segunda-feira, junho 26, 2006

Para Johannes Mario Simmel

Era noite de domingo. Muito fria... chuvosa demais... E o menino vestido de trapos tremia. Era uma chuva muito grossa, daquelas que caem fazendo alarde, e a gente quando olha pro céu chega a ter medo... Da escuridão em cujas entranhas a vista não consegue entrar, apesar de nem ser ainda tão noite... do peso de bloco enorme e coeso de nuvens às vezes cinzas, outras pretas... A chuva torrencial que caía já seria dolorosamente fria pra um adulto... e ele era só um menino (vestido de trapos), que do alto da inocência dos mal completados treze anos tentava como melhor podia se arranjar no meio de pedaços de papelão já tão ensopados que já se tinham tornado num bolo disforme de qualquer coisa descolorida. O menino vestido de trapos tremia de tal forma que já não sentia as caimbras nas pernas, desconfortáveis que estavam pela posição de semi cócoras. E ele já pensava com dificuldade... olhava os reflexos amarelados e incertos que os poucos carros que passavam rápidos riscavam na pista logo à sua frente. E dos carros o pensamento voa pra algumas semanas antes, quando tudo que fazia sentido em sua vida desaparecera... sempre fora filho de família pobre. Saía muito cedo de casa pra ajudar como podia na renda da família. Vendia doces... engraxava sapatos... e naquela noite fatídica voltara do dia de trabalho pra ver a confusão enorme próximo ao barraco onde morava. Com as chuvas, houvera um deslizamento. Tudo que era seu se perdera. O minúsculo quarto... os poucos brinquedos de latas e pregos... as roupas... os pais... E foi só muitas horas depois, quando já tinham se ido os homens de gravata e os policiais, que o menino (que até ali, mesmo com toda a sua pobreza, nunca vestira trapos) percebera o alcance de tudo aquilo. Não tinha mais sua mãezinha... nem tampouco o pai, carinhoso lá do jeito ríspido que a vida o forçara a ter. Não tinha mais ninguém no mundo. E saiu andando... não sabia pra onde iria... nem lhe importava muito. As últimas semanas foram de um mendigar aqui e ali, até chegar àquela praça, que pelo menos era um bom lugar pra passar as noites. Pelo menos quando não chovia...

A viúva levantou um pouco os olhos em completo êxtase. Era como se a mornidão daquele ambiente de completa elevação espiritual fosse imune às intempéries da natureza agindo logo ali tão perto. De vez em quando chegava, como que desafiando a atmosfera abafada do lugar, uma rajada de vento frio e cortante vinda de fora. Mas era logo como que rechaçado pelo calor de tantos corpos juntos, que acabavam por se fazer mais fortes pela força de seus cantos, entoados sob luz oscilante das velas e das lâmpadas, e o cheiro forte e inebriante do incenso. Nestes últimos meses estes eram os poucos momentos em que tinha um pouco de paz interior. O marido, já falecido há muitos anos era hoje uma pálida e distante lembrança de tempos mais felizes... Nunca casara novamente, e a alegria única e maior de sua vida era o filho. Menino caprichoso, cursava medicina e orgulhava a mãe com sua natureza bondosa e sonhadora. A notícia de sua morte num assalto quando voltava dum barzinho onde havia ido com uns amigos havia sido um choque tão grande que ela nem chorara... É que acalentava secretamente a esperança de vê-lo entrar pela porta a qualquer momento, o ar despreocupado e juvenil, beijar-lhe a testa e lhe contar de seu dia. Daí não ter acompanhado os noticiários, nem ter sabido que haviam sido presos e julgados os assassinos do filho. E nem lhe interessaria... O filho viria um dia, com a doçura característica do olhar, e sorriria pra ela. Era nisso que pensava quando, olhando mais uma vez a beleza da arquitetura a sua volta, cercada por santos de semblantes bondosos, levantou-se com a leveza e serenidade natural nos que tem crença.

Puxa, como estava frio!! Mas pelo menos a chuva havia passado. Agora era só a fúria da água que, entupidos os bueiros, procurava por onde escoar. Desceu vagarosamente a escadaria da igreja e passava pela praça quando notou o que parecia ser um monte de papelão se mexendo. A curiosiade venceu o medo, e aproximou-se mais alguns passos. O papelão tremeu um pouco, e apareceu uma pequena mão. Não era um animal procurando restos de comida. Havia uma pessoa ali! O primeiro instinto ainda foi se afastar... mas a mãozinha era tão pequena... parou. Era um menino. Um menino vestido de trapos. E olhava pra ela. E tremia tanto. E os olhos... os olhos eram de uma desesperança tão grande... mas ao mesmo tempo havia tanta ternura... tanta carência...

