domingo, julho 31, 2005

Delícias e Perigos: banco do meu carro

Hoje eu me encontrei comigo. Me encontrei com a minha face negra, oculta e obscura. Hoje eu vi a vida como não quero. Não por uma vida. Por até um minuto eu posso querer viver a vida oculta e no gueto. Mas não quero viver longe de mim por mais de um minuto.

Hoje eu encontrei o erotismo. Sexo tarado, ousado. Por um minuto eu esqueci dos meus limites e me entreguei à luxúria. E no meu minuto descarado eu vi a luz do sol, mesmo sendo noite sem lua.

E senti prazer como não costumo, porque eu não estava sozinho. E o meu prazer, sempre solitário, deu espaço para outro corpo, compartilhar comigo o meu gozo. E por um minuto eu não me senti sozinho.

Senti o calor de outro corpo junto ao meu. Tinha cheiro, gosto. Mas não sei o nome ou sobrenome. Apenas um corpo. Tinha pelos, tinha cor. Era um corpo que se mexia, enquanto o meu sentia a ousadia desse corpo respirando o mesmo ar. Era um corpo vivo. Era um par, completando o meu.

Hoje, por um minuto, eu estive vivo. Não sei quanto tempo foi. Uma hora, um minuto. O que importa? Naquele instante, enquanto você esteve comigo, meu relógio não quis funcionar. Ficou preguiçoso.

Minhas mãos, analfabetas do seu corpo, não sabiam o que fazer. Mas eu queria possuir você com minhas mãos. Sentindo o seu fogo queimando minha boca, minhas mãos buscaram aquilo que eu não procurava, mas que estava ali para mim. Minhas mãos, cheias de desejo, como cada pedaço do meu corpo, ficaram inquietas, rijas e deslumbradas com sua umidade inferior.

Não foi preciso um cigarro depois de você. Não era preciso mais prazer, porque não havia mais espaço. Só havia erotismo. Beco escuro, risco de vida e transeuntes desconcertados. Eu, você e algumas poucas estrelas tímidas e envergonhadas, olhando nosso ato, nosso coito interrompido pelo trânsito do domingo. Nosso erro bem cometido, nossa falha mais perfeita. Nosso prazer. Só nosso.

Meus dedos, meus dedos. Seu corpo. Meus dedos. Meu umbigo e sua língua. Sua vergonha em minha saliva.Sua saliva, meu corpo nu. O peso de você em mim. O ar condensado e rarefeito. Você em meu peito. Mãos suaves em minha coxa. Seus mamilos, minha vocação para amante. Tudo junto, você e eu, meias verdades. Poucas palavras.

E ali, onde geramos vida, contemplamos o luar. Mas não tinha lua. Mas para que lua, se eu tinha seu olhar, tímido encontrando o meu? Eu tinha seus olhos. Eu tinha seus olhos e isso para mim é noite enluarada. Eu tinha seu gemido, seu sussurro em meu ouvido. Língua em minha orelha.

E jorrei vida. Amor com cloro e cloreto de sódio. Amor químico. Tesão de puta. Foda selvagem. Eu e você, homem e mulher. Sexo. Sexo. Você me deu prazer e eu jorrei vida. Jorrei com força o calor das minhas entranhas. Pólo sul, área de serviço. Mentira. É tudo mentira.

Dois corpos desconhecidos tentando se encontrar. Duas pessoas, eu e você, entrelaçados numa bagunça epiléptica e cansativa. Dois corpos, uma vida e muita vontade de entrega, de se dar. Prazer sem culpa, sem preconceito. Prazer animal, ausência de amor. Seu corpo, água e sal. Suor, saliva e secreções ordinárias. Você e eu, nunca nós. Egoísmo, prazer machista. Coisa de homem. Coisa de mulher.

E depois de tudo, ofegante por compartilhar com você meu oxigênio, meu corpo e o banco do meu carro, girei a chave deixando o motor funcionar. E deixei você em casa. E voltei para minha casa. E não consegui dormir nesse domingo. Porque, por um minuto, eu tive seu olhar.

Eu tive seu olhar.

sábado, julho 30, 2005

E assim jaz uma quase poeta

Ela sempre gostou de escrever. Mas nunca gostou de redação na escola: escreva tantas linhas sobre tal assunto, no estilo assim e assado.

Não, ela gosta de sentir a liberdade de sua caneta percorrendo o papel sem se importar com as margens. Como se fossem suas mãos a deslizar suavemente pelas costas do seu amado, a procura do desejo escondido em cada poro do corpo dele.

Ela sempre viveu entre as letras. Sempre entre os livros. Sempre teve um pedaço de papel por perto para pedir por socorro nos naufrágios de seus sentimentos.

Ela sempre soube que a escrita, assim como o amor, deve ser livre pra conhecer todos os caminhos que quiser, certos ou errados, não importa.

Toda pedra no caminho percorrido edifica uma letra das estórias e da história de cada um.

Todos esses que aí estão a atravancar o caminho são peças de um grande jogo que ninguém sabe quem está jogando ou quais são as apostas.

A escrita sempre foi como um vôo para seus desejos, como uma ave no céu a procurar os quentes raios do sol.

Escrever sempre foi seu ópio, seu vício. Sua droga mais poderosa. Seu remédio para cólicas, enxaqueca e dor-de-cotovelo.

Com as palavras que fluíam de sua caneta, amou todos os homens que quis. Beijou todos os que desejou. Teve filhos.

Construiu castelos de areia no ar que duravam a eternidade de um instante fugaz por toda a eternidade. Construiu fortalezas pra se proteger da dor.

Quiseram contar suas palavras. Tentaram colocar suas idéias e emoções num quadrado 4 x 4.

Quiseram aprisioná-la numa quitinete, onde nem no mais sombrio dos dias caberia sequer a sua sombra. Ela, que sempre teve a imensidão do mar como quintal dos seus sonhos.

Tentaram fazê-la andar com os dois pés no chão em vez de flutuar nas nuvens dos sonhos que sonhava acordada.

Justo ela que sentia no vento gélido da noite chuvosa o doce cheiro do suor de seu amado...

Fizeram-na assinar contrato, usar ternos apertados e sapatos de salto alto. Justo ela que preferia uma camisa de força azul com bolinhas amarelas à monotonia insossa do cáqui.

Tentaram enquadrá-la em um retrato 3x4 ao lado de um número. Tentaram identificá-la. Quiseram lhe por um rótulo.

Logo ela que nunca se olhou pra não ter que saber quem era. Sempre soube o que sentia, e no final das contas, isso era o que importava.

Fizeram-na ir ao salão: escova, maquiagem, pé e mão. Obrigaram-na a fazer dieta, lipoaspiração.

Justo ela que nunca quis ser atriz - modelo – apresentadora - namorada de jogador de futebol. Preferia assistir e jogar futebol.

Largou as canetas pela mesa, pela casa... Perdidas para sempre.

Deixou pra trás a angústia, a insônia e a melancolia de uma mente pulsante, quase poética, sempre apaixonada.

Aposentou os papéis, os brancos e os já amarelados. Esquecidos numa gaveta fria e úmida de um móvel qualquer em uma sala qualquer.

Deixou as emoções perdidas em algum lugar do passado. Numa noite de inverno, num ano qualquer, acompanhadas de vinho tinto barato, do jeito que sempre gostou.

Mataram-na um pouco a cada dia...

quinta-feira, julho 28, 2005

Um pitaco a mais, um pitaco a menos...

Eu não acredito na questão quanto à consciência de Lula do mensalão e dos esquemas de financiamento de campanha.
Lula é um político de primeira linha há muito tempo. Está no meio daquele ninho de cobras há muito tempo. Sabe do que acontece por lá, ainda mais tratando-se de um esquema abrangente, como é o caso.
O núcleo do governo pode ter tido o mínimo de senso de conveniência de não deixar o presidente da república tratar diretamente, ou ter seu nome citado a ninguém, em relação a este tipo de procedimento. Mas isso é um detalhe.
Estamos falando de um esquema instituído e funcional há muito tempo. Estamos requentando um café velho. Já tínhamos visto isso tudo acontecendo no governo anterior, e nos anteriores. Mas...
Mas àquela época, tínhamos uma grande coalizão de partidos de direita na situação, e um PT minoritário e sem poder formal jogando as pedras. Hoje, é um PT minoritário na situação, que em busca de governabilidade, se envolveu nos esquemas tradicionais da política brasileira.
De quantos engavetamentos de CPI´s, aprovações de lei de mordaça, de reeleição com aprovações de projetos gastando milhões e afins, e calabocas ao ministério público FHC arcou com o “custo político”? Era fácil, liberando dinheiro, segurando a barra das sujeiras que apareciam de PFL, PMDB e da respectiva laia.
O PT entrou no governo e teria uma missão hercúlea de derrubar isso, da qual abriu mão para adiantar outros aspectos importantes do governo.
Não contou com um fator simples – não poderia (e nem pode) se aprofundar nesse modelo de política tanto quanto os governos anteriores. Ao mesmo tempo em que deixou esse “rabo preso”, liberou a polícia federal e o ministério público para incomodar muita gente grande, e não quis (e nem deveria querer) acobertar o Big Bob na pataquada dos Correios. E por isso, virou alvo de todos estes partidos, que ainda somam a maioria das cadeiras por nossa estrutura eleitoral coronelista, atrasada.
O PT errou. Mesmo que os fins ainda sejam defensáveis, eles não justificam os meios. Deveríamos ter tido um início de governo quebrando esses esquemas todos aí. Uma ruptura difícil num momento delicado de transição de governo, mas necessária.
O que vamos continuar vendo agora é o cretino do ACM Neto repetindo perguntas para aparecer bonito na televisão. E nas mesas de bar, um bocado de gente amargurada com essa situação. Muita gente com a atitude de “não tem jeito mesmo” “é tudo uma porcaria”. Outros, pior, declarando amor a Roberto Jefferson. Outros, até compreensíveis, passando a falar em PSOL e PSTU – partidos com grandes ideais, pouca capacidade intelectual e prática, que ficam se prestando de massa de manobra da direita por isso.
Não acho bonito o que aconteceu, mas percebo comprometimento real do governo com o país, e resultados em muitas áreas. Torço para que tenham “aprendido a lição”, e folgo em ver a diminuição dos cargos de confiança.
Ver gente indo presa, parece o mínimo, mas é querer demais, pelo corriqueiro do colarinho branco nesse país.
Eu ainda voto no PT.

