segunda-feira, julho 31, 2006

Chapada dos Veadeiros

Dia desses eu comentei que iria à Chapada dos Veadeiros. Pois bem, fui. Eu nunca tinha visto uma cachoeira de perto, muito menos um conjunto tão esplendoroso delas. Essa é uma das maiores vantagens do meu trabalho: a possibilidade de conhecer, praticamente de graça, lugares tão maravilhosos.

A saída contou com algumas dificuldades, afinal de contas além dos 247 quilômetros que separam Brasília do nosso destino final, estávamos num grupo de 11 pessoas e é muito complicado conseguir que todos cheguem no horário marcado. Mas superados os desafios, tudo foi só alegria.

Nosso destino foi a cidade de Alto do Paraíso, praticamente dentro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. A cidadezinha além de aprazível, conta com um lado místico e segredos de todas as formas. Ficamos numa pousada chamada Paralelo 14 que, de acordo com o proprietário, recebeu este nome em função do paralelo 14 representar o chacra cardíaco da terra, lugar onde as forças do amor e blá blá blá se concentram. E a pousada fica apenas há 1 ou 2 segundos (na escala dos meridianos) do tal paralelo.

Assim que chegamos na pousada, abrigamos nossas bugigangas e saímos para as cachoeiras de nome almécegas. A foto que ilustra o texto é uma das paisagens da primeira, das duas cachoeiras do local. São 4 quilômetros de caminhada muito difícil. Sobe e desce de colinas, mato para todo lado, pedras deformando o chão. Uma maravilha. Era praticamente uma via-crúcis, mas com final muito feliz. Eu como aventureiro resolvi tomar banho nesse lago e nadar até a cachoeira. A água, com temperatura inferior aos 10 graus Celsius é o pior momento, porque não dá para o corpo se acostumar com aquela temperatura e nadar foi algo difícil. A volta, em função do metabolismo baixo por conta da baixa temperatura, foi muito complicada. Eu seguramente acreditei que teria um piripaque no coração.

A trilha para a segunda cachoeira foi bem mais tranqüila. Terreno quase plano e cerca de 200 metros entre a parada do carro e a cachoeira foram fáceis e a paisagem nos reservou bons momentos de exclusiva contemplação da natureza. Mais uma vez, como bom aventureiro, sentei numa pedra donde caíam as águas e me deliciei em mais um banho praticamente abaixo de zero. Mas tudo valeu à pena.

Saindo da cachoeira fomos almoçar no vilarejo de São Jorge. Um lugar perdido no tempo e no espaço. Na verdade uma pequena aldeia hippie com bichos-grilo de todas as idades. Eu realmente me senti nos anos 70. Um banco de gente fumando maconha o tempo inteiro, paz e amor no ar e a beleza desses lugarejos que você não consegue imaginar que ainda existam nos dias de hoje. Mas o cansaço venceu a vontade de continuar explorando o lugar e resolvemos voltar para dormir um pouco.

O segundo dia foi reservado para conhecer o Parque Nacional e o Vale da Lua que, em minha opinião, foi o lugar mais bonito que já vi. Um lugar com pedras cortadas de tal maneira que nos remete à imagem que criamos da lua. Andar sobre aquelas pedras cinzas com cortes indescritíveis é uma sensação única. E logo abaixo uma piscina natural de água azul escuro e fria, demasiado fria. E nadando um pouco é possível entrar numa gruta escavada pelas águas e contemplar ainda mais o lugar. Dentro de uma das grutas caia uma cachoeira fortíssima que, em função da força das águas, fiquei contemplando da gruta anterior. E conhecemos algumas termas de igual beleza e simplicidade.

Bom, é realmente difícil descrever em palavras tudo o que vimos neste fim de semana. Mas é possível assegurar que não há nada mais belo que a natureza, ou mais forte. É incrível como nos sentimos lixo diante de tanta ostentação. É como se fosse um pecado, se não tivesse sido feito por Deus, tanta beleza. E nesses lugares, contemplando a natureza preservada é que nos sentimos mais próximos de uma força superior que criou tudo o que conhecemos. Porque não dá para imaginar que toda a beleza foi obra do acaso.

E, por falta total de condições de descrever tanta beleza, termino por aqui meu relato.

Runas

Uma das últimas cenas do último domingo do mês de julho em Campina Grande e que ocorreu dentro de um ônibus:

- Mãe, o que é runas?
- Sei não.
-Sabe sim, o que é runas?
- Sei não.
- Fala mãe, o que é runas?
- Onde tu viu isso?
- Ali. (Apontado para um poste e começa a ler): Irmã Luana ajuda a trazer a pessoa que você ama para seus braços através dos búzios, runas ou tarot.
- O que é runas? Fala.
- Sei o que é não.
- É aquilo, né?
-Nam!!!
- É.... runas é aquilo!
- Deixa de conversa menino, é não.
-É!

O menino sentou todo feliz, crente de que runas é aquilo.
Agora acredito que as crianças são “puras de coração”.

sábado, julho 29, 2006

A volta

E ele voltou. Olhar constrangido e sorriso ansioso no rosto. Não tocou a campainha. Parou em frente a porta, respirou fundo e usou a sua antiga chave. Olhou nostálgico para a mulher que descobriu ainda amar e ensaiou em voz alta um pedido de desculpas, seguido de uma declaração rabiscada de amor.

E ela sentou. Suas pernas não agüentaram tamanha surpresa. Na sua mente, um turbilhão de emoção. Seu olhar era de espanto, não havia nenhum traço de paixão. Respirou pausadamente e fitou o homem que tanto amou. Ouviu as desculpas, a declaração de amor e mesmo atordoada conseguiu meigamente sorrir. Não guardava mágoa ou rancor, já não tinha vívida na memória as semanas de desespero. Ela simplesmente não se importava mais.

Em respeito a tudo que viveram ela levantou, o abraçou e acalentou, e isso foi muito mais do que ele foi capaz de fazer quando a deixou. Sentiu ainda um vago aroma de canela, mas isso não a perturbou. Tomado pela emoção ele a apertou e infantilmente chorou. Ali, aninhado nela, novamente sentiu uma felicidade extasiante, tinha a ingênua impressão que tudo voltaria a ser como antes. Ela então se afastou e o observou, não precisou dizer nada, os sentimentos dela estavam estampados no rosto. Incrédulo, ele estancou seu pranto e desesperado novamente saiu pela porta. Ela continuou estática e séria, acompanhou os passos dele com o olhar até sumir de vista. Sentiu um enorme pesar por ele, mas assim era a vida real e ela não mais o amava, finalmente estava liberta.

sexta-feira, julho 28, 2006

Enquanto isso, no Oriente...

A saudade chegou mais cedo àquela manhã, e veio num dia de julho com chuva fina e frio ameno. No quarto, pelo vidro embaçado da janela, entrava uma pouca luz de dia recém-nascido, opaca e tímida. Os olhos do homem se abriram lentamente, e foram buscar do ambiente o costume, o ar, o pertencer. Aos poucos deu por si num lugar comum, algo que aos olhos não era estranho. Era sim, o seu quarto. O mesmo de todo o sempre, desde que passara a viver sozinho, num chalé de viúvo beirando a estradinha da Praia Velha. Pôs-se de pé com dificuldade vencendo com gemidos as dores de velho solitário. A estranheza visual deve ter sido à custa de um sonho que vinha tendo, e de tão real, quase se misturou à realidade, posto que a imagem do sonho era a mesma do quarto. De pé, perto da janela, ele deu uma espiada no que o “lá fora” apresentava, e viu que nada parecia diferente da véspera, de quando desligou o refletor, soltou o cão de guarda e se recolheu. De tudo parecer tão igual, demorou a se dar pelo que lhe ia no peito, e, bastou um rasante de beija-flor para sentir o clique mágico, o chamado inevitável das lembranças. Formou-se então um breve sorriso nos lábios que se escondiam entre a longa barba e bigode brancos, cultivados desde uma data muito peculiar. Escorreu as mãos entre os longos fios brancos lentamente, e mandou o pensamento voar.