- Ei menino. Onde você mora?
- Moro em lugar nenhum não... Durmo aqui.
- Não está com frio?
- Muito...
- ... (os olhos são duma ternura tão grande!)
- ...
- Porquê não vem comigo? Vamos arranjar umas roupas secas pra você vestir...

E tocavam os sinos. Mas nenhum dos dois escutou...


Ter "vontade" é ter coragem*

Por incontáveis vezes eu me lamentei pela ausência de amores constantes em minha vida. As vezes eu reclamava de não achar a quem amar, noutras tantas, não ser correspondido. E nisso tudo sempre disse que nunca fui chegado ao amor de cabana, desses fantasiosos que Hollywood explorou muito bem ao longo dos anos. Na verdade eu não acredito em namoro exclusivamente virtual, à distância, etc. Acho que o amor é o contato diário, a troca de olhares, o cheio, o gosto e as conversas depois de um amor bem feito.

Pois bem, eu estava inocentemente em Porto Alegre, numa baladinha de véspera de feriado, sem grandes pretensões, porque lá qualquer tentativa de “ficar” com alguém já é estar com uma deusa. Mas aí tinha uma loirinha linda. Meu amigo mexeu com essa loirinha. Eu, embasbacado, desencanei totalmente dela. Mas ela foi ao banheiro e meu amigo, impaciente como sempre, resolveu partir para uma morena. Ela voltou e, depois de me certificar que ele estava bem acompanhado, permiti uma aproximação. Depois veio o primeiro beijo e algumas carícias.

Eu realmente esqueci que algumas cidades, estados e regiões nos separavam e acabei me envolvendo. E pior: ela também se envolveu. E jamais isso me aconteceu antes. Eu tive a impressão de já conhecê-la. Era como se seu beijo pertencesse à minha boca desde sempre. Era como s’eu tivesse um mapa do seu corpo, percorrendo com precisão suas curvas e suas vergonhas. Eram os olhos mais familiares que já tive fitando os meus. E para ela não foi diferente. Éramos os estranhos mais íntimos que alguém pode imaginar.

E a minha confusão depois de tudo isso foi lembrar depois que eu teria que partir. Em breve! A despedida no aeroporto. Lágrimas derramadas e o não ter o que dizer além do breve adeus e da certeza de tentar voltar o quanto antes. Mas a minha vida itinerante não me permite planos. Agora sigo em Brasília. Eram 10 semanas, agora são pelo menos 4 meses.

Hoje temos como aliados o telefone e a Internet. Mas o “inimigo” conta telefônica está querendo furar os nossos olhos. Só que disciplina é liberdade. Compaixão é fortaleza. Ter "vontade" é ter coragem e, apesar de temer o amor sofrido, pois sou escolado, estou tentando me permitir a entrega, pelo menos dessa vez, a uma loucura chamada amor. E à distância.
*Sei que hoje não é meu dia de postar, mas estou tentando entrar no clima de "quem chegar primeiro"...

sexta-feira, junho 23, 2006

Quando meu pai ganhou uma bengala

Não vai muito longe na conta dos dias a tarde daquele verão fiel em que eu estava sentado debaixo do frondoso jequiriti que margeia o portão da nossa casa. Era uma segunda-feira, lembro bem. Um táxi subiu na calçada, e no banco de trás, sorrindo, meu pai. Chegava de mais uma de suas viagens, das que sempre adorou fazer, peregrinando pelas casas das filhas, as que moram em Recife. Desceu do carro com uma certa dificuldade, e me apontou fazendo graça uma bengala que trazia consigo. De chofre fiquei assustado, pois, é mais que natural aos filhos, verem os pais com a mesma idade com que formaram a primeira imagem, lá trás, quando paravam de chorar no seu colo, ou, reconheciam o seu cheiro.

Meu pai me acostumou a vê-lo com a mesma força de sempre. É fácil de encontrar nas casas onde somos irmãos trabalhos em marcenaria feitos por ele. Era seu hobby. Cresci ouvindo o barulho do seu serrote aos sábados; as batidas do martelo que quebravam o silêncio; seus raros pedidos de ajuda que espantavam minha preguiça. Quantas vezes o vi seguir para Recife com a velha bolsa de ferramentas onde havia de tudo, desde uma máquina furadeira, até um prego torto que saíra de alguma madeira na casa da praia. Minha irmã do meio sempre pedia seu socorro, fosse uma cama quebrada, ou uma prateleira nova para ser colocada numa parede qualquer. E lá ia Seu Góes e suas tralhas. Incrível como as quinquilharias guardadas por ele, e xingadas pela minha mãe, sempre encontravam utilidade no porvir.