[]´s
(Agora compromisso mesmo é o cara de férias honrar sua quinta-feira no ED. Um prazer, é verdade, mas de férias requer um pouco de esforço...)

quarta-feira, julho 27, 2005

Janeiro em Bagdá


Querido sobrinho

Espero que esta breve missiva te encontre em perfeito estado de saúde; da mental à física. Não só a ti, óbvio, mas aos que te cercam e são por ti amados. Já de mim, bem quereria dizer-te maravilhas, ou pelo menos, no que tange à casa das alegrias, que fossem muitas. Logo eu, este que bem conheces, e que sempre fui tido pelos nossos como sendo uma moeda rara, destas talhadas com falha, e que vêm da feitura com um só lado, ou, com os dois trazendo o mesmo cunho: o do humor. Sorrir por aqui nesses dias tem sido verbo em desuso, já sobreviver, este sim, necessário.

Os dias arrastam correntes; a lentidão os dá a impressão de terem mais horas que o comum, e isso me cansa a mente. Antes me fosse o trabalho motivo de distração, como naturalmente o é em outros sítios longe daqui. E ao lembrar-me que estudei jornalismo com paixão sem perceber que esse momento em que vivo poderia chegar, me causa um desgosto, uma angustia, que se faz escusado falar de tão visível. Sair às ruas com capacete de aço e colete à prova de fuzil não é lá tão divertido assim, ainda mais para fotografar rios de sangue que correm meios-fios abaixo, e corpos deixados ao relento e entregue às moscas. Mas o tenho feito, com coragem e amor ao que faço.

A região está sitiada, e além de uns poucos loucos jornalistas que perambulam entre escombros e vielas, está apenas a milícia em combate com as tropas federais. Já os poderosos, estes estão de ancas bem assentadas sobre suas regras. Consolo-me sabendo não haver crianças por aqui, ou seja, civis. Depois de ter sido saqueada a minha parafernalha tecnológica, por onde enviava os “frutos” do trabalho aos vampiros midiáticos, tornou-se mais difícil não ceder aos encantos da solidão, as máquinas me distraíam, ou tentavam. Vou todos os dias ao posto onde pego mantimentos, e deixo meus filmes, já que não uso mais minha máquina digital, os saqueadores disseram que dela não mais me serviria, e eu não pude reagir. Aceitei. Perdi. Pego alimentos, remédios, e velas, pois quando do toque de recolher se faz necessário o uso de. Agora mesmo, escrevo à luz de uma delas.

Mas eu falava de solidão..., esta é presença certa aqui em cima. Vivo num cubículo com o essencial, e a segurança relativa que tenho se dá ao fato de ser jornalista. Uma janela é minha tv de canal único, cabendo ao céu a programação. Há noites com lua, noites sem. Estrelas e nuvens se alternam. Tiros traçantes também cortam o ar na minha tv, num balé sangrento e inescrupuloso. E sigo clicando. É de interesse da milícia chocar a sociedade com minhas fotos mudas, as imagens dispensam títulos, e aos “vampiros” interessa sangue na primeira página. É uma espécie de consenso de interesses. E sigo clicando e sozinho. Vez por outra, a título de distração, abro meu Pessoa: “os deuses vendem quando dão...”, ou encarno Hemingway nas festas de San Firmin – entre vinhos, touros e mulheres -, em “O sol também se levanta”, como queria ter vivido aquilo. Sinto falta das mínimas alegrias, as fáceis, as fugazes. Para que tenhas uma vaga idéia, vai-se longe o tempo em que ouvi uma música. Não, não, cá estou a mentir-te, posto que esqueci de um achado importante que fiz outro dia numa casa abandonada onde me posicionei para uma foto. Era um pequeno embrulho jogado num canto. Levei-o comigo sem saber o que era, e grata foi a surpresa que tive ao descobrir uma caixinha de música, das que se guardam jóias e lembranças boas, e repousam nas penteadeiras frente a espelhos empoeirados. Alguém deve tê-la deixado numa fuga às escuras. Não tem a tal bailarina, mas foi só abri-la, e aos primeiros acordes da Bagatelle de Ludvig (cego é quem disse que ele era surdo), de olhos cerrados, a vi bela e sublime a evoluir para mim. Desde então, sempre à noite, nos raros silêncios, abro a caixinha que o acaso me presenteou para ver minha bailarina.

Saudades... De saudades não te falo... Já de lembranças, digo-te que as tenho aos rodos. Levando em conta a distância de casa, e do dia em que de lá saí, este, motivo de minha primeira foto mais nítida, e que guardo com carinho na gaveta dos sonhos possíveis. Esta me garante a volta para casa. E lá vou eu descambando para o campo das esperanças, estas que são o meu combustível. Vivo disso, de ter esperança, de ser otimista, de acreditar que isso vai acabar amanhã.

Por hora meus olhos me chamam ao sono, mas antes, perdoas-me pela qualidade do papel, do português, e da caligrafia. A vela e a mão direita não me ajudam tanto. Esta segunda se deu a uns tremores ultimamente, mas nada sério, espero. Fato é que não vejo a hora de poder descer daqui, sair no rumo das salgadas águas deste doce mar que nos banha, e molhar ao menos os pés. Peço-te que reveles estas notícias aos nossos, e lhes transmitas meus abraços ternos. E àqueles que perguntam sobre “aquele teu tio que foi à guerra”, digas para estes que ainda respiro. E por fim aviso-te não ter esquecido uma promessa que te fiz, e que não deves ter olvidado, aquela da foto, da segunda foto mais nítida que farei, a de um belo pôr-de-sol no Arpoador.

Recebas um abraço deste foto-jornalista que vive de esperanças. Até breve!

RJ/2005

Dedico este escrito ao Jean Charles, um Brasileiro que foi vítima de vários terrorismos. Primeiro o de ter de sair do seu país para tentar viver melhor em Londres. Depois o de Bush, o de Blair, o de Berlusconni, e o de Bin Laden, estes que se acham os melhores “administradores” do planeta. Deus já salvou Jean, e desses outros eu tenho pena.



terça-feira, julho 26, 2005

Era uma vez...


Maria gosta de novelas. Dia desses, chorou vendo uma cena romântica. Lindas e sofredoras, a mocinha e ela. Olhou a solidão. Uma colcha de retalhos. Saco de fritas batatas no chão. De chocolates. De balas. Um refrigerante light. Ainda sentia frio. Ainda sentia fome. Ainda chorava em frente à televisão.

Maria acredita em príncipe encantado. Maria é princesa na torre, molestada pelo dragão. Maria suja a calcinha com menstruação. Maria usa batom rosa. Ensaia Saramago. É Espancada pela sutileza e dor das pétalas de Florbela.

Maria assiste a filme pornô. E dorme sem emoção. Maria tem cabelo caindo na testa. Cigarro na boca. Tatuagem na vontade. Poesias não reveladas. Segredos nunca ditos. Peito duro. Óculos de sol na gaveta.

Maria é triste. Maria é alegre. Mais triste. Mais alegre. Maria sabe fazer feijão. Sabe sambar. Sabe costurar. Maria vê suas propagandas nas revistas do salão. Na cidade, no outdoor próximo à estação. Maria faz dieta. Engorda mais que emagrece. Maria sente saudade. Maria canta Ana, Marisa e Adriana.

Maria obturou a última cárie. Maria sonha com uma lua-de-mel no Tahiti. Maria “agiletou” a perna no banheiro. Abaixo dos pulsos. E tingiu de vermelho o jornal de domingo. Maria defende o Presidente. Maria fala inglês, alemão e francês. Maria “pegou” seu vizinho português.

Maria acredita no amor. O amor não acredita em Maria.

...

João chega de carro com seu amor. Não beija, aperta a mão. João é gay. Tem gente na janela. Gente que olha João. Gente que não dá bom-dia a João. João que olha aquela gente. E vive quase em uma prisão.

João já visitou o primeiro mundo. Já gostou de mulher. Já fumou maconha e não fugiu do seu quarto. João não sabe o que quer e vive de fazer os outros encontrarem o que querem. João é um caso comum, em um planeta de falsas percepções.