A pracinha de bairro era a imagem que viam agora seus olhos fechados, ocultando suas pupilas opaladas. Meninos correndo, uns a soltar pipas, outros com uma bola à frente dos pés descalços, suor escorrendo na testa, grudando nela umas mechas negras. Numa calçada adiante, duas amigas passeiam com seus bebês, e um quê de vida normal pulsa no ar. Sentados num banco, ele e sua esposa, mãos dadas, apreciando aquele instante de paz, num tempo em que se encontrava essa palavra no dicionário local. Desse dia, o homem também lembrou ter levantado do banco, ido num canteiro ao lado, colhido uma rosa e dado a Nashyila, sua jovem esposa, “dona de belos olhos violeta, e lábios com uma doçura inigualável”, como dizia uma cantiga de seu povo. Nashyila não lhe deu filhos, e viveram um amor bonito, entre as guerras e os períodos de paz que a vida ali lhes presenteou, até o dia em que ela foi chamada à casa do Pai. Ele costumava dizer que um sorriso de sua amada lhe valia mais que uma mina de ouro, e se, por obra Divina, ela morresse antes dele, se faria sozinho até chegar a sua boa hora, e, deixaria a barba ao tempo.

Nashyila se foi por obra de um câncer fulminante, e o pouco tempo de doente lhe poupou dores maiores. Dali em diante, como o pior triste, ele mudou-se para o Brasil, deixando para trás sua terra natal que lhe foi tão ingrata, lhe roubando tanto sangue. Escolheu um lugar junto ao mar, como era sua Tiro libanesa, e ali foi esperar que as voltas do relógio passassem moendo suas lembranças. Àquela manhã elas estavam mais fortes que o normal. Ainda de pé, na mesma janela onde vira o beija-flor, ele remoeu saudades de dias idos ao lado dela, olhos fechados, semblantes mutantes, sorriso de canto de boca, lágrimas furtivas. Saltou do muro das saudades apenas quando seu fiel cão de guarda latiu do lado de fora, então se deu por vivo e foi viver. Seguiu a sua rotina diária, do caminhar na praia cumprimentando os vizinhos, ao alimentar os pássaros que criava soltos. E como sempre, à hora mesma, depois do meio dia, ligou a televisão para as noticias de além-muro.

O homem estava de pé frente à televisão. Na propaganda um cãozinho faz estripulias com seu dono, e o locutor fala ao fundo sobre as benesses de uma ração especial. Entra o noticiário, o apresentador dá contas sobre um crime banal, depois sobre a cotação do dólar, a previsão do tempo. Mais do mesmo, pensa o homem, ainda de pé. De repente o noticiário muda. Flashes de uma guerra. Um ataque. O velho pára. Vai sentando devagar, sem desviar suas pupilas azuis da tela. A legenda aponta o Líbano, a cidade de Tiro, ao sul daquele país, beirando o mar Mediterrâneo. Pasmo, ele busca nas imagens vestígios de algo seu. Reconhece de imediato a pracinha, a mesma das lembranças de há pouco. Agora não mais havia praça, escombros apenas. Esfregando os olhos, sequer fez força para buscar uma lágrima. Lágrimas não avisam na dor. Reviu seus melhores momentos ali, reviu Nashyila sorrindo, recebendo sua rosa, e reconheceu que os meninos que jogavam bola àquele dia, hoje estariam fatalmente mortos, ou, carregando os fuzis do terror. Fecham-se as cortinas, lágrimas num chalé da Praia Velha. Sangue numa praça em Tiro. Intolerância no coração dos homens.

Para um roxo dia de sol...

Hoje estou fazendo minha primeira postagem aqui. Dizem que nunca é bom começar alguma coisa com as palavras dos outros, mas, quebrarei o protocolo e, minha primeira postagem será um texto do Caio Fernando Abreu (1948 - 1996). Escritor de prosa delicada e agressiva, freqüentemente confessional, muitas vezes transborda de emoção com a lembrança de uma amizade, de uma música ou poema, de um lugar. O texto que segue, foi um dos últimos inéditos que fora encontrado após sua morte. Caio morreu por complicações causadas pelo HIV.

Para um roxo dia de sol de fevereiro

Este vazio de amor todos os dias: a cabeça pesada ao meio-dia, a boca amarga, um cheiro de sono e solidão nos cabelos, uma xícara de café bem forte espantando os arcanos da madrugada, e muitos cigarros, as roupas, o espelho, os colares, as pulseiras. Procuro e não acho. Mas saio para a rua todo de roxo, a barriga de fora.
O sol bate forte na cabeça. O sol bate forte e reflete na calçada e dissolve o corpo em gotas pegajosas escorrendo nojentas e brilhantes pelos braços e pelas pernas por baixo do roxo até cair sobre o asfalto formando pequenas poças que logo se evaporam subindo pelos raios do sol cor de cenoura de fevereiro para novamente descer do alto despertando o suor roxo adormecido no meu corpo.
E na esquina riem. Eu não ligo, mas riem e falam baixinho entre si, homens dispostos na calçada com as camisas abertas entre as verduras da tenda da esquina, os homens de pelos aparecendo pelas aberturas da camisa cochicham entre si e riem. Mas eu piso firme e ergo a cabeça e dentro do meu roxo caminho só-rindo entre as verduras e os cochichos, e ninguém entende: mas silenciam e principiam a rir baixo, apenas para eles, e não têm coragem de dizer nada. Eu passo por seu silêncio irônico e perplexo, a minha bolsa oscila, é como se o sol coroasse minha cabeça e ninguém soubesse ao certo se rir ou calar, de espanto, porque nunca naquela rua passou alguém coroado por um sol roxo de fevereiro.
Depois são os corredores e as escadas e o balcão claro do bar e os grupos de pessoas que não distingo umas das outras, mas vou sorrindo, sou um projétil orientado até certo ponto, depois dele, e é agora o depois dele vou furando o desconhecido, violentando o mistério, vou penetrando no incompreensível, e sorrio para o inesperado, o corpo ereto projetado, e alguém me faz uma saudação oriental na porta de entrada e eu sorrio ainda mais largo: é alguém semelhante a um cão são bernardo, falta apenas o barrilzinho de chocolate, desses abençoados que riem o tempo todo e o tempo todo cantam e dizem coisas e soltam notas musicais por entre os pelos espessos da barba e do cabelo grande.
E entro na sala e sinto que os olhares se debruçam sobre mim e cumprimento alguns e outros e não penso nada: gozo a glória deste momento e sei que brilho mesmo sem saber para onde vou. E tombo sobre a mesa e tento arranjar no rosto um ar compungido, qualquer coisa modesta e bucólica, à beira do perdão, um olhar no horizonte nas janelas do arquivo, para que me amem, para que se condoam, para que não se ofendam com meu sol de hoje.
Mas hoje. Hoje não. É impossível perdoar no meio destas máquinas histéricas e destas pessoas que tão pouco sabem de si destas calças desbotadas do feltro verde do jornal mural das vozes que passam misturando marchas de carnaval john lennon e carlos gardel é impossível sofrer entre os telefones que gritam e o suor que escorre e as laudas numeradas e as pilhas de jornais e livros e a porta que vezenquando abre libertando vanderléias comerciais e meninos de roupas coloridas e ar desvairado.
E hoje não. Que não me doa hoje o existir dos outros, que não me doa hoje pensar nessa coisa puída de todos os dias, que não me comovam os olhos alheios e a infinita pobreza dos gestos com que cada um tenta salvar o outro deste barco furado. Que eu mergulhe no roxo deste vazio de amor de hoje e sempre e suporte o sol das cinco horas posteriores, e posteriores, e posteriores ainda.

quarta-feira, julho 26, 2006

O Choro


Um menino chora à cabeceira da cama de seu irmão depois de um militante suicida detonou um carro-bomba diante de uma papelaria que fazia fotocópias em Al-Jamiyah, em Bagdá.