Seu ofício mesmo era de laboratorista, e foi um funcionário exemplar nos 36 anos que serviu à Fundação Sesp, hoje Funasa. Começou a trabalhar no norte do país no combate à malaria. Andou pelo Amazonas, e o Pará, seu estado natal. Longe de ser um romântico conquistador, homem de pouco falar, casou-se com minha mãe e somos hoje quatro filhos. Veio parar em Palmares, onde eu nasci, e ele se aposentou, mas, seguiu junto com minha mãe tocando um laboratório com competência e amor ao que faziam. Profundo observador, é aquele tipo que quando abre a boca despeja verdades incontestáveis, e, faz com que nos olhemos em volta, com sorrisos aprovadores, ou, falsas revoltas. Seu jeitão calado jogou a liderança do lar nas mãos da minha mãe, e posso dizer hoje que nunca tive uma conversa de homem com ele. Tampouco foi preciso, a rua me ensinou o que seu silêncio não deu. Já como provedor, queixas quaisquer serão injustas. Tudo no fundo faz sentido, posto que não se faziam pais modernos há quarenta anos.

Naquela segunda-feira parei para refletir aquela cena: meu pai fazendo graça com uma bengala na mão. Vi àquele instante o quanto o tempo é silencioso. Por mais que nossos olhos insistam em nos negar sua passagem, ele segue devagar e paciente, como um cupim rói a madeira. Seu Vinícius seguiu desajeitado pelos dias com sua bengala - presente de Dona Lurdinha, velha amiga da família que já fazia uso de tal apoio por conta das artroses advindas com o peso do corpo, e dos anos. No começo andava com a mesma apontada para frente, como fazem os cegos, talvez pelo fino fio de uma vaidade que o impedia de fazê-la apoio. E logo foi necessário extrair da “amiga” o seu papel. Veio um dois de fevereiro, e em meio às comemorações de meus 34 anos, notei sua ausência, e uma movimentação estranha. Um leve AVC. E uma seqüela lhe tirou a força que meus olhos sempre viram...

As voltas do ponteiro maior não se alteraram, e o mestre Sol seguiu nascendo no mesmo Leste, e indo morrer na casa de Vênus. Meu pai foi andando cada vez mais lento. As dificuldades se evidenciaram quando o simples ato de tomar um banho virou a pedra de Sísifo. Outro dia, o destino deu linha à pipa, e nossa cegueira que impedia de o vermos fraco, deixou que ele tombasse. Bateu a cabeça, e ao ver aquele sangue, me coloquei no seu lugar. Vomitei por toda a noite, como se sentisse suas dores. As seqüelas da queda vieram lentamente, mesmo depois que a tomografia mostrou a ausência de coágulos. Seus olhos negaram o brilho que minha infância guardara. Seu serrote nunca mais quebrou silêncios. Sua voz de hoje me angustia, quase não o entendo. Ontem, no jogo do Brasil (futebol é uma de suas paixões), ele cochilou ao meu lado. Perdi vários lances mirando seu rosto triste. Com medo de cair ele se nega a caminhar. Passa maior parte do tempo deitado. Sua solidão me incomoda. Tenho vontade de ler para ele, mas a sua surdez estorva o meu desejo. No próximo dia seis meu pai completará 90 anos. Adoraria acordar ao som das batidas de seu martelo, ou, ouvindo seus reclames quando o time de Parreira atrasa a bola. Mas, hoje meu pai anda numa cadeira de rodas, e eu morro de saudades daquela segunda-feira em que ele ganhou uma bengala.

Pai, eu te amo!

quinta-feira, junho 22, 2006

Um Amor Passageiro

Tomei meu café às 7 da manhã, como o de costume, peguei as chaves do meu carro e tranquei a porta da casa. Ao entrar no meu velho Corsa, me surpreendi com um miado estranho que vinha do banco de trás. Olhei impaciente para ver de onde vinha mais esse aborrecimento. Ao olhar, vi num cantinho do banco um pequeno felino.

Era de cor prata, pêlos brilhantes e olhos profundos. Tamanha era a sua fragilidade que se podia contar os ossos da sua costela. Tinha um miado triste que mais parecia um tango argentino onde o autor chora a sua solidão. Ao tentar toca-lo, percebi o medo que vinha junto àquela fragilidade e beleza. Ele me olhava como se pedisse por piedade e amor.