João encena sorrisos. João está feliz como nunca. João está triste. João não acha justa sua felicidade. Preso à culpa dos padrões. João tem dúvida se é certo continuar feliz. João encontrou seu príncipe encantado e na bagagem, o cavalo branco e manco da insegurança.

João toma roska sem canudo. Faz musculação. Recita o Pessoa. Che estampado na camisa. Causas sociais discursadas. Usa sunga preta, de caso com a promíscua Havana do Pedro Juan, nas areias da Itaparica Ubaldiana.

João usa perfume de macho. Cueca de macho. Tatuagem de macho. João é macho. E toca violão. Faz ponta de locutor. Compõe olhando a lua. Emociona-se com o “Avesso” de Vercilo. E as poesias do Moraes.

João tem medo do amor. O amor não tem medo de João.

...

Maria e João às vezes transam. Ele cedendo à culpa. Ela à solidão. Não se preocupam com o gozo. Gozam do momento. Trocam confidências. Sabem das suas preferências. Compartilham os desejos. Desejam-se sorte. Dizem que se amam. Cada um com a sua forma de amar.

Maria e João estouram um champagne. Ele paga a conta. Ela retoca o batom. Ele abre a porta do carro. Ela sai sorridente. Seguem rumos opostos. À espera de um próximo telefonema.

Comemoram a morte de mais uma noite com um comprimido qualquer. Acompanhados da mesma insegurança. Acompanhados da mesma solidão. Insegurança de João em Maria. Solidão de Maria em João.

segunda-feira, julho 25, 2005

gosto de vilões...

Assisti alguns filmes no final de semana, e bem no meio da letargia básica do Domingo, percebi uma coisa. Gosto de vilões... em filmes... em quadrinhos... (na vida dita “real”?). Não creio que seja o tipo de conclusão à qual se chega assim, de estalo... acho que fica germinando no subconsciente, e lá uma hora alguma coisa chama à atenção, e voila! Cá estou, escrevendo sobre caras maus!

Tem um tipo que merece particular atenção, que é o gângster. Gosto particularmente do Al Pacino, atuando como Scarface. Me agrada a forma como ele encara a tela de frente. Gosto dos olhos contidos e da raiva mal disfarçada. E gosto da boca cínica, que ri desdém e maldade. E tem até cicatriz no rosto, como um bom cara mau – principalmente se macho bravio vindo direto de la isla de Fidel – deve ter. É engraçado assistir a um filme com um cara ruim tão ruim, e que no entanto não tem mocinho... ora, todo mundo sabe que o cara mau é tão mais maldoso quão mais cheio de virtudes é o bom sujeito ao qual ele se contrapõe. Só que em Scarface o que se poderia dizer é que o tal bonzinho é a própria sociedade norte-americana em geral. E, bom... todo mundo também sabe que nem há tanta virtude assim no norte-americano médio... O que Tony Montana persegue é o tal do “American Dream” (ou uma forma deturpada dele, e pelas vias do “Cuban Way”), e a muito pó e bala, acaba chegando onde quer. Já havia sido feito assim antes... e certamente o foi depois... mas um Vitto Corleone tem toda uma classe pra matar pessoas. Há beleza estética naquela violência. Não é o caso do Pacino. As cores são fortes, a luxúria é enorme, e a violência é desnecessária. Um detalhe nesse tipo de vilão é que sua punição no final do filme é vista por nós, passivos expectadores, com bons olhos... até mesmo Al Pacino é punido. Mas não sem antes casar com a Michelle Pfeiffer, matar o melhor amigo e descobrir-se apaixonado pela própria irmã.

Tem outro tipo que eu realmente curto, que é o vilão high-tech. O terceiro andróide do Blade Runner, o Roy, vivido pelo Rutger Hauer, representa este estilo como nenhum outro. O interessante neste filme é perceber o despertar da consciência do andróide (que vi sempre como uma metáfora relacionada ao despertar da própria vida), e que o torna bastante original. É que, até onde lembro, os caras maus dos filmes, quadrinhos, etc, estão sempre atrás de poder e/ou dinheiro. E daí me aparece esse andróide, cujo motor é simplesmente a conquista do direito de viver em sua plenitude a complexidade das emoções humanas, e não ter de morrer por fazê-lo. E me fez gostar dele... Suas razões são nobres, e vê-lo morrer me deixa meio perplexo... Ah, e gosto daquele futuro... todo ele amplo e em belos tons pastéis. E ainda tem a beleza plácida e etérea dos olhos da Rachael. Alguém poderia se perder naqueles olhos. E é como se o mocinho Deckard fosse pequeno diante da nobreza do vilão andróide.

E tem o vilão “maluco”. Sendo ou não violento (e geralmente o é), ele é um tipo interessante, ainda mais se o processo de enlouquecimento se dá durante o desenrolar do filme, e nós vamos acompanhando tudo. Quem viu Jack Nicholson em Shinning sabe bem a sensação a que me refiro. A forma meio diabólica como ele sorrí, o silêncio daqueles longos corredores... o isolamento no meio de toda aquela neve, e o toc-toc-toc da máquina de escrever, tudo ajuda a formar o clima denso... pesado... a maldade fica quase palpável, formando a ambientação perfeita pro vilão agir. É outro filme onde não há um mocinho facilmente identificável.

Ah... quer saber? Vilões demais... espaço de menos... acho que esse texto vai ter parte II um dia...

domingo, julho 24, 2005

De 15 em 15... eu faço minha vida

E tomando mais um pouco de vinho, vou traduzindo pensamentos. Meus pensamentos vão, através dos meus dedos, deixando de ser pensamentos e se materializando. Bem verdade que este meio não tem matéria. É digital. Mas é uma forma de expressão, seja com papel e caneta ou com eletricidade convertida em magnetismo.

O processo é o mesmo que eu faço com meus pensamentos. Trago-os do limbo mental em que eles habitam e os converto em símbolos para serem lidos. Mas se este é o processo, quais são os pensamentos?

Eu gosto muito dos tempos. Porque é gostoso pensar no passado. Pode até ser um pouco dolorido, porque eu sou do tipo que a saudade dói. Eu não sinto dor de cabeça depois de uma noite regada a álcool. Mas sinto dor quando me lembro da minha infância ou da mulher que me amou algum dia.

Gosto de pensar no futuro e criar vários mundos onde eu poderia morar. O mais legal desse mundo que eu crio, é que eu sempre tenho sucesso. Geralmente é sucesso associado à música ou arte em geral. Também crio um mundo onde eu ganho na loteria e não preciso acordar com o sol todos os dias para trabalhar. Algumas pessoas chamam isso de sonho. Eu gosto de chamar de mundo-que-eu-crio.

Mas é no presente onde eu finco minhas raízes, onde deixo meus pés. Gosto da idéia de viver cada momento como se fosse o único. Eu não sou tão extremista assim. Sou meio preguiçoso. Sou do tipo “determinado” por 15 minutos. Com 15 minutos eu mudo o mundo, conquisto um amor, morro por ele e termino um relacionamento. Com 15 minutos eu consigo amar perdidamente. E com esses mesmos 15 minutos eu consigo sofrer por uma vida inteira. Porque minha vida sempre se resume em 15 minutos.

Enquanto o passado é uma página virada e o futuro, um mundo que eu construí, o presente são 15 minutos de glórias e fracassos. Pelo menos para mim.

sábado, julho 23, 2005

Um caso de amor

Puta que pariu, véio! Acelera a porra desse carro.

Perdão pelos palavrões. Mas não se passa impunemente pela engenharia. Mas isso é só um aparte.

Comecei esse texto assistindo ao treino de Fórmula 1 essa manhã, no exato momento em que Rubens Barrichello entrava na pista. Pensei então, por que não falar sobre minha paixões?

Eu sou um bicho esquisito, confesso. Tenho gostos estranhos, por vezes exóticos. Eu gosto de futebol, Fórmula 1 e buraco.

Quando criança, costumava passar os finais de semana na casa de minha bisavó, no interior do estado. Na maioria das vezes, eu era a única criança lá. Sobrou-me então os programas de adulto. Mas era uma delícia. Na casa de minha bisavó, ou bivó, todo dia era dia de festa. Talvez hoje, aos 26 anos, eu não visse dessa forma. Mas aos olhos sempre brilhantes de uma criança tudo pode ser farra.

Aos sábados, tudo era mais pro sossego. Eu, sempre apegada às letras, passava o dia inteiro a devorar avidamente tudo o que encontrasse. De jornal velho à aqueles encartes que se distribui aos domingos na missa. Sagrado também era dar uma passada na casa de meu tio pra comer dindim (ou sacolé, como queiram), principalmente de coco. Nunca mais encontrei outro igual ao que a esposa dele fazia.

Mas quando o domingo chegava, era uma algazarra só. Pela manhã, feira. Alguém conhece feira do interior? Não sabem o que estão perdendo. Tudo o que se possa imaginar você encontra na feira. Nas bancas ou no chão. Bonecas de um cabelo tão loiro que faria inveja à Barbie. Pomadas que curam de reumatismo à impotência. Lamparinas de folhas de flandres ou de latas vazias de óleo de cozinha, que de tão coloridas pareciam pintadas. Panelas de barro de todos os tamanhos, inclusive miniaturas para as meninas brincarem de casinha. Roupas de chita. Chinelos de couro. Chapéu de vaqueiro. Patos, galinhas, bodes, carneiros. Jumentos e suas carroças. Homens e mulheres com sua simplicidade de quem só vai à cidade 1 vez por semana. Sacas e sacas de milho, arroz e feijão. Carnes a curtir no sal e sol. Livretos da autêntica literatura de cordel sertaneja. Muito melhor que qualquer shopping.