Chora menino, chora.
Chora o choro de lágrimas não derramadas.
Chora meu menino.
Chora porque você pode chorar.
Chora porque a tua dor é maior que a minha, chora.
Chora e se purifique desse sentimento.
Mas nunca deixe de sonhar.
Chora meu menino, porque o choro vai te ensinar.
Chora por esse mundo irreal de mortes.
Chora por esse mundo desleal de dor
Chora pela morte do seu irmão.
Chora porque você não tem culpa disso.
Chora por esse mundo corrupto e sujo.
Chora por essa guerra imunda.
Chora por esses desejos absurdos.
Chora por essas pessoas.
Chora meu menino, chora.
Assim aliviará a tua dor.

terça-feira, julho 25, 2006

Juca

Juca era um desses caras boa vida. Não era chagado a trabalho ou compromissos. Não tinha emprego fixo ou dinheiro no bolso. Vivia como Deus deixava, na casa de um e de outro. Isso quando não dormia nos bancos da praça. Nunca foi um cara muito bem visto na cidade, mas também nunca foi desonesto. É o tio que não deu certo de qualquer família. Mas ele tentava. Suas paixões eram o samba, a boemia e Maria.

Maria era uma dessas moças de família, com vida regrada, missa aos domingos e telenovelas. Ah como ela gostava! Passava suas noites em frente ao televisor, imaginando como seria a vida das artistas, beijando aqueles galãs todos e vivendo no glamour das celebridades. Mas Maria era tida como moça pura e não dava bola a nenhum marmanjo. Ainda mais com o pai, coronel bravo, que vigiava os passos de qualquer moço que tentasse graça com sua pequena.

Mas Juca, como todos sabiam, era louco por Maria. Tentou de tudo: bilhetes, recados, teatro na praça, flores roubadas do cemitério e o escambal. Mas Maria nem o notava, coitado!

E Juca pensou e pensou numa maneira de chamar sua atenção. Um belo dia, numa roda de samba, entre uma cerveja e outra, seu amigo Mário o perguntou: “Juca, porque você não faz uma serenata para Maria?”. E não é que Juca gostou da idéia?

O problema era fazer a tal serenata num dia que pai não estivesse em casa porque, de outra maneira, uma bala de sal no traseiro era certa! E lá vai Juca observar a vida na fazenda de Maria. O amor era tão grande que Juca resolveu trabalhar na fazenda só para saber em que dia da semana o coronel, viúvo há 5 anos, sairia para afogar suas mágoas e virar homem nas mãos das mulheres que sabem fazer todo homem ser grande.

E assim foi. Sabendo que toda sexta-feira o caminho estava livre, Juca combinou com Mário que a serenata seria na sexta próxima. Só que Juca, vaidoso que só, não queria cantar qualquer samba. Tinha que ser algo que realmente expressasse seu amor por Maria. Então resolve compor seu samba.

Com aquele português clássico de cais do porto e uma voz de gato no cio, Juca se prepara para o grande dia. Não foi trabalhar, tomou banho e encheu a cara para tomar coragem e cantar bem.

Já eram mais de 11 horas da noite quando Juca chega para cantar. Maria, moça de família, há tempos já tinha ido dormir. E Juca começa a cantar e cantar. Maria, dormindo, nada ouve. Só que o Coronel, meio gripado, resolveu não sair naquele dia e ouviu a tal cantoria. Já irritado, percebe que Juca, o tal Juca, estava tentando cortejar sua pequena. E não se fez de rogado: ligou para seu amigo, Pereira, delegado da cidade, para acabar com aquilo tudo. “Ou então eu meto bala”, vocifera o Coronel!

E Juca lá, todo empolgado, cantando com sua voz de gato no cio, não percebe quando chega a viatura...

- Teje preso cabra safado! Onde já se viu cantar na janela de moça de família?
- Mas seu delegado, só estou tentando ganhar minha Maria.
- Nem mas nem meio mas. Aqui na minha cidade a lei tem que ser cumprida. Cala boca e entra na viatura meliante.

Juca muito esperto, tenta convencer o delegado que a prisão não era válida. Desde quando alguém é preso por cantar? Tudo bem, o terreno é privado, já eram altas horas. Mas ser preso era um pouco demais...

- Vamos cabra! Entra na viatura.
- Seu delegado, não podemos conversar um pouco? Desde quando o amor é crime ou o samba é pecado?
- Meu amigo, a questão não é essa. O senhor invade o terreno dos outros, do CORONÉ, uma hora dessas, fica fazendo essa cantoria horrorosa, sambando na frente da janela alheia, e quer que o faça o que? O homem é bravo! Ou vai em cana ou leva bala!
- Delegado, o senhor pode ser bamba na delegacia, mas o senhor nunca fez samba e nem conhece Maria. Vamos fazer o seguinte: vamos tomar umas, bater um sambinha de mesa e conversar um pouco mais. Hoje é sexta-feira, não vai ter crime para o senhor resolver.
- ...
- Vamos lá.

E lá vão os três: Juca, Mário e o delegado, fazer samba e boemia. Maria? Roncando que nem uma porca daquele jeito não acordaria nem com a terceira guerra mundial.

O samba que Juca cantou pro delegado?

Juca foi autuado em flagrante como meliante
Pois sambava bem diante da janela de Maria
Bem no meio da alegria a noite virou dia
O seu luar de prata virou chuva fria
A sua serenata não acordou Maria

Juca ficou desapontado declarou ao delegado
Não saber se amor é crime ou se samba é pecado
Em legítima defesa batucou assim na mesa
O delegado é bamba, na delegacia.
Mas nunca fez samba nunca viu Maria
O delegado é bamba na delegacia
Mas nunca fez samba nunca viu Maria

Juca - Chico Buarque

sexta-feira, julho 21, 2006

Autismo

Entre a lembrança do que foi bom e viver por comodismo, fico entre a saudade e a vontade. Porque alguns são do tipo que sonha. Outros realizam. Eu sou legislador de sonhos, porque vivo a eterna fantasia do que eu poderia ser, evitando a realidade do que não sou. Não tenho coragem de quebrar as regras e seguir sonhos, porque meu limite é legislar. E por isso, a fantasia me completa, tornando as coisas mais frustrantes mas menos insuportáveis.

Não há espaço para a vida que pretendi, porque a vida real me levou para a antagonia dos meus sonhos. Na realidade eu evitei trabalhar os sonhos em troca de qualquer tipo de sucesso. Porque alguns nascem com sorte e outros com talento. Mas existe uma fatia do mercado de pessoas que não têm sorte ou talento. Nela me incluo. Torno os dias ternos na eternidade dos meus sonhos. Entre o público e o privado. Entre a cama e o travesseiro.

E entre e realidade e a fantasia, sigo evitando a verdade, porque não acredito nela. Na verdade a mentira é a maneira de encontrar um caminho suportável, quando a vida é um lamento. Eu não lamento o que eu faço, mas prefiro acreditar que o que deixei por fazer não é débito meu, mas crédito da vida que me ofereceram.

Mas eu, legislador de sonhos, tenho a possibilidade de viver o que quero, num mundo autista e reservado, onde sou aquilo que não posso, existo na medida do impossível e realizo aquilo que desejo. Porque há distância entre intenção e gesto, concreto e abstrato e, no mundo real, sou o oposto do abstrato, tentando ser concreto e confundindo pensamentos, desejos e vontades. Mas vivendo como posso e, nem sempre, como quero.