Nunca fui de fácil comoção e nem nunca tive algum gosto ou afeto por animais. Mas este me despertou curiosidade e até mesmo um certo carinho. Desisti do trabalho, tornei a entrar em casa, enchi uma pequena vasilha com leite e levei até o banco de trás do meu carro. Aquela miudeza, de início, estranhou. Olhou meio desconfiado com aqueles olhos tristes mas logo, ao notar a pureza do meu ato, cedeu e em pouco tempo estava no meu colo.

Não sei definir em quanto tempo, mas eu e aquele pequeno animal passamos de desconhecido e desconfiado para amigos íntimos e confidentes. Enquanto ele tomava o leite no meu colo, eu acariciava-lhe a cabeça com uma das mãos e contava as minhas dores de amor, além é claro de confessar o quanto eu era sozinho e o quanto precisava de um pouco de cumplicidade e carinho. Notei, com ele ao meu colo, que as minhas necessidades sentimentais eram maiores que as do pobre bichano que me olhava com aquele olhar triste e miava aquela música solitária. Encontrei nele, talvez a cumplicidade que nenhum outro amor eu consegui ter, além de uma forma de carinho, até então, desconhecida para mim.

E assim aconteceu, até o amanhecer do outro dia, quando esse meu pequeno amigo e grande amor durmiu para nunca mais acordar.

segunda-feira, junho 19, 2006

Adeus, Bussunda...

Estou chocado e sinceramente entristecido pelo falecimento do querido Bussunda... Num cenário de desesperança velada e desestímulo em relação às perspectivas individuais como o que parte da população vem vivendo (ou pelo menos a parte que me interessa e toca... aquele pessoal que sai todos os dias cedo de casa e batalha o pouco com que viver mês a mês), humoristas de inteligência fina e sarcasmo acabam fazendo a diferença. São o toque sutil de originalidade de um povo que acha ânimo em brincar com a própria desgraça. Os cassetas agradavam tanto a tanta gente pela proximidade que tinham com as mais variadas fatias do público. Era representado ali, nas piadas e esquetes aparentemente bobas, o homem brasileiro médio de que falou o Gilberto Freire... feio, pobre, desdentado e burro... mas batalhador e bem-humorado ao extremo. E Bussunda tinha o ar juvenil do gordinho amigo... esta estirpe de humoristas que trazem uma interessantíssima característica - que eu penso que se acabou com ele (talvez com a honrosa excessão do Paulo Silvino). A do sujeito que se ficar 5 minutos parado em frente a uma câmera de TV sem dizer absolutamente nada, ainda assim fará rir o espectador só pela presença.

Um detalhe que sempre me agradou no grupo é a forma fantástica como conseguiam caracterizar com perfeição quaisquer dos tipos que se propunham a imitar. É que num grupo heterogêneo como aquele havia de tudo... O tipo magricelo... o fanho... o careca... o gordinho boa-gente... a boazuda... e dali saíam o político - extrema redundância - corrupto e cínico... as sátiras bem boladas das novelas (aliás, mais interessantes que as originais, como costumavam ser também as sátiras do saudoso TV Pirata), a mulher fatal... O humor brasileiro perdeu a graça na última semana. Não pretendo mais assistir ao Casseta & Planeta... Em péssima hora vai-se o Bussunda, deixando-nos cá com a miséria nossa de cada dia. Só que com a desvantagem de que agora sem a possibilidade de rir à noite do que havia um pouco mais cedo chocado no noticiário.

Mas em tempos de Copa do Mundo não dá pra escrever um texto bem no meio dos jogos sem algumas observações futebolísticas. São poucas e totalmente descabidas, como aliás seria bem de se esperar de mim; um dos prováveis 3 ou 4 cidadãos do país sem excelência técnica alguma na arte de dirigir times de futebol. Vamos lá. Os Ronaldinhos (o gordo e o outro) são definitivamente os melhores vendedores de cervejas, refrigerantes e celulares que eu já vi em campo (afinal, lembrem-se de que o Maradona não está - ainda - na seleção. Ele até aqui só sonha que foi convocado). Particularmente, gosto de ver os coreanos jogarem. Eles são pequenos e leves... tem sempre aquele sorriso largo de crianças... trazem consigo uma legião de torcedores que os acompanha nos sorrisos e na educação e gentileza com que se comportam nos estádios e fora deles (e aqui vai um detalhe fundamental: não se reúnem em enormes rodas de pagode televisadas mundo afora!), e quando estão por aqui ainda nos contrabandeiam aqueles tênis de procedência extremamente duvidosa, porém baratinhos e confortáveis.