Mas a feira só começava para nós depois da corrida de Fórmula 1. A família se reunia inteira em frente a TV para torcer pelos brasileiros. Homem, menino. Menina, mulher. Primeiro Nelson Piquet. Depois Ayrton Senna. Aí a paixão nasceu. Passados mais de 20 anos, ela resistiu ao tempo e à morte de um ídolo.

Ao meio-dia todos se encontravam em volta da mesa. Comida simples, mas com um sabor inigualável. Sabor de afeto. Quase sempre galinha cozida. Mas não dessas que você compra congelada no supermercado. A galinha era criada no quintal, alimentada com milho e abatida em casa. Pescoço quebrado. Água fervente para tirar as penas. Mãos habilidosas para limpar a carne. E a sobremesa? Doce de leite e goiabada misturados em proporções iguais. Tudo feito em casa.

Uma hora mais tarde, a família voltava a se reunir em torno da mesa. Dessa vez para o buraco. Sagrado em todos os domingos do ano, exceto no domingo de Páscoa. Os adultos se revezavam a tarde inteira. Eu dava voltas e voltas na mesa tentando aprender aquele jogo magnífico que tanto instigava minha família. Aprendi. Mas nunca fui tão brilhante quanto qualquer um deles.

As 15:00 h em ponto o jogo era interrompido. Pausa para o café, hoje coffeebreak. Café (óbvio), queijo, bolo, pão, bolachas. Um cheirinho de café fresco está na minha memória até hoje, quando a gente não tem mais tempo para um cafezinho no meio da tarde. Em seguida, o jogo era retomado.

As 16:00 h, aqueles que não estavam jogando se encontravam na frente da tv numa barulhenta confraria para assistir ao futebol. E eu me juntava a eles. Vozes exaltadas. Xingamentos impublicáveis ao árbitro. Bate boca entre torcedores de times adversários. Pura paixão. Nunca consegui me curar desse vício.

As 18:00 h tudo se encerrava, afinal era domingo. Todos precisavam se preparar para a missa. E eu voltava para minha casa.

E assim se passaram muitos dos bons anos de minha infância. Bivó morreu em 85. Minha tia em 93. Ninguém jogou mais. As coisas nunca mais foram as mesmas. Ou eu nunca mais fui a mesma. Tive que crescer.

Esse texto era pra falar sobre minhas paixões. E acabei me perdendo numa confusão de sentimentos. Numa saudade que nunca finda. Numa avalanche de memórias. Num turbilhão de bons momentos.

quinta-feira, julho 21, 2005

Filho de Deus Maravilhoso e Perfeito. (Ou "As calcinhas da Martinha.")

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Óóóunn! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .



Carnaval se aproximando. Arnold estava com tudo certo para deixar Salvador e ir para um retiro Seicho-no-iê num sítio em Brasília. Martinha, no Rio, um tanto desanimada pelo recente litígio, conversa com ele pelo telefone.

- Vamos, amiga! Sair para um descanso espiritual vai ser bom para você! Tempo para pensar, recuperar as energias.
- Tá certo... é. Deve ser bom mesmo. Eu vou.
- Olha, meu amor, lá eles trabalham essa questão da nudez, de não ter vergonha. O pessoal anda muito ao natural. É bom ir preparada...

Martinha comprou doze calcinhas confortáveis, em cores diferentes, seguindo o conselho do amigo.
Se encontraram em Brasília, no Conjunto Nacional, de onde partiu o ônibus pro sítio, e de lá foram.
O sítio tinha os espaços divididos por gênero, para evitar desvios da atenção ao objetivo principal, que é o engrandecimento espiritual. Haviam apenas dois períodos de quinze minutos no dia em que os homens podiam ver as mulheres – e sem contato físico. A filosofia Seicho-no-iê dizia para sempre levar em conta apenas o lado bom das coisas e das pessoas. O tratamento dispensado de uns aos outros era "filho-de-Deus maravilhoso e perfeito".
Arnold não tinha o costume de servir sequer seu próprio copo de vinho. No primeiro dia, na divisão das tarefas, ganhou a missão de capinar uns vinte metros quadrados na porta da casa. O calor seco do verão brasiliense castigava, no meio do silêncio natural do lugar, enquanto ele executava a tarefa. Uma atmosfera angustiante. O mestre passou à tarde e falou, enquanto ele trabalhava de cueca, gentilmente:

- Obligado, Alnold.

Sorriu simpaticamente, enquanto pensava "Obligado o calalho, japonês da desglaça.".
Nos quinze minutos que encontrou Martinha, à noite, veio a notícia.

- Arnô! Roubaram minhas calcinhas! Que é que eu faço?
- Meu Deus! Amiga!! Olha, a filosofia aqui é de ver sempre o lado bom das coisas. Não se estresse. Você vai lá amanhã e fala assim...

No dia seguinte, com o sorriso mais aberto, Martinha pede atenção no quarto, para as outras treze mulheres.

- Gente! Eu trouxe uma sacola com doze calcinhas novinhas para cá! A filha de Deus maravilhosa e perfeita que se atrapalhou e pegou minha sacola, eu gostaria de pedir que devolvesse. Tenho certeza que foi um engano.

Terceiro dia e nada. Nos quinze minutos, Martinha se queixa de novo com Arnold.

- Meu filho! Eu tô lavando a calcinha à noite para poder secar e usar de dia! Tô dormindo com a boceta descoberta! Esse frio da porra, aqui!
- Meu amor, calma! Está vendo o porquê da filosofia Seicho-no-iê? Você já está estressada! É para ver o lado bom disso. Você vai viajar mais leve.
- Tô pra fazer é um auê aqui!
- Não faz isso. Tenta de novo com calma amanhã.

À noite, Marta demorando para dormir, sentindo frio nas partes íntimas e nas mãos, molhadas de lavar a calcinha tarde, logo antes de ir dormir. E trabalhando a raiva na filosofia Seicho-no-iê. (Está tudo bem. Quem fez não foi por mal. As calcinhas eram uma coisa a mais a carregar na viagem de volta...) Pela manhã abriu o mesmo sorriso.

- A filha de Deus maravilhosa e perfeita que por engano pegou minha calcinha, se estiver assim, meio sem jeito de entregar pessoalmente, por favor, é só deixar aqui na cama quando a gente estiver lá fora.

De noite, Arnold foi para o local em que se encontravam, após as refeições, mas não achou Martinha. Arnold estava até gostando do descanso, já. O trabalho mais pesado foi só no primeiro dia – depois disso, coisas menos complicadas como preparar as refeições, limpar a casa. Além disso, estar no meio de tantos homens de cueca era uma experiência inesquecível para ele, que, disfarçadamente, comia-os (até o talo) com os olhos.
Na manhã de quarta-feira, no entanto, o mestre chamou-o cedo, para ele acalmar Martinha.

- Sua amiga se encontla um pouco exaltada, Alnold...

Martinha tinha passado outra noite dormindo mal, nada de calcinha. Acordou de manhã antes de todo mundo, trancou a porta do quarto e berrou.

- A filha-de-uma-puta escrota que roubou minhas calcinhas, é melhor tomar vegonha! Eu vou logo avisando que devolva hoje! Senão amanhã o bicho vai pegar aqui, viu! Eu sou baiana de Euclides da Cunha, porra! Não brinquem comigo não!!! Não tô achando graça nenhuma dessa poooorra aqui nãããão!!! Tô logo avisando que daqui eu não vou embora sem as calcinhas!!! Vai ter problema!!! Vai ter probleeema!!!

O circo se armou. Quando se encontraram, com a intervenção do mestre, Arnold ainda tentou acalmar os ânimos.

- Mas amigaa... que é que tem? São só umas calcinhas! Supere isso!
- SUPERAR O CARALHO, Arnô! Seicho-no-iê pra cima de mim? Pra me sacanear?! Tô passando frio, cacete! Por mim a gente ia embora dessa porra!

Não dava para ir embora – era longe e o ônibus só vinha buscar no dia seguinte. Ela dormiu a última noite mais chateada ainda e, se não foi, para ela pareceu ser a noite mais fria. Quando acordou de manhã, pronta para rodar a baiana, o saco das calcinhas estava do lado da cama. Pensou ainda que agora não adiantava tanto, que eles já estavam voltando para a cidade, onde não teria mais o problema do frio. Ficou ainda mais revoltada.
No ônibus, mais tarde, as pessoas conversavam em um tom bem baixo, bem pacífico, com a calma que resgataram nestes dias de descanso. Martinha, sentada do lado de Arnold no ônibus, tinha o olhar injetado, atenta a todo gancho que sobrava das conversas dos outros. Emendava-as em tom nada elegante.

- Paz uma porra!
- Seicho-no-iê a desgraaça! Uma sacanagem, isso sim!
- Seicho-no-iê de ladrão sacana, essa porra!

E reclamava com o amigo.

- Perdi meu carnaval para roubarem minhas calcinhas aqui, Arnold! MEU CARNAVAL! Nunca mais me chame para essas suas viadagens!! Nunca mais, entendeu?!

