diverso, o mendigo em sua corrida bizarra. A respiração descompassava, com o desejo na garganta de fugir dali.
O carro atolou e saímos nós três com medo. Encontramos perto selado um cavalo, no qual imediatamente subimos, não sem preocupação de que o dono aparecesse, e não sem sentir o roubo.
O cavalo agüentou o peso de três, mas não sem visível esforço. Passamos um pouco à frente e encontramos um lugar de charco, com a terra mais clara, e onde haviam ondas, parecendo um mar calmo. Pela maior clareza, fomos por ali, até perceber quanto mais estávamos perdidos, e que não havia nada em volta mais além da estranha praia, para qualquer lado que se olhasse. Até o horizonte.
O mendigo, algumas vezes, passava ao largo, sempre a uma distância razoável, que eu me questionava cada vez mais se era a mesma, ou se cada vez menor. Sua expressão, dessa distância, era inumana.
Repentinamente surgiram, vindo em direção ao cavalo, três animais parecidos com hienas, de aspecto cinzento e olhar carniceiro. Leves, corriam pelo lamaçal com mais desenvoltura que nossa besta, apesar da menor velocidade.
Seu número, em três, fez me lembrar que éramos apenas eu e minha ex no carro, e eu não conseguia lembrar quem era a terceira pessoa que estava conosco no cavalo. Eu guiava o animal, minha namorada abraçada comigo, o terceiro seguro nela.
Os bichoshienas” davam novas investidas, e o cavalo mostrava sinais de esgotamento, o mendigo aparecia às vezes parado, olhando, numa posição contrária, com a barriga para cima e o pescoço virado até nós. O cavalo tropeçava cada vez mais, cada vez mais profundos iam ficando os buracos, cheios de água, cada vez maiores as ondas, e os animais conseguiam se aproximar tanto que podíamos ouvir sua respiração, descompassada.
O cavalo tropeçou ao tentar subir numa parte de areia foraágua. Pendeu demais para a direita, e eu sentia o peso dos braços atrás de mim me puxando para o chão.

[]´s

(Não me perguntem por final. Nesse ponto, acordei, agitado.)