E na tenuidade das verdades, sigo numa linha imaginária, onde tudo que pretendo é continuar, na medida do possível, suportando a dor de qualquer vida medíocre, onde os momentos de alegrias são geralmente suplantados pelo dia-a-dia. Meias-verdades.

Enquanto sigo com as minhas verdades, ou falsas mentiras e meias-verdade, vou descobrindo todo dia que hoje é só um acontecimento irrelevante, entre a mediocridade e o autismo, no meu mundo secreto e particular, onde posso tudo que desejo e realizo as minhas vontades.

quarta-feira, julho 19, 2006

Um caso de amor

Passei de carro esses dias na rua que o Renato Russo morou. Fiquei observando os detalhes, e tentando imaginar sua vida ali, naquele ponto do planeta, distante do resto do mundo, num tempo onde as coisas aconteciam na velocidade da imaginação. Pensei em seus vizinhos, amigos, amores secretos e como era sua vida como um adolescente, em plena ditadura militar, na capita federal. Devem ter sido dias difíceis.

Eu conheço muito da vida e da história do Renato, porque li muito a seu respeito. Depoimentos do próprio, da família, dos amigos. Enfim, não posso me dizer um especialista, mas conheço bastante. E mesmo vivendo aqui em Brasília nos tempos da Internet, onde conhecer uma música está ao alcance de um clique, fico imaginando suas tardes em casa, entediado, ouvindo seus discos e fazendo seus planos para sua futura banda de rock. Engraçado sonhar. Eu vivo sonhando com minha banda, mas ele foi além: tornou seu sonho realidade.

E fico imaginando ele conversando com seu jeito agitado e apressado de falar. Conversando com Marcelo Bonfá, Herbert Vianna, Ico Outro-preto, André Pretorious, Fê Lemos e tantas outras, hoje, lendas do rock. Quais eram os papos? Onde eram os points? Não os oficiais, que todo mundo conhece, mas aqueles lugares secretos para fumar um baseado ou curtir com uma garota.

E viajo nesses pensamentos, num misto de saudade do que não vivi e inveja dos anônimos que, ignorantes do futuro, seguramente não valorizaram aqueles momentos. A tia de um amigo meu de Brasília foi a paixão do Renato por muito tempo. Qual o sentimento dela, hoje, diante desse passado? E os amigos anônimos, onde estão? O que fazem?

As noites frias e desertas de Brasília. Na praça dos três poderes tem uma tocha no alto de um monumento que agora me falta o nome. Passei por lá de madrugada e vi um grupo de jovens lá em cima, fumando alguma coisa que provavelmente era maconha. Não pude deixar de ver ali o Renato e sua turma, batendo papo e viajando na onda do THC. Em frente ao congresso há um enorme campo verde. Ali os jovens se reúnem para tocar violão e curtir a música. Da mesma forma, não há como não pensar nos caras tocando as preferidas, flertando com as gatinhas e curtindo aqueles momentos.

E o Renato monta sua banda. Aborto Elétrico. Quais eram as expectativas dos músicos? Serem famosos sim, mas em que dimensão? E os ensaios? E os momentos de composição das letras e dos arranjos? São muitos detalhes perdidos entre o oficial e a realidade. Fico aqui encafifado tentando viver isso tudo. Mas não dá!

O primeiro show dos caras, no “Só cana”, que hoje nem existe mais, deve ter sido visto com desprezo pela maioria. Eram um bando de filhinhos de papai revoltados com o sistema. E depois vieram os shows e o reconhecimento local. E a banda acaba e Renato vira o Trovador Solitário.

E eu acho que ali ele deixou de ser o filhinho de papai revoltado com o sistema e se tornou Renato Russo. Misturou rock com folk, num estilo próprio e ainda exclusivo desse lado do atlântico. Mas não era o bastante: ele queria ter sua banda de rock.

Só que entre todas essas fases há uma série de momentos, digamos, normais. Acordar, dormir, andar pelas ruas, dar aulas de inglês, estudar, etc. Só que eu acho que em nenhum momento ele se separou da música. Nem dos amigos.

Mas o resto é história. Mas não consigo de parar de pensar, cada vez que passo em certos lugares, que ele andou por ali enquanto pensava em um monte de coisas, dessas que a gente pensa enquanto anda pelas ruas. E com sua turma de revoltados, mudou para sempre a cara do rock brasileiro.

Acho que é por isso que estou gostando tanto de Brasília!

terça-feira, julho 18, 2006

O Luciano

O Luciano era um cara estranho... no colégio particular em que ele e mais outro tanto de pré-adolescentes filhos de classe média estudavam sempre era aquele menino que não fazia parte de nenhuma turma. Era solenemene ignorado pelo pessoal descolado. Afinal, com aquele visual "camisa-pra-dentro-da-calça" e tênis antiquados, sem falar da postura, mais antiquada ainda, passaria sempre longe dos ícones de popularidade do colégio. Com os CDFs, por outro lado, tinha uma relação um pouco mais amigável, ainda que fria. Apesar do rendimento medíocre na maior parte das disciplinas, o Luciano escrevia extremamente bem (ou pelo menos era o que dizia o professor de Redação, um dos poucos que sabia seu nome, e ao qual os alunos em geral não davam lá muita atenção) e tinha notas invariavelmente altas em História, Geografia e Literatura. Isso o aproximava um pouco da turma que disputava praticamente aos tapas os assentos mais próximos do professor, ainda que ele próprio sentasse sempre sozinho no fundo da sala. Às vezes era mesmo confundido com um dos bagunceiros; grupo animado e propenso a brincadeiras fora de hora, sempre ali pelo fundo dando trabalho a professores e coordenadores. Mas uma olhada um pouco mais atenta permitiria logo perceber que aquele menino magro, de olhar tristonho e cabeça sempre baixa definitivamente não tinha o perfil de alguém que bagunçasse numa sala de aula. Na verdade, de alguém que já houvesse bagunçado onde quer que fosse alguma vez na vida.

Mas lá vinha o Luciano, o velho walkman já meio arrebentado na mochila, escutando no ônibus a caminho da escola a fita cassete que acabara de gravar... Era de uma banda estranha. Uns sujeitos que falavam dos males do mundo, mas que o faziam por meio de um som tão melodioso e agradável que era prazeroso ouvi-los. As letras das músicas, em Inglês, ele havia conseguido aqui e ali, já sabia quase todas decoradas. Eram estranhas... depressivas muitas delas... mas faziam pensar... igual ao livro que lia agora, cheio de anotações e pedaços de papel de caderno marcando os trechos mais importantes. Nele alguém explicava, numa linguagem às vezes complexa demais pra uma cabeça de 15 anos que mal começara a desvendar o mundo, que a liberdade é, no final das contas, um fardo cujo peso aqueles que em algum momento de suas vidas davam-se conta da existência, tinham de carregar. O Luciano já havia lido dezenas de vezes este trecho. E lia uma vez mais agora... e já se pegara pensando algumas vezes se afinal seria vantajoso ser livre, ou se o melhor - e menos doloroso - seria a vidinha de todo dia, tentando a todo custo criar laços afetivos com quem nem mesmo o queria perto. Fechou o livro vagarosamente, tirou os fones e olhou com ar distraído pela janela. Aquela gente dos livros que pegava com frequência na biblioteca vivia falando dum mundo enorme, tão cheio de complexidade. E ele, o Luciano, queria tanto poder falar com quem quer que fosse sobre as coisas que lia, escutava e adivinhava... Sim, porque muitas das idéias que tinha eram mais adivinhadas que lidas. Vinham assim, chegando meio como quem não quer nada, e quando o Luciano menos esperava, ele simplesmente "sabia" como as coisas eram. É que agora, enquanto via aquele mundo de rostos sem expressão indo e vindo logo ali fora, ao alcance duma janela, sentia uma necessidade desesperadora de buscar alento no outro... fosse o outro o pai... o melhor amigo... ou mesmo o professor de Redação a quem ninguém dava tanta atenção.