Arnold olhava pela janela e tentava relaxar...

[]´s

quarta-feira, julho 20, 2005

Amigos distantes, inimigos ocasionais.

Pô, meu velho! Põe um rock aí!

Rock? Tipo o que?

“Ah, Red Hot ou Foo Fighters, tem?”

“Deixa eu ver... Humm... É esse?...”

“Aê, doido! Massa esse som...”

“Adeus, Vanessa da Mata...”, resmunguei.

“Falasse o que?”

“Não, nada...”


E lá se foi minha nova paixão musical, Vanessa da Mata, dar lugar ao rock do Red Hot. Este é Marcus Vinícius, meu sobrinho. Tem apenas 9 anos que mais parecem 20. Um velho. Típico pré-adolescente urbano. Mora em Recife, num apartamento ladeado por asfaltos e violências mil. Filho único cercado de adultos. Esse ano passou a ir sozinho à escola, sabe o roteiro de quase todos os ônibus, e já boicotou um deles por não ter gostado do perfume de um cidadão que sentou ao seu lado: “Aquele ônibus eu não pego nem se vier vazio, meu velho!”. É uma figuraça. Passa as férias sempre aqui. Casa grande, vasto quintal, árvores a subir, pedais a girar, uma festa. Faz algum tempo que cismou em não cortar o cabelo, e atualmente ostenta uma vasta cabeleira cacheada e loira, para a inveja do tio que sempre tem mais cabelos nas fotos antigas. O cara nasceu com essa difícil missão de ser loiro, bonito, alto e de olhos verdes, que chato! Já passou de 1 metro e meio faz tempo. Hoje lhe habita as idéias o velho dilema infantil, o de ser cineasta ou astrônomo. Vive a trocar cartas e bilhetes amigáveis com Lucas, seu amigo distante: “escolha bem os seus amigos”, “obedeça aos seus pais”, sempre nessa linha de bons conselhos. Por sua vez, o daqui responde com desenhos de super-heróis e monstros imaginários, posto que ainda não domina por completo o dom da escrita, e tem uma certa vergonha de se expor.

Este é Lucas, sete anos. Nasceu aqui, ou praticamente. Sei que o conheço desde o segundo, terceiro dia, assim que voltou da maternidade. Lembro-me daquele ar bobo de pai e mãe, o ar de promessa que todo bebê tem, e desperta. Criou-se aqui, literalmente. Sua mãe trabalha conosco desde menina, devia ter 16, 17, quando começou. Namorou. Casou. Pariu. Só ele. E naturalmente participou do crescimento das meninas da casa, sem falar da mais nova, que viu nascer. Sempre fiel. Hoje elas têm 18 e 20 anos. Ele segue por aqui, correndo pela casa, pelo vasto quintal com seu porte mirrado e magricela. Falante e gesticulador. Uma figura engraçada. Gosto de conversar com ele, isso quando está sério, afim de papo sério. Já travamos altas conversas sobre formigas, árvores e morte. Foi ele mesmo quem me disse outro dia que cachorro tem alma, e que quem morre vai pro céu, e que o céu tem muitas árvores. Também é dado a usar expressões e palavras bem interessantes, como por exemplo, o verbo “deslembrar”, o que explicou, não necessariamente com essas palavras, como sendo o ato de esquecer alguma coisa. E lá fui eu consultar o Houaiss: “verbo pouco usado, transitivo direto e pronominal”. Viva e aprenda. Traz as pontas dos dedos marcadas por ferroadas de formigas; propositalmente põe o dedo a tapa. Não teme inseto algum, ou não temia, até o dia em que surgiu no quintal um “ser” que o desbancou. Deu escândalo. Gritos pavorosos que bem podiam anunciar um leão: era um zig-zag!

E de seis em seis meses dá-se o encontro. O que tem sete parece ter menos, e o que tem nove parece ter mais. Um magrinho e serelepe; outro alto com pinta de gordinho, valendo ressaltar que já faz dieta e se preocupa com a barriga. Olham-se, cumprimentam-se, trocam as primeiras impressões, mostram-se novidades mútuas, e nota-se no menor certa idolatria silenciosa. Na manhã seguinte bicicleta e futebol, desenho na tv e correria. No outro dia, ânimos exaltados. Bicicleta, briga, bola, xingamentos, distância. Um provoca, outro revida. Encanto quebrado, um com saudades de Geraldito, seu hamster; outro do sossego de ser só naquele mundinho particular. Assim passam as férias, num típico caso de amor e ódio inocente que servirá de combustível para conversas futuras, quando ambos já tiverem os primeiros fios de barba, ali, naquela estação em que o trem da vida pára no afã das fugazes revisões, quando o passado vira graça. E eu, vou querer mesmo é estar presente, já que fui juiz de várias pendengas infantis. Presenciar entre sorrisos as reminiscências da vida de dois amigos que viveram como cão e gato na infância, e foram saudosos na distância, e naturalmente ranhetas na presença. Amigos distantes, inimigos ocasionais.

terça-feira, julho 19, 2005

Reticências...

O Sono...

Cheguei a alguns minutos...Falta muito pouco para acabar a terça e já não resta lucidez para fazer um texto. Estou cansada. Meus olhos estão travando uma guerra com o sono, lutam pela liberdade deste tom castanho...Estou quase a caminho dos sonhos. Essa porra, tá até rimando!
Eu havia prometido que não mais deixaria pra escrever brigando com o tempo...O tempo tem canelas altas e suas rasteiras são certas... Promessas... As que fazemos a nós mesmos são sempre as mais fáceis de descumprir.

O Surto...

Resolví surtar em uma segunda. Literalmente "Pirei o cabeção!". E não podia fugir para catar marisco na praia... Será que mais alguém neste mundo despiroca? Devo ter pensado sobre isso algumas centenas de vezes... Dói o peito, o peso de algumas incertezas... Sessão Freud explica!

Suvaco alheio...

Pasta em uma mão, e a outra tentando alcançar o suporte lá do ônibus, em uma tentativa quase frustrada de me equilibrar...Levantei o braço e em frações de segundos abaixei...Que mau cheiro é esse? Misericórdia! Isso tá vindo de mim?! Me contorço tentando ser discreta...uma fungada e nada...(Retrocedendo...Ah! coloquei desodorante sim! ) E de onde tá vindo isso( pelamordedeus!) assim tão cedo?! Bafo de cachaça é ressaca, mas bafo de inhaca!!! Suvaco alheio, bem ao meu lado! Misericórdia de novo! E não tinha pra onde ir... parece que catinga segue rastro... tratei logo de colocar mais um cheirinho debaixo do braço quando cheguei no trabalho!

A Bandeira...
Ainda entorpecida pelo aroma suvacal, avistei uma bandeira Brasileira chacoalhante, estilo "Isso aqui é um pouquinho de Brasil, iá iá", no meio de um bocado de casinhas que de tantas, se perdem no horizonte. Bairro da Paz... É o nome daquele lugar, onde tem uma bandeira brasileira, um monte de casinhas que se perdem no horizonte, uma lista criminal de não matar ninguém de inveja e onde meu vizinho, comerciante local, foi sequestrado, torturado e morto. Lá naquele bairro, onde estava meu vizinho da Paz, um horizonte de casinhas, chacoalhando vários crimes e uma bandeira nacional.
A Terça...
Que já foi embora e não levou meu sono...
Anônimo...
Tô fudi... complicada dessa vez! :P

segunda-feira, julho 18, 2005

tem um passarinho morando no meu banheiro

É isso... estou dividindo meu banheiro com um passarinho. Não um daqueles cuja vivacidade vai se esvaindo aos pouquinhos dentro duma gaiola, pra saciar o prazer egoísta de alguém. Não... o meu pequeno amigo – voluntarioso que é – vem e vai quando bem entende. Nosso primeiro encontro foi bem casual. Numa dessas madrugadas insones, venho meio que tateando ao banheiro, quando na penumbra, ouço um “piu” agudo por detrás da porta. Abro. Outro “piu”, desta vez de indignação, e lá se vai o pequeno janela afora.

Ora... um passarinho na janela do meu banheiro!

Dias depois, bem no meio da manhã, porta do banheiro entreaberta, já vou sendo recebido por mais “pius” alegres. Dessa vez cheguei devagarinho e resolvi observar. E vi o pequenino logo ali, em sua corrida frenética dos afazeres diários. Uma pigarreada leve, para avisá-lo de que eu estava por ali e precisaria também usar o banheiro, e fui entrando. Com um último “piu” de consentimento, foi-se embora. Era evidente a situação... tínhamos em casa um novo inquilino. Não sei bem se trazido pelas dificuldades de moradia que provavelmente todo passarinho urbano enfrenta, o fato é que o pequeno escolheu o teto de gesso de meu banheiro (por onde passa através de um furo) para morar, e criar sua prole.