Quanto aos comentaristas da Globo, ver o Galvão Bueno, o Casagrande e o Falcão juntos sabe-se lá porquê sempre me faz lembrar dos saudosos Três Patetas (o Falcão, aliás, por motivos óbvios...). É tudo muito previsível. Ou talvez seja eu esperando demais... o que eu queria mesmo é ver uma daquelas opulentas suecas invadindo o gramado seminuas, ou um técnico que num acesso de loucura começasse a bater nos jogadores do banco de reservas... quem sabe um surto dum bandeirinha, que começasse a sacudir freneticamente seu instrumento de trabalho. Qualquer coisa que fugisse do lugar-comum dos comentários desfocados da Ana Maria Braga e das tomadas fora de hora da casa da D. Miguelina.

No final, fico eu esperando com a tranquilidade típica de "amigo espectador" uma festiva final entre o Brasil e a Coréia. E vai ser uma equipe desfalcada, porque infelizmente agora tenho certeza de que o Marrentinho não vai ser mais convocado...

domingo, junho 11, 2006

Nada para falar, como sempre

Quanto mais eu tento escrever, mas eu percebo minha total falta de assunto. Tentei falar sobre o quebra-quebra do congresso e minha revolta por concluir que esta foi mais uma manifestação política. Se mandassem meter pau nos arruaceiros, o presidente seria classificado como violento e diriam que ele, antes apoiador dos movimentos populares, agora que está no poder é opressor (mesmo que o ocorrido tenha sido totalmente irregular e absurdo).

Agora os deputados aprovaram um aumento de mais ou menos 7% para os funcionários públicos aposentados, mesmo que isso prejudique o orçamento e as contas da união. O governo quer dar 5% e os deputados querem 7%. Claro que eles não estão pensando no bem-estar dos aposentados. O que eles querem é colocar o presidente em xeque: se o Lula aprovar os 7% vão chamá-lo de irresponsável ou vão dizer que foi uma medida eleitoreira; se vetar, ele perde pontos na corrida eleitoral e vão seguramente acusá-lo de sacana, pois quando ele estava na oposição ele lutava por melhores salários.

O pior disso tudo é que sabemos que todos esses movimentos não visam melhorar a vida de ninguém. Muito pelo contrário, são medidas para prejudicar o candidato do governo. Não qu’eu esteja defendendo ou atacando ninguém, não é o objetivo. É porque o papel dos governantes é garantir melhorias ao povo e não derrubar candidatos para ganhar o poder. Mas isso é completamente utópico e obscuro em nosso país.

Mas eu desisti de falar sobre isso, porque é assunto que se conversa em mesa de bar, olhando nos olhos e ouvindo vários pontos de vista. Monólogo só quando falamos dos nossos problemas...

Depois pensei em falar sobre a oficialização da minha transferência de cidade, mas achei que esse assunto não é digno de blog comunitário. Este é o tipo de assunto que eu devo tratar lá no Divã, mas minha total falta de inspiração me inibe de falar disso. Além do mais, apesar de pertencer desde o mês de junho a outro escritório, até setembro não devo aparecer por lá, porque fico até o fim deste mês em Porto Alegre depois vou passar dois meses em Brasília.

Pensei também em falar sobre minha volta a Porto Alegre, cidade que gosto porque tem três das coisas que mais gosto na vida: frio no inverno, mulheres lindas e boas bandas de rock (não necessariamente nessa ordem). Mas em minha primeira semana vi lindas mulheres (apenas vi) e senti pouco frio, porque uma frente de ar quente idiota resolveu atrapalhar minha diversão. E ainda não vi nenhuma banda de rock. Pelo menos as mulheres gaúchas não faltam. É mulher bonita pra todo lado. Na verdade na terça saí com um amigo para uma “hora feliz” e infelizmente topei com uma espécie pouco comum por aqui: mulher feia. E o pior é que ela ficou flertando comigo. Mas é como eu sempre digo: jogar charme pra mulher feia é fazer favor pro diabo. Então fiz cara de paisagem e fiz de conta que não era comigo.

Como não consegui desenvolver nenhum dos temas acima, resolvi falar sobre minha total falta de assunto. Acho que este foi o tema mais reprisado por mim aqui no Digitais. É que eu ando entre a ansiedade de sair de casa e mudar toda minha vida e o trabalho, que serve como escudo para meus problemas mais pessoais. Acho que muita gente se esconde dos problemas através de coisas como trabalho, estudo, etc.

Pois bem, estou no oitavo parágrafo, falei sobre algumas coisas sem falar de nada. Acho que vou começar a desenvolver essa habilidade: falar sobre porra nenhuma em oito ou dez parágrafos. Quem sabe assim, ao menos, preencho a lacuna dos domingos...