Mas era um alento que, apesar de tão novo, o Luciano já tinha plena consciência de que não teria. Acostumara-se já ao risinho condescendente da professora de educação religiosa (disciplina teoricamente importante no colégio católico em que estudava) quando tentara por algumas vezes expor suas dúvidas e incertezas. Da mesma forma como acostumara-se ao gosto amargo das negativas das meninas por quem as paixões juvenis fizeram o coração bater um pouco mais forte, cheio de sonhos. No início ainda sentia um calor subindo-lhe pelo rosto e avermelhando as bochechas quando, durante a formação de equipes para os trabalhos escolares, percebia de um a um os colegas sendo escolhidos e ele, o Luciano, sempre ali, entre os últimos (muitas das vezes "o" último). Já desistira dos esportes... era sempre o mais espancado em todos os que tentava tomar parte. E isso sem falar da zombaria morna do dia-a-dia por causa das músicas que escutava... dos livros que lia... das coisas que - cada vez menos - dizia...

Enfim... em alguns minutos o Luciano desceria do ônibus. E, como em todos os outros dias, começa a lhe subir o mesmo calor pelo corpo, o mesmo afoguear nas bochechas. E era sempre como se ele saísse - cada vez menos à vontade por ter de fazê-lo - do mundo admirável dessa gente que parecia oferecer respostas a todas as suas inseguranças e angústias, pra entrar em um em que não o entendiam, nem tampouco aceitavam. É... o Luciano é mesmo um cara muito estranho!

segunda-feira, julho 17, 2006

Tédio (com um T bem grande pra você)

Ontem a tarde, depois de ficar no hotel o fim de semana todo, resolvi dar uma volta em Brasília. Peguei o carro e fui em direção ao Lago Norte, encontrar com um amigo que mora por lá. Depois de pegá-lo, resolvemos dar um pulo em um pub irlandês da 409 sul. Fechado. Fomos em outro bar, na 303 sul. Fechado. Rodamos a asa sul em busca de alguma diversão regada a álcool, mas a cidade resolveu não ajudar.

Na verdade comecei o texto falando sobre a tentativa de diversão em Brasília num domingo à noite para, na verdade, falar sobre Renato Russo. Conversando com esse meu amigo a gente entendeu de onde o Renato tirou inspiração para escrever as letras da primeira fase da Legião. Caramba, rodamos mais de duas horas e não encontramos nada para fazer! E isso me lembrou a música anúncios de refrigerante, que acabou de ser estragada (gravada) pelo Capital Inicial:

“E chega o fim de semana e todos se agitam, sempre a procura de uma festa. Os carros rodam enquanto se tem gasolina e ninguém nunca agita nada...” E ontem foi exatamente assim conosco. Rodamos enquanto tinha gasolina procurando uma festa. No fim das contas encontramos algo para fazer, na mesma quadra e na mesma asa...

E outra coisa interessante aqui em Brasília, para mim que sou fã do BRock, é passar pelos lugares que eu tanto ouvi nas músicas da Legião Urbana. “Parque da Cidade”, “Conjunto Nacional”, “Eixão”, “Taguatinga”, e tantos outros lugares que fazem parte das músicas que embalaram minha juventude. Não posso dizer ainda que minha relação com Brasília seja de amor e ódio. Estou morando aqui por apenas um mês e ainda não posso concluir nada além de estranheza.

Aqui é o oposto do conceito de cidade. Não tem cachorro vira-latas na rua, gato atrás de rato, gente. Não tem uma viv’alma para pedir informação quando se está perdido. Bem verdade que uma vez entendido o esquema de direção por aqui, fica difícil se perder. Mas é tudo muito esquisito. Você percorre, 40 ou 50 quilômetros como se fosse ali na esquina. Só que aqui não tem esquinas. Eu não me canso de falar que aqui não tem esquinas. Mas não sei explicar o que é uma cidade sem esquinas, apenas vejo e acho estranho. Da mesma forma, não tem ladeiras. É tudo plano. Chega ser tedioso em alguns momentos. E além de tudo isso, estamos na estação da seca. Umidade do ar beirando os 30%. E ainda por cima um frio de rachar. Temperaturas em 10 graus. Respirar aqui é um problema: o nariz arde, os olhos ardem, a boca racha. Da outra vez que tive aqui reclamei da ausência disso tudo em Brasília. Me lasquei, porque peguei tudo em dobro.

Um outro pensamento que tive, enquanto voltava para casa, depois de deixar meu amigo no Lago Norte, foi o de estar dirigindo na capital federal. Não sei quanto a vocês, mas eu nunca imaginei que um dia teria a vida que levo. Sempre fui um cara de classe média, mais pra baixa que pra média, cujos objetivos sempre se resumiram em conseguir um bom emprego em Salvador e, quem sabe um dia, fazer algumas viagens pelo Brasil. Mas ontem eu estava na L4 sentido sul, com o Congresso Nacional do lado direito e o Lago Paranoá do outro lado. E naquela hora eu tive aquele sentimento de deslumbramento que é pouco comum em mim.

Naquela hora eu pensei comigo (enquanto tocava vento no litoral da Legião): caralho, estou dirigindo em Brasília. Estou morando em Brasília. Cara, olha o eixão, olha o congresso... E fiquei ali, com um olho na pista e outro sonhando aberto. Isso acontece sempre que tenho a oportunidade de dirigir, sem me perder, em outra cidade. Lembro do dia em que voltei de Gramado para Porto Alegre. Cara, eu nunca na vida pensei que conheceria gramado, muito menos na semana de cinema e, ainda por cima, dirigindo.

Não q’eu seja um apaixonado por carros. Longe de mim. A verdade é que não gosto de dirigir. Mas gosto de dirigir carros inéditos e em cidades estranhas. Em minha cabeça passam muitos pensamentos, porque eu jamais me imaginei conhecendo tantas cidades, morando em tantos lugares, dirigindo para lá e para cá.

Bom, fico por aqui. Já chega de deslumbramento. Aguardem a viagem que vamos fazer para a Chapada dos Veadeiros.

sábado, julho 15, 2006

Um caso de acaso

Mais um gole de vinho em minha taça, para apreciar o espetáculo. Ela dormindo. O corpo miúdo encolhido na grande cama de casal. Dorme em posição de concha, minha menina. Suas pérolas castanhas escondidas sob as pálpebras. Os cabelos longos e vibrantes, ainda acordados, espalhados. O peito subindo e descendo num ritmo regular, lento.

E eu ali, mero expectador, sentado na beirada da cama. O rosto vermelho, o corpo quente como quando com febre, taça de vinho na mão e um sorriso estúpido no rosto. Fazia tempo que a gente se conhecia, pensei tomando o último gole da bebida e pegando um maço de cigarros no bolso da camisa que estava no chão, aos meus pés. Era um dia parado, daqueles em que você não quer fazer nada a não ser tragar alguma esperança alheia. Olhei para o cigarro em minhas mãos com reprovação. Ela odiava quando eu fumava, exceto quando estava lendo. Aí não se importava com nada! Os pensamentos voaram para aquela tarde chuvosa de quarta feira de quando a gente se conheceu.

Lá estava eu, cigarro na boca e ausência de sapato nos pés. Ela estava sentada num banco de esquina, lendo. Passava constantemente a mão na nuca, levantava os cabelos, se encolhia de frio. E eu só pensava como diabos uma pessoa conseguia ler assim, tão incomodada com o clima ou algo mais. Parei. Sentei. Perguntei. Fui completamente ignorado. Ela nem sequer olhara para mim ou para meus pés descalços.