Até aqui a coisa vem funcionando bastante bem. De início, pensei em puxar papo... fazer uma piadinha... citar o Quintana... oferecer uns biscoitos, sei lá... Mas mudei logo de idéia, depois que percebi alguns “pius” meio arredios, e resolvi não forçar a barra. Pois é, o pequeno é mal-humorado. Ainda assim, já temos um tipo de acordo não-escrito de cavalheiros. Temos horários pré-definidos, e tentamos respeitá-los. Já notei os horários em que ele quer a preferência, e quando me aproximo do banheiro, faço-o com cuidado, percebendo antes os “pius”, para não invadir sua privacidade. Aos domingos tenho percebido que o processo não funciona tão bem... ele provavelmente dorme até um pouco mais tarde... acordamos ambos já com o sol alto, e já aconteceu de eu entrar e encontrá-lo por lá, fazendo o que quer que façam os passarinhos nos banheiros das pessoas, num horário que não era o dele...

Mas estamos avançando. Já noto da parte dele um certo relaxamento nas atitudes, antes tão arredias. Já são um pouco mais demoradas suas visitas, e já não sai tão rapidamente quando me vê. E quer saber? A vovó comentou que dá muita sorte ter pássaros em casa... Partindo deste pressuposto, é mais do que lógico imaginar que se já dá sorte ter um pássaro preso (fico pensando onde que está a sorte pro pássaro), imagina o que pode acontecer quando ele mesmo se convida? Acho que está na hora de começar a tentar a loteria...

Pois que venha, pequeno amigo... que venha e seja muito bem vindo!

domingo, julho 17, 2005

Toque de Midas

Quem lembra do conto do Rei Midas, que resolveu pedir lá pro pai de santo do reino dele para virar um X-Men? Pois é, tudo o que ele tocava virava ouro. Bem verdade que ele quase se deu mal por isso. É mais ou menos como Scott que não pode mostrar seus lindos olhos castanhos por risco de cometer genocídio culposo.

O Rei Midas do século XXI é brasileiro e atende pela alcunha de Ronaldo o Fenômeno. O cara é simplesmente anormal: toda mulher que ele come vira ouro (vamos trocar “tocar” por “comer”, já que as histórias de hoje podem ser mais picantes).

Vamos à lista:

- Nádia França e Viviane Bruenieri
Quem são essas? As Ronaldinhas. As mulheres ganharam dinheiro fazendo nada, só sendo comidas pelo atacante do Real Madrid.

- Suzana Werner
Ta certo. Essa já tinha carreira e tudo mais. Mas bastou abrir as pernas para estourar em Milão e etc...

- Milene Domingues
Mãe do filho de Ronaldo. Quer mais alguma coisa?

- Daniella Coringarelli
Essa foi puxada pela boca ao sair da mãe. Mas não importa. De modelo sem expressão se tornou um monte de coisas depois que nosso melhor jogador do mundo passou o rodo...

- Raica qualquer coisa
Quem é Raica? Uma menina linda e perfeita. Modelo que vai virar atriz da Globo em horário nobre! Li no UOL que ela ia fazer uma ponta na nova novela da Globo, mas bastou o cara OLHAR diferente para ela e pronto: mais uma estrela universal do mundo inteiro.

Não importa se ele é feio. Porque dizem que a beleza está no extrato bancário de cada um...

Como disse uma amiga minha: “melhor ser feio como o Ronaldo e comer a Raica do que ser bonito como o Gianecchini e comer a Marília Gabriela”.

P.S.: eu acho a Marília Gabriela uma das mulheres mais bonitas e elegantes do Brasil.

sábado, julho 16, 2005

Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac...

20h45min. Sexta-feira de uma semana cheia. Cheia de trabalho, aulas, problemas. Pouco descanso. Nenhum prazer. E estas poucas e mal traçadas linhas são tudo o que tenho até agora.


Acabo de sair das minhas 2h diárias de aula de inglês. Ainda não sei em que língua escrever esta crônica. Talvez devesse tentar o mandarim...


51: Pirangi-Rocas. Do outro lado do ônibus um sujeito estranho me observa. Não sei se está me admirando, querendo me assaltar ou se está com medo de mim.
Definitivamente, sei que devo estar parecendo uma louca que acabou de deixar o hospício por um túnel cavado por seus próprios delírios e anseios de liberdade.


Ouço os Beatles (Taxman, Eleanor Rigby,...) enquanto tento extrair da minha exaurida mente umas poucas palavras que façam sentido.

Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac...


Não sei que horas são. Desisti de usar relógio há algum tempo. Não me serve de nada. Mas sei que estou quase em casa.
Uma música vinda do cd player me faz flutuar. Ao som de Yellow Submarine viajo, devaneio. Enquanto isso, penso que até agora não escrevi nada que fizesse sentido algum. Onde eu estava com a cabeça quando achei que seria capaz de encarar esse desafio com sucesso?

Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac...


Estou em frente à locadora, esperando o sinal abrir. Lembro que não tenho grana nem tempo para filmes este fim de semana.
Lembro que não escrevi uma linha sequer do que meu English’s teacher pediu. Deveria ter sido entregue hoje. Now is late.

(...)

(Pausa para a árdua caminhada até minha casa)

Quase não consigo abrir a porta. Afinal, ainda só tenho dois braços (e duas mãos). Mas já tenho um projeto para construir muito úteis apêndices (quem viu Spiderman 2?)
Cheguei.

(...)

Quase não há espaço na minha cama para deitar e continuar a escrever essa crônica (que os imortais me perdoem por essa infâmia).
Rony sobe e deita-se ao meu lado. Mas agora não tenho tempo para afagos. Ouço em algum lugar o movimento dos ponteiros de um relógio imaginário.

Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac...


Repasso mentalmente o dia de hoje. Mentalmente não.

Este serviço está temporariamente (?) fora do ar por problemas técnicos. Nosso time de especialistas está trabalhando com afinco para resolvê-los o quanto antes.


Repasso MECANICAMENTE o meu dia.

(Pausa para uma exclamação: estou ouvindo agora Norwegian Wood. Thanks God!)

Apenas três coisas rondaram o meu pensamento hoje:


Tudo o que deveria fazer no fim de semana e sei que não farei;

Lembrei que iria ao cinema quarta à noite. Assistiria a “Quarteto Fantástico”. Mas o telefone tocou ao fim do dia e ele disse que não poderia me acompanhar àquele dia. Espero que ele lembre de ler esta crônica (ha ha ha).


Lançamento mundial de Harry Potter and the Half-Blood Prince a 0h de sábado. Lembro que os afortunados, os escolhidos, já o terão lido até domingo. E eu continuarei na mais profunda ignorância. Não saberei quem é o tal Half-Blood Prince nem o novo Ministro da Magia ou o professor de Defesa Contra As Artes Das Trevas. Não saberei que personagens morrerão ou por que os olhos verdes da mãe de Harry são tão importantes. Não saberei se Severo Snape é leal à Dumbledore ou fiel servo de Lord Voldemort.

(Desculpem-me por isso, mas foi irresistível. Precisava partilhar minha angústia)

Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac...

Lembrei-me então que eu já tinha um começo para minha crônica. Semana passada estabeleci uma regra para facilitar minha vida. Deveria escrever meu texto até quarta à noite, digitar às quintas e revisar às sextas. Não consegui fazer nada disso. E essa ainda é a segunda semana (vida longa ao Expressões!).

Devo confessar que tal qual um famoso personagem (que eu não vou dizer quem é) de uma séria de livros, tenho o que se pode chamar de “um certo desprezo pelas regras”. Inclusive pelas minhas.


Tic Tac, Tic Tac, Tic Tac...


E agora, José?
O tempo acabou
O sono bateu
O cansaço chegou
A luz ainda não apagou
As idéias se perderam
Porque no meio do caminho
Havia uma pedra
Chamada vida moderna.
Pai, Livrai-me de todo o mal
E Perdoai os meus pecados
Sobretudo este
Que acabastes de ler.

quinta-feira, julho 14, 2005

Adeamus ad montem fodere putas cum porribus nostrus!

A formação de quadrilha está caracterizada. Os oito monstros digitais estão a pleno vapor. "Digimóns – Digitais – Digimóns" (Eu lembro dessa musiquinha quando leio esse DIGITAIS aí. Sabem o Digimóns, imitação dos Pokemóns.)
Então agora chegou a hora de explicar a minha frase em latim, que eu achei supimpa a "Verba Volant", fiquei com inveja e também quis colocar uma. Quer dizer "subamos a montanha para colher batatas com nossas enchadas".
A piada é velha, eu sei... uma piadinha chula pelos três falsos cognatos. Pensei até em criar um engodo aqui para dizer que é uma metáfora que representa a ascensão do blogue, mas ia ficar chato pro trabalho que daria....
Não, não é uma quinta-feira inspirada para mim. Essa chuva, esse tempo, meu DVD quebrado e minha conta bancária no vermelho, meu IPVA vencendo, o caralho a quatro... deu certo isso aí embaixo, mais cedo, e agora essa infâmia aqui.
Paciência.

---
-
De minha sala fechada eu transgrido não como matéria e sim como espírito vivo e quase tangível as paredes frias e a janela fria o bafo quente do dia sopra meu rosto não quero óculos escuros quero toda luz entrando por cada espaço dos meus olhos enquanto sigo flutuando pelo azul ciano para o barco que flutua pelo azul marinho em ondas uma lata de cerveja preguiça e gostosas meninas de mãos macias mornas úmidas que tocam minha pele oferecem um cigarro eu fumo enquanto sinto a paisagem sol aquece minha pele a fumaça aquece meu peito a brisa me refresca por todo mas a fumaça acaba em cinco minutos tão rápidos que eu nem pisquei os olhos enquanto via o escritório escuro fechado empoeirado de novo atento.
Atento.
Tomo mais um gole de café. Dois cliques. Distração em píxel. Jatos de porra neste momento jorram sobre uma loira de seios voluptuosos.
Minha vontade de fazer qualquer coisa está atrasada, no engarrafamento da chuva, ou embaixo de alguma marquise.