Um abraço.

quinta-feira, junho 08, 2006

Era um dia meio morto. Dia assim, como um São João que você fica na capital. Greve dos rodoviários. O dia era assim quando se andava pela Orla e pelas ruas próximas. A Tancredo Neves e a Paralela estavam um inferno de carros. Me disseram que, sem ônibus, um tanto de gente "tira o carro da garagem", como se muita gente em Salvador andasse de lotação tendo veículo próprio. Acho que não, mas também não consegui explicação melhor para o engarrafamento no centro comercial da cidade.
Eu tava com a moto emprestada. Quatro horas da manhã tinha corrido com o carro, também emprestado, levando minha mãe no Hospital Salvador, com dor de cabeça forte. Só um susto. A médica explicou que era enxaqueca. Minha mãe tem passado uns tempos difíceis em termos psicológicos. Busquei Leila, trocando o carro pela moto, e deixei no hospital com ela. Fui trabalhar. Deixei o carro em casa para Carla. Dali a pouco Carla chegou e foi ficar com ela - Leila foi trabalhar.
Quando deu uma hora da tarde eu tava saindo para o almoço, aqui no Sumaré, e Carla me ligou. Aquela conversa de "não se assuste" que assusta logo.

- Dido, olha, fique tranqüilo que sua mãe está bem, mas é melhor você vir para cá. Saiu o resultado da tomografia. O que ela teve foi um

ANEURISMA.

Puta que pariu. A médica tinha me dito que era enxaqueca, e que ia fazer a tomografia "só por desencargo de consciência". Avisei no trabalho. Consegui chegar rápido, furando o engarrafamento com a moto. Ela não sabia o que era. Estranhou minha volta. Eu disfarcei dizendo que tinha sido não-me-lembro-o-quê. Ela acreditou. Eu ainda estava "pousando" na situação. Comecei a acionar os contatos, procurar o que fazer.
Eu chamo de tia. Tia Telma. É a esposa do meu avô, na verdade. Mãe de Tia Larissa (12 anos). Ela tinha contatos médicos no São Rafael, e deu-se conta, por algumas vias, que o melhor lugar para a situação seria lá. Não tinha UTI disponível, e mesmo com todos os contatos da família, não existia a possibilidade de disponibilizar alguma coisa. Conseguimos garantia da equipe de neurocirurgia de que ela seria atendida e operada. Ainda teria que se fazer uma angiografia antes da operação. A esta altura, tentávamos providenciar a transferência no Salvador, mas eles têm neurocirurgia lá, e não solicitariam a remoção. Alegavam risco do transporte - que teria que ser numa UTI móvel com médico. Tudo complicado. Surgiu uma vaga na semi-intensiva do São Rafael. O pessoal do plano de saúde não ajudava, argumentava o risco do transporte. Tinha vaga na UTI do Salvador, e equipe pronta. De várias maneiras tentaram demover-nos da idéia da transferência. A ambulância não saía sem que houvesse confirmação de que o hospital de destino receberia a paciente, tampouco sem o relatório médico com informação do que seria necessário, a ser enviado pelo hospital de origem. Nem sem o cheque, naturalmente, já que não seria coberto pelo seguro, por ser "por vontade da família". Tive que assinar um termo de responsabilidade de alta a pedido. O fax chegava na empresa da ambulância ilegível. Depois, quando dava tudo certo, o roteiro já estava pronto, com outros atendimentos, impedindo que buscassem minha mãe, e tínhamos que partir para uma nova ambulância. No final das contas três ambulâncias marcaram e desmarcaram conosco, com argumentos variados, uma até dizendo que nós desistimos, o que não aconteceu. Num último momento uma confirmou, e outra se disponibilizou. Cancelamos a que chegaria mais tarde, e a que chegaria mais cedo, depois, atrasaria horas. A esta altura vários parentes e amigos já estavam no hospital, ou já tinham passado por lá para dar uma força. Minha mãe estava consciente, conversando, com leve dor de cabeça. O risco aumentava a cada segundo que ela passava no P.A., insuficientemente equipado para o caso (de grande probabilidade) de algo mais acontecer. Passamos o dia nisso.Telefonando, recebendo parentes, dando notícias para o pessoal, nos revoltando com a palhaçada das UTIs móveis.
Dez e tanto da noite chegou a ambulância, trazendo uma paciente para o hospital. Logo que a colocaram no P.A. ela teve uma parada cardíaca (a paciente, não minha mãe). Uma senhora idosa. A médica, com essa insensibilidade que os médicos acabam criando, falou na frente de todo mundo, alto. "Fulana, vem aqui e traz doutor Beltrano, que a paciente parou e se ele não vier eu vou rasgar ela toda". A médica da ambulância foi ajudar, paciência. Neste caso, temos que entender. A velhinha morreu. O velhinho foi andando choroso em direção à saída do hospital. Para a gente era alguma coisa. Para eles, quinta-feira, acredito eu.
Onze e não me lembro o quê eles a colocavam na ambulância. Tia Telma foi junto. Eu levei o carro dela. Maurício, meu primo, foi também para me trazer de volta depois. O carro que estava comigo Carla dirigiu para minha casa, e foi dormir, que não havia mais muito o que se fazer, ou possibilidade de ver ou falar com minha mãe naquele dia.
Eu ainda demorei no hospital um pouco. Acompanhei a entrada dela, preenchi papéis, visitei um priminho que hoje já está em São Paulo, numa difícil, mas que vai sair dessa. Voltei para casa quatro e pouco da madrugada. Dormi.
Acordei sexta nove da manhã, horário que já pretendia estar no hospital. Era o horário previsto da angiografia. Leila tinha "aproveitado o momento propício" para mexer no meu celular e arranjar picuinha. Trancou a porta do quarto, fez barraco. Tive que arrombar a porta. Se desse ibope para ela, teria passado o dia lá. Mais uma vez a moto me valeu para chegar rápido.
Chegando, recebi o telefonema da amiga médica de Tia Telma, para que descesse para falar com minha mãe antes da cirurgia. A angiografia tinha confirmado não um, mas dois aneurismas. Antes de entrar ela me perguntou se eu estava bem emocionalmente, seguro. Se eu não ia desabar na frente da minha mãe. Não ia. Não desabei. Ela falava embolado, por causa da anestesia, com a médica.