Olhando mais de perto, tinha os olhos vidrados na leitura. O resto do corpo havia se desprendido dos olhos, da parte do cérebro que absorvia aquelas palavras miúdas numa página amarelada. O resto do corpo se importava com o frio, com o tempo nublado, com a posição desconfortável num banco de praça. Mas não aqueles olhos. Eu só observava admirado, até que uma neblina inconveniente começou a cair. Quando a primeira gota caiu certeira na página que ela lia, a adorável desconhecida deu um pulo que, admito, me assustou. Eu, pobre inocente, caí do banco de susto, justo com a bunda no chão. Meu cigarro, também caído, jazia encharcado numa poça d’água. Senti-me mal com o afogamento. Por muitos anos o cigarro tinha sido meu maior amigo. Olhei para ela, ressentido. Tudo em mim gritava “assassina”. Ela devolveu o olhar, com uma expressão culpada.

Parou em frente a mim, perguntado se estava tudo bem e estendendo a mão para eu levantar. Sua voz ecoou por alguns segundos em meus ouvidos. A chuva engrossava e ficava difícil ouvir. Fiquei atordoado, completamente mudo: um inútil sentado no chão. Ela suspirou, meio impaciente. Escondia o livro por baixo da blusa de algum tecido grosso que não sei o nome. “Vem”, chamou segurando minha mão, “Eu te pago um café”. Esqueci de dizer que cafeína era o que eu menos precisava, graças às minhas noites insones, até ser arrastado para uma confeitaria próxima.

Sentamos, molhados. Ela sorridente. Eu ainda mudo. “Então, qual é o seu nome?”, ouvi. “Eu... Hm... Ah...”, respondi. “Tudo bem, esquece. Isso não importa. A gente provavelmente nunca mais vai se ver mesmo”. “É Jonas”.

quinta-feira, julho 13, 2006

Do sonho

Eu estava, como muitas vezes estou (o cenário dos meus sonhos se repetem e alternam), num lugar semelhante à uma casa de lembrancinhas no Chile, mas que evidentemente não era uma loja de suvenires, uma vez que tinha sofás e pessoas sentadas neles, bebendo e conversando, mas não conhecia todas elas.

Das que eu conhecia, faria sentido se fossem o Jota, a Carola, a Zettler e o Pirilampo, que tinham estado bebendo na minha sala algumas horas antes, mas não posso dizer que eram, veja bem, eu já não me lembro muito bem, mas creio que a Karen talvez estivesse.

Havia um rapaz, e ele me mostrava truques com cartas, não sei se de baralho ou tarô ou de outro tipo qualquer, mas quando ele as pôs sobre a mesa eu derrubei vinho tinto sobre elas e elas ficaram manchadas e o garoto ficou bravo só que ficou por isso mesmo.

Depois estávamos sentados, ele no sofá e eu no chão, e ele me espezinhava, mas de um jeito amoroso, como o fazem os namoradinhos de terceira série, e roubou a presilha do meu cabelo, coisas assim, até que a pessoa do meu lado disse “pára de ser chato, as cartas nem mancharam, era sangue do diabo” (para quem não teve um kit de química quando era criança: sangue do diabo é uma substância vermelha e que vai perdendo a cor até sumir) daí me levantei para ver, mas era mentira, as cartas estavam manchadas de verdade e eu fiquei um pouco mal por causa disso e quis lavá-las, assim o sujeito parava de me espezinhar ou me espezinhava do jeito correto, pelo menos.

Daí levei as cartas para a cozinha, que era toda branca e sobre o tanque haviam duas bacias. Uma delas estava cheia de imãs brutos e brilhantes flutuando na água (tinha uns dentro da pia, mas pus esses na bacia também) e quando eu mexia em um, todos se rearranjavam num balé aquático magnético e eu me distraí olhando para eles por um tempo. Na outra bacia, um monte de pedras coloridas e polidas, daquelas que se vendem muito em lojas de suvenir, o que faz bastante sentido, pensando agora.

Depois disso tudo me lembrei que realmente queria lavar aquelas cartas e lavei mas elas ficaram encharcadas, as 2 primeiras, então fui até a parede que estava cheia de cartazes e colei elas lá pra secar. Eu ia voltar ao tanque para lavar o resto, mas apareceu uma menina de casaco bege e ela tirou um cigarro da minha mão, que apareceu quando eu não estava olhando, só que ele não estava aceso e ela perguntou por que eu não tinha isqueiro.

Eu acordei no quartinho pensando “ora puxa vida, que sonho mais louco”, e queria dormir mais só que havia um computador do lado da cama e minha mãe digitava nele enquanto minha avó e minha tia reviravam o armário em busca de um casaco.

E então eu estava na garagem do prédio, que estava cheia de carros – podia não estar, as pessoas tiram às vezes os carros das garagens. A garagem em certo ponto virava a cozinha e eu lembrei que queria muito mesmo lavar aquelas cartas, assim sendo lavei mais duas no tanque, mas elas não eram mais de baralho nem de tarô ou do que quer que tinham sido a princípio, agora eram cartas “supertrunfo” com atores de um seriado que eu costumava assistir e já não filmam mais, e eu achei aquilo esquisitíssimo, como era de se esperar, enquanto ia até a parede dos cartazes para colar essas novas duas cartas, se é que não eram as mesmas, pois as velhas já não estavam lá e torci para que a garota do casaco não viesse de novo, porque eu precisava lavar aquelas cartas de verdade, mas – batata – lá estava ela outra vez e tirou outro cigarro da minha mão e este também não estava aceso, por isso ela perguntou novamente pelo isqueiro, mas como ela ainda estava fumando o outro cigarro eu lhe disse que acendesse com a bituca, e foi o que ela fez.

Acordei, e estava aquela algazarra no quarto e de onde diabos tinha vindo aquele computador, nunca teve computador na casa da minha avó, e acho melhor levantar porque estou com a boca meio seca e o sol já vai alto. Daí acordei de verdade, puta merda, que coisa estranha, sonhar que acorda no lugar em que se está dormindo, um sonho cebola e é claro que ainda era noite e não havia computador algum, muito menos minha mãe, que a esta altura está em algum lugar de minas gerais se afogando em queijo e doce de leite ou ao menos dormindo sobre uma pilha deles, mas a única diferença aparente é que fora do sonho as coisas estavam como é obvio que elas deviam estar, se bem que no sonho era perfeitamente natural então – pois bem- só falta acordar de novo.

Mas só levantei e fui até o banheiro, acendendo a luz dei de cara com o relógio de pulso do meu avô, que ele deixou sobre a pia e é claro que eram exatos 5:55 da manhã, porque toda vez que eu olho no relógio é um horário de números repetidos. Não que haja qualquer relação entre eu e o tempo, cada relógio conta seu próprio tempo. Isso é só entre eu e eles.

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90% sonho de verdade
10% poliéster.

terça-feira, julho 11, 2006

Mais com menos

E fosse chuva, dezembro ou carnaval, o menino estava lá. Chegava cedo, vindo não se sabe de onde. Certo é que chegava. O traje mesmo de cada dia, calção roto, camisa puída, olhar de senão. Seu porte mirrado não se deixava levar pelas provocações dos maiores, se impunha, sempre. Certos carros modernos, de tão altos, lhe dificultavam o acesso. Mas era certo, no fim de cada dia, sobrar um trocado, e a barriga enganada. Noitinha feita, sumia o menino pela larga avenida para só voltar no outro dia.

Então veio um julho de chuva, e uma certa manhã sua. O menino tremia encobrindo as mãos com a camisa mesma. Já passava das dez, e todos os carros acharam por bem não abrir seus vidros. A fome foi aumentando. Amigos do lado recorreram ao “lírio”, mas o menino não quis. Veio um carrão, parou. Ele estendeu a mão dormente e fria, e levou um grito, e um safanão. Recolheu-se triste num canto. Tempinho depois, voltou. Parou outro carrão. Repetiu-se a cena, mas, invés de safanão, alguém lhe acariciou a cabeça, e disse não ter uns trocados. O menino voltou pro seu canto, mas levou no rosto um sorriso de prato cheio. Chegou a hora do pseudo-almoço, e nada de pingar uns trocados. Arriscou num último carro. Uma senhora com cara de vovó parou, abaixou o vidro, e disse ternamente:

“oh, meu querido, desculpe, mas não tenho nenhuma moedinha, aqui...”