[]´s

Sem horas e sem dores!

Abrem-se as cortinas vermelhas... Um ator está posicionado no centro do palco... Baixo... Calvo... Cabelo raspado... Costeletas longas e bem feitas... Brincos... Dicção falha... Porém clara... Nariz de palhaço... Luz de tonalidade branca o focando... O ator agradece os aplausos erguendo os braços... Como no circo.

(Toque de clarim)

Palhaço: Sou sertanejo... Potiguar... Nordestino... Brasileiro... “Cabra valente”... Dormindo de rede... Comendo maçã e tomando cerveja. Libriano com 19 anos... Uma criança... Um palhaço... Do circo Mundo Inferior. Visitante de passagem... Analisando e explorando este novo mundo... O mundo dos adultos... Cotidiano para alguns... Enigmático para mim.

(Toque de clarim)

Palhaço: Vocês acreditam em sentimentos verdadeiros!? Sinceros!? Dignos de uma criança!?

Platéia em silêncio.

(Toque de clarim)

Palhaço: Certa vez... Eu... Andando pela Abbey Road... Londres... Deparei-me com uma dessas revistas de gente grande (aquelas que mal tem figurinhas e sempre põe na capa frases grandes e chamativas) que dizia:

Felicidade é truque – Um truque da natureza concebida ao longo dos anos com uma só finalidade: enganar você. A lógica é a seguinte: quando fazemos algo que aumenta nossas chances de sobreviver ou de procriar... Nos sentimos muito bem. Tão bem que vamos querer repetir a experiência muitas e muitas vezes”.

(Toque de clarim)

(Indignação)


Palhaço: Fiquei pasmo... Branco... Minhas mãos tremeram (elas sempre tremem)... E imaginei o mágico dos saltimbancos tentando fazer um truque de tamanha grandeza... Coelho... Flores... Milhões e milhões de metros de seda tudo bem... Mas felicidade saindo de dentro de uma cartola!? Não... Ah não... Era demais! Não poderia ser!

Como assim racionalizar os sentimentos!? Qual era a lógica daquilo!? Pura estupidez das pessoas acima de vinte e um anos... Como pode alguém querer explicar os sentimentos!? Induzir por meios biológicos o amor inacabável e fraterno!? A depressão suave e profunda!? A alegria instantânea!? Para mim não é cabível! Isso para mim só passa de mais uma das teorias desses psicólogos maquináveis... Que chamam o amor... De obsessão.

Crescer não faz sentido!

(Toque de clarim)

Palhaço: Sendo assim... Largo meu nariz vermelho para me afogar no mundo dos amantes tradicionais. Um romântico assumido... Melancólico e apaixonado... Amante do roque... Da bebida... Da química... Boêmio... Passível... Dócil... Lento... Sossegado... Indiferente... Equilibrado... Emotivo... Carinhoso... Alegre... Palhaço... Amorfo... É... Amorfo!

(Toque de clarim)

Platéia vazia.

Toca-se uma música calma e triste... O palhaço sai cabisbaixo... A cortina se fecha... O espetáculo vai começar.

quarta-feira, julho 13, 2005

Ilusão de Ética

Maceió, 13/07, 10h26m.
Resumo: hoje, agora há pouco.

Estou no gabinete em silêncio, atrás de mim uma porta fechada, a que dá para sala de tv. À minha direita, uns três metros me separam da outra, esta a que leva ao corredor onde trafegam pessoas, um vento glacial companheiro do inverno, e, vez por outra, uns desses vultos que se dissipam a um simples girar de pescoço em sua direção. Há quem diga ser apenas ilusão de ótica. Creio que em toda casa há mais habitantes que os que sentam à mesa na hora do café. Estou acomodado em minha cadeira, e esta bem poderia ser daquelas giratórias, e bem poderia eu estar ladeado agora por uma secretária balzaquiana com cabelos devidamente presos, uns óculos de armações grossas, e uma indefectível caneta entre lábios.

Resumo: uma cadeira, um clichê e eu!

Diante de mim um laptop ligado. Aqui usamos uma dessas engenhocas práticas e insólitas. Mas o nosso é fixo, não é dado a perambular na sua maleta pelo caos urbano, limita-se a atender aos apelos do nosso caos mental. Abro - e já é automático – o meu arquivo de Word cujo nome é “Improvável” e dou um “ctrl end” para não me distrair com fatos antigos. É ali onde guardo toda e qualquer idéia, palavra solta, poema, texto, e afins. Com a minha doce obrigação da quarta-feira devidamente desenhada começo a digitar. Paro. Antes preciso quebrar levemente o silêncio com uma pequena dose de música. Que tal Eric Clapton? Riding With The King começa a tocar baixinho. Tocando blues esse gênio é um cara!

Bem, hoje quero falar sobre um sonho que tive, e começo:

Lembro-me com clareza de quando a vi pela primeira, e única vez, sentada no velho píer de madeira rústica da marina da Praia Velha. Tinha nos olhos a calma diáfana de quem vagueia por sonhos alheios, contemplava o horizonte como se buscasse verdades na mais ínfima parte daquele mar colossal que à sua frente deitava ondas como o serviçal mais obediente. Dessas ondas respingos lhe chegavam incólumes aos pés, como se implorassem a sua atenção... Paro!

Alguém me interrompe, é Alex, o meu secretário. Este tem o dom de aparecer quando não é chamado, e de sumir quando eu preciso. Trazia nas mãos a Veja dessa semana cuja capa ostenta um Lula pensativo ao lado de uma pergunta muda: “Ele sabia?” nada falou, apenas me olhou com sua cara de cachorro que caiu da mudança, pousou a revista sobre a mesa e saiu.

Resumo: Lula, um dilema, e eu!

O que escrever agora, depois que o sonho escapou-me? De chofre me veio à mente um fato passado, uma frase solta:

“Se partido fosse coisa boa não seria partido, seria inteiro”.

Um trocadilho infame que alguém soltou numa mesa de bar certa vez, mas que se instalou na minha memória qual um desabrigado de um furacão. Nunca mais o esqueci.

Mudei de rumo, e saiu o que segue abaixo:

Eles vêm fazendo história desde o período do Brasil Império, os partidos políticos são hoje inerentes ao estado republicano. Cresceram, tomaram formas distintas entre si, e se transformaram em representantes do pensamento do povo no poder. Na teoria. Uns se firmaram no meio, participaram ativamente de mudanças importantes no país, e seus principais representantes ainda hoje são usados como referências na hora de pedir votos, e aí entram Getúlio, Brizola, Arraes, dentre outros. Há também outras legendas históricas como o atual PFL, que já foi PDS, e que sempre foi situação, posto que até durante o regime militar alguns de seus quadros foram colaboradores sem cerimônia. Atualmente este vive um momento de oposição, ou seja, quando vidraça vira pedra.

Nascido no berço da classe operária, o Partido dos Trabalhadores teve uma ascensão gradativa e sólida no campo político brasileiro, e desde o início pautou sua história na seriedade e na ética. E na esquerda. Virou uma espécie de partido da moda, quando passaram a militar em sua frente grandes nomes da cultura nacional, como atores, cantores, escritores e intelectuais de toda sorte. Seu ícone, um operário de origem pobre cujo único cargo efetivamente político exercido fora o de deputado constituinte, lutou para chegar à Presidência da República e o fez depois de várias derrotas. Era o governo da mudança, que viria acabar com a “inércia” da social democracia do governo anterior, este que carregava a fama de ter “apenas” acabado com a inflação.

Um dia me flagrei usando um broche da estrelinha, e apertando o número 13 na urna eletrônica. Pela seriedade de Suplicy, a voz aguerrida de Heloisa Helena, e a própria história de vida de Lula. Eu estava votando consciente. O PT era um partido confiável, e em meio ao lamaçal político sempre estava à margem. Até que veio um vento e redirecionou a nau, e o partido ético virou vidraça. Chegou ao ápice, ao cerne da lama, e não teve o equilíbrio necessário para não pisá-la. O poder encharcou a bandeira da seriedade, da moralidade, um vendaval entortou seu mastro. Denúncias mil sobre corrupção, propinas, empréstimos escusos e outros afins. Armou-se o balcão, a forma mais sórdida de fazer política, trocaram Marx por Maquiavel.

O caos instalado atualmente serve para justificar a frase que abriu este texto. Minha estrelinha em forma de broche hoje habita o fundo de uma gaveta qualquer, e sem planos de volta ao meu peito. Talvez seja um caso de decepção momentânea, e amanhã, dentro dessa metamorfose que é viver, eu mude de idéia, ou pelo menos consiga desmistificar dentro de mim que o que via no PT era uma ilusão de ótica. Ou seria mera ilusão de ética?

Resumo: Comecei na intenção de contar um sonho. Desisti. E acabei falando sobre um sonho que tive.

Luz e Paz!

terça-feira, julho 12, 2005

Neném...