- E aí, doutora, saiu o resultado?
- Saiu, Lessi.
- Tudo certo, doutora?
- Tudo certo, minha linda.
- Tudo certo, então! Descobriu que foi engano, que não era aneurisma...

Quase desabei.

- Ô, mãe...

Nisso a médica chegou junto, com carinho, e explicou que foi, sim, e que ela ia operar. Eu, do lado, segurava na mão e dizia que tudo ia dar certo. Ao que ela respondia que sim, que tudo ia dar certo. Ela já estava com uns tubos, eu acho, e com um aspecto bem frágil. Cara de paciente de UTI, mesmo.
A médica disse que tentou ligar pro celular de tia Telma sem sucesso, afim de que o resto da família descesse para vê-la. Eu saí correndo para procurá-los, antes que levassem minha mãe para a cirurgia, que seria feita imediatamente. Ainda não tinha visto ninguém - fui chegando no hospital e recebendo a ligação. No percurso até o saguão, que pareceu durar uma eternidade, mesmo tendo usado as escadas, desabei no choro. A imagem dela e a possibilidade de alguma coisa dar errado, e o medo dela com o "descobriu que não era aneurisma", e a força dela em dizer que tava tudo bem...
Achei o pessoal. Pensaram que eu estava descontrolado, por causa da pressa que eu dava em eles descerem, junto com o choro. Consegui que eles apressassem o passo. Não desci de novo. Não ia conseguir me equilibrar ainda. Fui no banheiro lavar o rosto e subi para a ante-sala da cirurgia. Não sem ouvir uns "Ô, não chore não..." inúteis.
O neurocirurgião ainda conversou conosco, nos colocou a par da pequena probabilidade de não sobrevivência, bem como da grande chance de seqüelas. Ainda disse que estava de férias, e foi operar a pedido da amiga médica de tia Telma.
Depois disso só pudemos esperar longas três horas e meia de cirurgia, e o mesmo doutor veio conversar conosco. A operação havia sido um sucesso. A sensação de alívio, a diminuição da pressão, é parecida com um pré-desmaio.
Ainda assim, ele explicou a incidência de 60% a 70% de vaso-espasmo no pós-operatório dessas cirurgias, o tratamento com a angioplastia, se fosse o caso. Não era ainda motivo para alívio final.
De lá para cá tem sido visitas diárias na UTI. No começo bem chocantes, com ela falando embolado, se rebelando para sair dos aparelhos, amarrada, com dreno de sangue na cabeça, entubada... Mas as notícias foram sempre boas, de melhoras, nenhuma complicação (intercorrência na linguagem que ouvimos nos boletins médicos), e, com o passar dos dias, até risadas. Ela teve algumas confusõezinhas, não lembrava exatamente o que aconteceu, misturava sonhos com realidade;

- E aqui, mãe? Quais são as novidades?
- Hehehe... Até tem, filho. A novidade aqui é que ontem à noite eu acordei convencida de que eu tinha saído, de novo. Fiquei tentando me lembrar com quem tinha sido, onde eu tinha ido, e tal.
- E aí, mãe?
- Aí a enfermeira veio me falar que eu estou numa UTI, e que as pessoas não ficam saindo da UTI para resolver coisas na rua e voltando.
- Lógico...
- É. Me pareceu bem lógico quando ela argumentou isso. Mas antes eu estava discutindo que tinha saído... hehehe.