E ele replicou:

“ah, vó... então passa a mão na minha cabeça...”

sábado, julho 08, 2006

Valente.

Era um homem de poucas manias, mas insistia em manter o seu Gurgel 82. Bem verdade que o carro já houvera sido completamente trocado, peça por peça, com a possível exceção do chassi. Mas quando isso é feito aos poucos, não se sente.
À época da faculdade, ainda, quando conseguiu juntar grana da mesada e de uns softwares que fazia, eventualmente, em Clipper, para algumas empresas, comprou o carro. Usado, mas ainda quase novo. Mal tinha dinheiro para colocar gasolina. Quando a idade veio para o pobre carro, e algo que não impedisse de andar quebrava, quebrado permanecia. Não por falta de cuidado, mas por falta de recurso.
Nisso, ia que o carro não tinha o retrovisor interno, que a porta do motorista era amarrada com duas cordas (no dia que caiu, o fez no meio da Paralela, e por pouco não causa uma tragédia maior). Entrava-se pela porta do carona. A lâmpada interna não ligava, a terceira marcha, das quatro, não funcionava. Era uma grande coisa administrar as oitocentas cilindradas da segunda para a quarta.
Os pneus rodavam sempre carecas - quando não tinham mais jeito, comprava pneus usados no borracheiro. Cada vez um ou mais faróis não estavam funcionando, ou os piscas. Até sem freio, também, andava. E isso tudo sem falar nos barulhos, nos rasgos do estofado, manchas nos plásticos, no porta luvas que abria quando a roda batia num buraco, dando um susto em eventuais caronas desavisados, na fumaça, na falta dos tapetes, e tantos outros detalhes e idiossincrasias justificadas do Gurgelzinho velho de guerra.
Chamava-o de Valente, e eventualmente, até, conversava com ele, especialmente quando falhava andando...

- Ora, Valente! Não esmoreça! Só faltam setenta quilômetros para chegar de volta em Salvador! Prometo que te dou um óleozinho novo! Troco mesmo! Nada de completar, dessa vez! Vamos, Valente!

Ou quando ocorria de a não dar certo a ignição:

- Vamos, Valente! A vida é boa, amigo! Olha que solzão lá fora! Vamos dar uma voltinha! Ver o mar! A gente vai buscar a Rita, sabia? Aquele traseirão vai estar no seu banquinho em minutos!

Uma associação engraçada que o Pereira fez, era que ele parecia estar falando com um cavalo. É quase tão bobo conversar com um cavalo quanto com um carro, mas realmente a imagem parecia fazer sentido. "Tipo aqueles velhos faroestes", de onde a charanga parecia ter vindo, ainda segundo as pilhérias do Pereira...
Mas as conversas eram tão boas que, às vezes, Valente acabava indo. Outras vezes não ia, e tinha que se chamar o Arionor - o mecânico e "pai" do carro.
- Vim buscar o meu filho! - anunciava Arionor, um negro baixo, feio, gordo, bigodudo e sorridente, chegando em seu velho Fusca verde.
Algumas vezes conseguia resolver o problema lá mesmo, noutras rebocava, com o fusca e umas cordas, o carro, até a Vasco da Gama - desfilando uma cena peculiar do Gurgel verde sendo rebocado pelo Fusca verde.
Depois o velho Nonô trazia o carro de volta na porta da casa do Neto, e declarava coisas como:
- Foi o cabo do acelerador que partiu, seu Neto. Mas eu dei um nó bom, e não gastou nada, não. Só tem que tomar cuidado que o acelerador vai ficar mais alto, agora.
- Diz aí quanto é que eu te devo, Nonô?
- Dessa vez nada, não! Na próxima, quando for alguma coisa, você paga!
E o Neto, constrangido, não tinha nem condições financeiras para fazer questão de pagar.
Tinha o lado bom da história, também, é claro. Era o único carro da turma - o Marquinhos e o Valmir tinham motos - a Petarda e a Lady, respectivamente. Mas o Valente é que cabia gente e mala para levar a turma aos acampamentos, praias e viagens que eles organizavam sempre que podiam - Itaparica, Aracaju, Porto Seguro, ou até um passeiozinho domingueiro para Piatã...
Isso sem falar nos namoros no carro. É impressionante o que se pode fazer, se houver (boa) vontade, numa “caixinha de fósforos” daquela. Lembrava com saudades da Claudinha - que não o saiba o Valmir -, da Meire, da Luana e, claro, das primeiras vezes com a Fábia... e o velho Valente sempre estava nas lembranças. Bem verdade que tomou o lendário fora da Joana, também, encostado nele:

- Pare com isso, Neto! Não ta vendo que eu sou muita areia para o seu Gurgelzinho!

Ao que arrematou na lata, para os risos da turma:

- Calma, Valente! Ela não falou por mal! E você sai logo daqui, Joana, que acabou de magoar o meu carro!

Nunca mais teve chance com a Joana. (Não que já houvesse tido realmente, mas quem sabe?)
Comoção maior se formou, na turma, quando o Arionor morreu.

- O Valente sobreviveu ao velho Arionor, hein, rapaz? E agora, quem conserta?

E lá iam dois anos que ele não encontrava nenhum mecânico tão bom quanto o velho Nonô.
Há algum tempo já tem dois carros - a firma de software vai de vento em popa e, atualmente, o segundo carro é um belo utilitário esportivo, que acomoda toda a família. Fica geralmente com a Fábia, que hoje é sua mulher.
E eis que, depois de um jogo no Barradão, ao qual ele foi com o Gurgelzinho, hoje em dia recauchutado, parecendo novo, o bicho começou a fazer um barulho. Na manhã seguinte estava com o carro no Luís, o mecânico que ele estava tendendo a “adotar”, na Baixa de Quintas. O ajudante, um chinesinho a quem chamavam “Bruce Lee”, acompanhava ao largo.

- E aí, Luís?
- Bom dia, seu Neto! Qual foi o problema?
- Está fazendo um barulho, quando troca a marcha.
- Como é o barulho?
- Um barulho seco, e meio estridente, parecendo de metal arrastando...
- Sim, mas, como foi?

Era uma situação nova. Nonô buscava o carro e via por si. Das outras vezes que levou o carro em Luís, não eram barulhos.

- Como eu falei, ora! É rapidinho, assim, deve durar um segundo! No momento da troca de marcha... Estridente.
- Ué... Faz aí o barulho!
- Fazer?
- É.
- Quer dar uma volta no carro?
- Não precisa. Tô com outros, inclusive, para resolver aqui. Faz aí o barulho, seu Neto!

Fez rápido, com uma cara de normalidade, para não ficar de bobo.

- Chiic! Chiééc!

Bruce Lee, a dois metros, riu.

Neto deu uma desculpa e saiu - foi direto para uma concessionária -, e comprou um carro novo, um Celtinha completo. Ainda saiu algumas vezes com o Gurgel, mas o barulho aumentou, e há alguns meses, Valente envelhece na garagem, parado...
(Viva o Expressões! Viva a reforma! Vida nova - textos quase todos os dias. Deu certo!
E vamos que vamos!!!)
[]´s

sexta-feira, julho 07, 2006

A partida

E ele se foi. Com uma embalagem quase vazia de Mentos sabor canela saindo de um bolso da calça e um sorriso sem graça no rosto. Não ousou olhar para trás e ver a mulher que deixou despedaçada. Foi melhor assim - para ele - pois não gostaria de ver no rosto, que um dia amou, aquela expressão quase demente de mulher desesperada.

