quarta-feira, outubro 17, 2007

Pretere tu, sofro eu.

Verbo foi feito para ser conjugado. Define ação, estado ou fenômeno da natureza. Às vezes indica um fato. Existem verbos que eu aprendi a conjugar. Outros tantos sigo aprendendo. Alguns me estão sempre no gerúndio. Mas o difícil de fato é quando são conjugados para mim.

Dentre esses tantos, que para mim conjugam, estão o preterir e o esquecer. Porque o problema nunca é comigo. Sou sempre inocente e todos me querem bem. Mas não obstante, sigo à margem, sozinho em minha fantasia de vida, nessa casa vazia, sem qualquer companhia. Sem um toque ou palavras de afeto.

Sigo entre o medo da rejeição e o hábito da dor. A única certeza que tenho agora é que mais uma vez eu confundi você. E me perdi. Você me procurou e eu me entreguei. Isso faz parte de mim, não de você.

Mais uma vez com a cola na mão, mais uma vez a me reconstruir. Tenho a fascinante capacidade de destruir meu coração, meus sentimentos. Sou sempre indesejável. O bom amigo para ter ao lado. Estou sempre a confundir sentimentos. Amor e amizade, sexo e desejo. Querer e evitar.

Era para eu te pegar em casa. Era uma comédia romântica e uma declaração de amor. Era para eu ouvir um sim. Era para estar tocando uma canção do Chico. Era para eu te beijar. Era para eu ser beijado.

Mas eu fiquei em casa. E não vi qualquer filme ou disse qualquer palavra. Mas o problema não sou eu. E não tocou qualquer canção de amor. E eu voltei sozinho, velado em meu mundo decadente. E eu não fui beijado. E você me preteriu.

Mais uma vez conjugo meu principal verbo. Na mesma pessoa, no mesmo tempo, no mesmo número. Na mesma voz: eu sofro.

E que venha um novo dia. E que eu me repita em minhas reticências...

segunda-feira, outubro 15, 2007

Engano

A pior hora para ser acordado é mais ou menos uma hora após o começo do sono. O corpo já está entrando em um relaxamento total. Já sabe que não é um simples cochilo. Foi nesse momento que Mariana foi acordada naquele domingo sem graça. Já tinha deitado há algum tempo e entrava na gostosa parte do sono profundo quando o celular tocou, deixando-a desnorteada.

Ela demorou alguns segundos para entender que ruído era aquele e mais uns tantos outros para tateando achar o celular na bagunça de seu criado-mudo. Abriu um olho e tentou enxergar o número que estava ligando. Não estava em sua agenda mas era levemente familiar. Balbuciou um alô e ouviu uma voz animada mas que de imediato não reconheceu:

- Mariana, meu amor!
- Quem é?
- Sou eu, Felipe, está lembrando não?
- Mais ou menos, o que você quer?
- Minha gostosa, me diga onde você está e eu vou aí te ver agora.
- Você está louco ou isso é um engano.
- Como assim engano, minha paixão? Deixe de ser má, me fale logo onde você está e vamos nos encontrar bem gostoso.
- Oras, engano engano... Você pretendia ligar para uma outra Mariana, porque eu não faço idéia de quem você seja.
- Não pode ser engano se o seu nome está aqui no meu celular.
- Mas é, eu não sou essa Mariana que é seu amor, sua gostosa ou sei lá o quê. Você ligou para a Mariana errada.
- Então prove que você não é a minha Mariana.
- Eu não tenho que provar nada, você é um doente, vá se tratar e pare de ligar para as pessoas a essa hora da noite, seu tarado juvenil.
- Ahá! Olha a prova que você sabe quem sou eu.
- O quê?
- Você me chamou de tarado juvenil, então me conhece, porque eu sou tarado e sou novo, um tarado juvenil.

Com um suspiro e lembrando quem era esse Felipe, Mariana respirou fundo e com uma voz ameaçadoramente baixa, disse:
- Olha, não é preciso ser um gênio para deduzir que você é um tarado juvenil. Você me liga super tarde, me chamando de paixão, querendo fazer gostoso comigo, com uma voz alterada, arfando... Só poderia ser tarado.
- Mas você também disse juvenil, como explica isso?
- Muito mais simples ainda, sua atitude é típica de adolescente, nenhum homem se comportaria assim. Além do mais, agora nos últimos minutos, eu estou relembrando de você.
- Não disse? Você estava aqui na minha listinha especial. Eu só não lembro onde você mora, me diga e eu vou te buscar.
- Felipe, eu não estou na sua listinha especial, o contato que eu tive com você foi outro. Seu pai me comprou um filhote de cachorro, algo estritamente comercial. Lembra agora que Mariana sou eu?
- Lembrei! Mas eu não lembro mesmo onde é a sua casa, explica para mim e vamos juntinhos dar umas risadas do meu engano.