Já passou. Está ótima, provável que saia da UTI em breve. Ainda passa um tempo no hospital. Semi-intensiva, quarto... Mas isso é o de menos. Ontem foi aniversário dela, e o hospital liberou que subissem mais visitantes. Hoje dei uma faltada, fiquei no trabalho, que a situação aqui já tava ficando chata. Amanhã vou ver se vou de onze às doze.
E os outros problemas, bem como tudo o mais, em perspectiva, praticamente sumiram esses dias. Pausa.

Ê, susto!

[]´s

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Houve ainda a informação que, durante o procedimento, identificaram um terceiro aneurisma. O que nos deu a sensação de que compensou tê-la levado para a melhor equipe de médicos.

Pra não dizer que não falei da copa

E foi diante da tevê que me veio aquele gosto ruim na boca, seguido de um embrulho no estômago. Estava lendo um livro, e por raras vezes desviava o olhar dali. Foi aí que entrou o noticiário, e desviei. Era a própria alegoria da barbárie. Selvagens invadindo um prédio público, gritaria generalizada. Um carro foi virado. Uma mulher com cara de “que faço eu aqui?” quebrava terminais de consulta eletrônicos com uma barra de concreto, e ficou sem jeito ao mirar a câmera. Que nojo, pensei.

O MLST, uma dissidência do famoso movimento vermelho, aquele que recruta moradores urbanos para se passaram por agricultores, parece ser mais radical. João Pedro Stédile, do MST, se vangloria das invasões, destruições de materiais de pesquisa. Bruno Maranhão liderou a baderna de ontem, e se jogou no chão simulando passar mal. É filiado ao PT, e disse que seu movimento “tem um projeto”. E eu me pergunto, qual seria esse projeto? O governo Lula assentou menos famílias que o de FHC. É de revoltar mesmo, ver um seu par no governo lhe dar as costas. Porém, nada justifica o que se fez ontem. Talvez o projeto de Bruno seja esse mesmo, o de invadir, quebrar, fazer mídia.

Verdade é que fui pesquisar e acabei descobrindo que o escroque Bruno é um rico filho de usineiros de Pernambuco, e mais, vem a ser meu conterrâneo. Mora num prédio de luxo em Recife. Foi um político frustrado. Criou esse movimento de baderna, e deu no que deu.

Aqui, em qualquer esquina, corre em boca larga o que realmente se dá nessa relação agricultor/movimento. Maioria deles tem propriedade. Em geral casa própria. São pessoas que se filiam com o intuito de ganhar um pedaço de terra, ou lote. Ganha-se a terra, a ajuda oficial do Incra, entre outros benefícios. Depois se vende essa terra, e assim gira a roleta da sacanagem. Há agricultores que chegam aos assentamentos dirigindo camionetas importadas. Há relatos de agrônomos que são obrigados a dividir o salário com o movimento, dinheiro que vem de Brasília. Enfim, há a grande massa de manobra, os idiotas que se sujeitam a invadir/destruir patrimônios alheios, tudo em nome de uma bandeira cada dia mais desgastada. Bandeira na qual o povo não acredita. Eu não acredito. Ontem se viu estudantes, desempregados, menores, pseudo-trabalhadores rurais, todos presos pela vergonhosa ação do dia anterior. Ação previamente organizada com a intenção de desestabilizar a situação, criar impasses políticos.

Acredito sim, na minha bandeira, na bandeira do meu país. E, de amanhã em diante, é nela que vou depositar minhas esperanças, já que nesse campo o meu país manda bem. Eu acredito. Vamos correr atrás de mais um título, vamos desviar nossa atenção dessas imagens podres, essas que mostram nosso governo impassível diante de um grupo de anarquistas; um judiciário inerte e apenas preocupado com os próprios salários. Vamos mudar o canal! Lula, traz a cerveja!

domingo, junho 04, 2006

Deu pra ti

Mandando notícias do lado de cá, mais uma vez. Depois de quase um ano, volto para Porto Alegre e, para variar, no inverno. Fui recepcionado pela chuva e pelo frio, o que já me agradou. A cidade, como sempre, está vazia, num silêncio estranho e pouco habitual.

A única coisa (além da tv) que tira o silêncio do quarto são os aviões que chegam deixando ou matando saudades. Pois é, gostei tanto desse hotel que resolvi voltar para ele.

Agora serão trinta dias do lado de cá. Ainda sem inspiração para um bom texto.