E ela ficou. Encolhida em um canto da sala que agora parecia tão grande. Tentando levantar e continuar a vida, enquanto fitava as costas do homem que tanto amava. Seu olhar perdido nutria ainda uma tênue esperança de que ele voltaria e a beijaria. Um beijo com gosto de canela.

Mas isso é a vida real, ele não voltou. Ele friamente fechou a porta e partiu.

quinta-feira, julho 06, 2006

Deutschland Über Alles!

Bem verdade q’eu não pretendia escrever sobre futebol. Nunca fui muito bom no esporte ou mesmo entendo as regras. Só q’eu sou brasileiro e, meio que por osmose, não consigo ficar alheio, especialmente em ano de copa do mundo, quando somos bombardeados de informações, programas, jogos e etc.

O que eu sei é que eu não acreditei nem por um momento no hexacampeonato, especialmente pelo fato da copa ser na Alemanha. Para mim existe um complô: a seleção da casa ganha o jogo. Fato que este ano não se confirmará, já que a Alemanha foi eliminada ontem. Mas não foi este o principal motivo da minha descrença total na seleção canarinho comandada pelo pé de uva.

O que eu não admito e aceito é que uma seleção formada por estrelas ganhe campeonato. Jogo se ganha com atletas e a nossa seleção não tinha quase nenhum. Praticamente todos eram celebridades e, aqueles que não eram, não podiam ser escalados, já que o patrocinador não permite convocação de qualquer jogador.

Como podemos acreditar numa seleção cujo treino tem torcida, transmissão de televisão, com direito a narrador e tudo mais? Impossível! Não obstante o talento dos jogadores individualmente, um time é formado por um grupo de pessoas, e nunca pelo talento individual. Tínhamos em nosso time os melhores jogadores do mundo. Mas antes, quando o esporte era encarado com esporte, isso contava pontos. Hoje o futebol é um negócio, uma máquina de fazer dinheiro, com politicagem, funcionários e metas financeiras. E sabemos que nem sempre a melhor empresa ganha os melhores negócios.

Acho que perdemos a copa do mundo quando pé de uva foi convidado para comandar a seleção. Aquele cara não tem condições de motivar um time, de colocar cada um no seu lugar e principalmente, não tem ovos para enfrentar a Nike. Porque quem convoca jogadores não é a comissão técnica. A Nike decide quem entra, quem joga e quem fica no banco. E assim foi.

E assim, com jogos opacos e feios, passamos jogo a joga. Resultado é o que importa. Jogar bonito não conta. Eu concordo com tudo isso. Mas jogar bonito é diferente de jogar bem. Jogamos mal. Se tecnicamente éramos bons, taticamente éramos bosta.

Fiquei triste pela derrota vergonhosa contra a França. Mas não merecemos ganhar aquele jogo. Como quase nenhum. Até porque os objetivos individuais, quase todos, foram alcançados. Maior goleador da história, o jogador com maior número de jogos, o maior número de gols numa copa. O maior isso, o maior aquilo. Que coisa tola! Eu quero é chegar na final e ganhar a porra do campeonato. Foda-se o maior isso ou aquilo. Mas não podemos mudar os resultados.

Mas essa copa teve uma coisa muito boa, pelo menos para mim. Eu estava num hotel com mais 15 caras e uns 60 argentinos, assistindo o jogo Argentina x Alemanha. Eu estava vestindo uma camisa da Alemanha, quando sai correndo e pulando entre os hermanos gritando: Deutschland über Alles! Deutschland über Alles! Deutschland über Alles! Que em bom português quer dizer “Alemanha acima de tudo”. Uma frase bem nazista, isso é verdade. Mas o objetivo era irritar os caras. E conseguimos.

Cada gol da Alemanha nos pênaltis era comemorado com euforia por nós. E claro, cada gol perdido da Argentina também. No final 3 argentinos partiram para cima do nosso grupo, mas acabou não dando em briga. Aos gritos de pentacampeão, Brasil! Brasil!, eles saíram revoltados. E isso, para mim, foi o melhor da copa.

Só que no dia seguinte quem sofreu fui eu. Mas aí já é outra história.

quarta-feira, julho 05, 2006

marta

Já fora mulher lindíssima. Agora era viuva de dois. Sua cabeleira fora de um negro profundo. As mãos, finas e firmes. Nem os lábios eram mais os mesmos. Menores, encolhidos, eles que foram tão grandes e polpudos, rivalizando os das negras. Lábios - dissera-o o primeiro marido - feitos para amar. Agora minguavam. Quem sabe não tenham se dado, eles também, por vencidos e resolviam agora buscar outra ocupação?


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olá a todos ;)

segunda-feira, julho 03, 2006

Sobre um quadrado e dois mágicos.

Acho que eu devia ter meus 3, 4 anos, quando vi pela primeira vez uma partida de futebol na televisão. Na sala da nossa casa, numa velha Telefunken, um bando de homens corria atrás de uma bola. Achei aquilo uma maçada, e não entendi por que deixava meu pai tão irritado, ou alegre. Àquele momento tudo não passou de bobagens em branco e preto. Andou o tempo, e de 1978, numa copa que foi realizada num país ao sul do nosso, e que o nome agora me escapa; lembro dos papeis picados que os torcedores jogavam no campo. Veio então 1982, Telê, Falcão, Zico, e, Paolo Rossi. Tive raiva desse italiano por um bom tempo. Em 1986 tínhamos um timaço, e, nos pênaltis perdemos para a França. 1990. Lazaroni me impõe silêncio.

Carlos Alberto Parreira em 1994 foi ao ápice. Trouxe o caneco, livrou-nos do jejum de 24 anos. Sofri muito, e confesso: desliguei a tv na cobrança de pênaltis.

1998 eu estava em Salvador, internado num hospital. Contra a Holanda um jogaço. Era a final, todos diziam. Eu disse. Daí, sabemos de cor: Ronaldo, convulsão, Zidane. Aqui silencio.

2002 um show, do técnico ao time.

Sábado acordei estranho. Como quem falta um pedaço. Teríamos um jogo importante, e nosso time não me deixava seguro. Desde o início eu estava assim: inseguro. Era evidente que num certo momento, num momento decisivo, aquele grupo de estrelas tão badalado iria falhar. Existia sim uma alternativa, que seria a escalação que virou contra o Japão, com Cicinho no lugar do ancião perseguidor de recordes, Juninho Pernambucano, Robinho, enfim. Mas, o Quadrado do técnico não ousaria tanto, e optou pela “experiência”. Deu no que deu.

Dói ter que admitir que Zidane deu show. Jogou livre. Ou melhor, desfilou. No palco perfeito fez seu espetáculo, driblou 3 de uma vez, deu chapéu no Fenômeno, correu, parou, e sorriu piscando o olho. O ancião perseguidor de recordes não ganhou uma bola, e de quebra fez a falta que culminou no gol. Entregou na mão, ou, no pé do mágico, que deu com açúcar para Henri empurrar pra rede. Senti um gosto amargo na boca.

De resto fica a certeza da renovação, o fim da era Parreira/Zagallo, o adeus ao ancião perseguidor de recordes, ao velho Emerson, Roberto Carlos dentre outros.

Minhas palmas para o guerreiro Lúcio, para Juan, Zé Roberto, estes que jogaram futebol. E agora, serei português desde criança, mas, puro e simplesmente por causa do grande Felipão, nada mais.

E sobre o segundo mágico, este é um empresário-milionário-candidato alagoano, que, conseguiu fazer sumir das bancas de revista de todo o estado a última edição da revista Istoé. Por que será?
Um ano de Expressões! Agradeço pelos amigos e leitores. Forte abraço a todos.