Toc! Toc!
- Quem é?!
- Neném!
Toc! Toc!
- Quem é?!
- Neném!
Toc! Toc!
- Quem é?!
(Eu, lá pela trigésima vez!)
- Neném! (Ela, minha sobrinha, com o mesmo entusiasmo da primeira...).

Saindo do banho e abrindo a porta...
– Ah! É você, Neném?!

...

Eu quero ter filhos. Pensava em ter quatro. Também pensava em ter o primeiro, não, primeira filha com 15 anos. Pensava desde a época das bonecas e do meu casamento com o Rey, aquele lindinho dos Menudos... Acho que era a fase do “Não se reprima”! Felizmente, anos depois me reprimi e debutante, ainda não transava, já gostava de Nara Leão e sonhava com o príncipe encantado. Bem, nessa fase são tantos os cavalos perdidos que chegam sem seus donos...

- Não, titia, não pode beijar na boca de Mel!

Mel é uma yorkshire de 3 anos (sei lá quantos na idade “cachorral”)...Que como diz minha cunhada, uma pessoinha que finge ser cadela...E a titia, Beatriz, que sem cerimônia, receio ou pré-julgamentos adora fazer carinhos e dar beijinhos naquela quase “gente”. Gosto de observar a inocência vibrante em menos de 1 metro a correr pela casa... a fazer coisas que nós já “desinocentes” insistimos em podar... Inocência ainda viva... Até que se perca...Quando a perdemos? Freudianas fases a revelar?

Não lembro em qual esquina deixei a minha... E estou cada vez mais, burramente com os pés no chão...Pelo menos tentando... Já tenho medo de arriscar sem medidas como antes... São tantos “mas e se...?” Que desaprendi a beijar na boca de cachorro e sair correndo, rindo...

Burramente... Pra mim, sábia era a sensação do gostar despreocupado, do não ter receio de corar ou desejar sem me perguntar sobre o depois... E me entregar ao depois... E só me saber depois... Inconseqüência? Saudades das inconseqüências...

Mas os dias removem a crença... Ou a removemos nós?... A crença nas vastas possibilidades... Nas graduações almejadas... Nas contas bancárias estufadas... Na crença que o outro crer no mesmo que você.

- Tsc! Tsc!!!

Aaaahhh, se meus pés estivessem tão fincados na areia assim, como digo eu por aqui... Seria mais feliz?! Sou eu, feliz?! Sou feliz! Pelo menos, na grande maioria das vezes em que me lembro ser...

Ainda creio nas verdades... Principalmente quando vejo o Nemo capenga, lindo, driblando coloridamente o pai chato e seus desafios, comendo pipoca doce, em pleno domingo, ao ladinho da Neném!




segunda-feira, julho 11, 2005

Meu São João

Só pra constar, este texto não está sendo escrito numa segunda-feira. Esta é, na verdade, uma tarde fria de Sábado de São João. Na condição de "meu primeiro", o texto deveria ser sensacional, denso, ou pelo menos ter muitas referências inteligentes e sarcásticas, além de recursos linguísticos que o tirassem da esfera do lugar-comum literário... Mas no final das contas, isto não é nada além de um relato nostálgico e um tanto desconexo do que vai passando por minha cabeça agora, bem regado a generosas doses do saboroso licor de Cachoeira, cuja garrafa está logo ali ao alcance das mãos.

Ontem foi dia de festa lá na cidade. Nada demais... os rostos de sempre... os cheiros de sempre... as cores de sempre... de fato, um estilo de festa que já não é mais a que eu cresci aprendendo a gostar. Quem, como eu, teve infância vivida no interior, bem sabe que Junho tem mais da quentura boa e convidativa das cozinhas das casas amigas que dos quase-abadás coloridos demais e dos pseudo-forrós de ruas fechadas para quem os possa pagar. Mas quer saber? Em meio a este novo São João, ao qual ainda estou tentando me familiarizar, acabei por ir percebendo algumas coisas danadas de boas. Descobri que nem é assim tão complicado aprender o samba-de-roda (!?) do Recôncavo. Descobri (pra minha imensa felicidade, devo dizer) que ainda consigo me enternecer com ao monte de pequenos bibelôs de penteadeira duma velhinha encarquilhada e quase cega num quartinho humilde, desarrumado e quase sem luz. Aliás, é gostoso visitar casas, e é alentadora a sensação de ser bem recebido em cada uma delas, todas coloridas e geminadas em sua pobreza digna. Aquece o coração da gente.

Ah... mas descobri também que a memória ainda é um pouquinho mais que um sem-número de detalhes práticos da vida diária acumulados, e que a visão e atmosfera certas bem que ainda acendem um mundo de coisas boas (ou de repente, é só mesmo o álcool fazendo efeito). Foi a visão da menina de rosto arredondado, cabelos ondulados e olhar bonito, expressivo e distraído, dançando logo ali, tão "mais uma" entre tantas outras que atiçou tudo, acho... É que fui descobrir ali no meio da chuva, do samba-de-roda e dos potinhos de barro da Feira do Porto as lembranças de minha primeira namorada. E estas, por sua vez, trouxeram as outras num turbilhão. As velhas freiras acizentadas de meu colégio, com suas carteiras de madeira feias, pesadas e riscadas, resquícios de sabe-se lá quantas gerações de pequenos estudantes, em que nos faziam sentar aos pares... Até do aroma dos cabelos da menina que costumava sentar na carteira em frente a mim lembrei. E tinha aquele janelão a minha esquerda, de onde podíamos ver a ponte, e onde eu lembro de passar tanto tempo pensando em tanta bobagem (bobagens que hoje eu daria qualquer coisa pra ter uma idéia de quais eram). E tinha aqueles bonequinhos de plástico horríveis que vendiam lá no armazém cheirando a sabonete Phebo, farinha e café preto forte e bom, que eu sempre comprava cedinho na ida ao colégio. O presépio enorme e iluminado de uma velhinha amiga de minha mãe, que me fazia ficar ansioso durante todo o ano esperando as novidades preparadas para Dezembro. Nosso sotão, que em minha cabeça de menino impressionável fazia barulhos assustadores à noite... E até da pracinha, onde sentávamos a menina de rosto arredondado e eu, e onde ficávamos de mãos dadas depois do colégio, falando-nos tanta bobagem e vendo, com o jeito sonhador que os meninos costumam ter, às vezes o trem, sempre o rio...

E pelo menos agora, enquanto afago a cabeça grande, irrequieta, macia e dengosa de meu rottweiller (o velho amigo King), olho o nada de frente com o resto do que ainda ontem era uma enorme fogueira, e que agora vem em pedacinhos cinza que caem no papel em que escrevo, e no copo em que bebo, e até parece que esta droga de mundo é um lugarzinho onde bem vale viver, no final das contas... Ou pelo menos, vale este pedaço de terra em que estou agora, onde coisas como o tempo tem uma forma toda própria de acontecer, e estou cercado das coisas de que gosto.

Vento frio, solidão, um cão grande, desengonçado e amigo me esquentando os pés, o forrozinho brega cujo som insiste em vir baixinho sabe-se lá de que rádio roufenho da vizinhança (e ora, vejam só! é Norwegian Wood que vem de algum outro canto também!), um litro de qualquer coisa alcoólica que esquente bem por dentro...

Taí... Se algum dia eu tivesse pensado em chegar a envelhecer, ou se o acúmulo de bens estivesse entre meus projetos de vida, acho que os tais bens seriam investidos num pedaço de mundo como este, bem como os anos que me restassem.

domingo, julho 10, 2005

Papel em branco

Eu nasci para ser inquieto. Não consigo ficar parado, falo pelos cotovelos e minhas pernas são muito nervosas. Minhas mãos se mexem como asas enquanto verso sobre os assuntos mais inusitados. Sou assim mesmo, inquieto. Pensamento.

E inquieto sigo olhando para este papel totalmente branco. Ta bom. Na verdade estou olhando para a tela do Word. Mas ela parece um papel branco e isso me deixa inquieto. Papel branco para mim é sinônimo de uma nova possibilidade. Uma música, um poema, ou esse texto sem vergonha que tento escrever.

Agora estou, ao mesmo tempo, ouvindo Cat Stevens, pensando na próxima frase que vai encher mais um pouco dessa lingüiça, escrevendo um relatório e sofrendo um pouquinho (ninguém é de ferro né?).

Gosto de fazer várias coisas ao mesmo tempo. É uma forma de fugir de qualquer verdade. Porque ninguém gosta das verdades que precisa. É mais gostoso ter as verdades de mentira, que são aquelas que a gente conta para a gente mesmo. Fica mais fácil viver assim. E vou seguindo, ouvindo Cat Steven e pensando nas novas frases que aqui estarão. O relatório eu estou deixando que se escreva sozinho, porque tenho até quarta-feira para terminar. Já essa parte de sofrer um pouquinho foi só para ter um quê mais dramático no texto (olha eu de novo contando as verdades que eu prefiro acreditar).

Olha como é fácil! Acabei de escrever mais um parágrafo com absolutamente nada. Acho que esse é um dos meus dons. A capacidade de escrever parágrafos com absolutamente nada. Se isso desse dinheiro, eu estaria seguramente rico. Meus textos são como uma folha de papel em branco. Mas, ao contrário do outro, me dá tranqüilidade, porque tem um monte de letrinhas. E um monte de letrinhas poderiam ser uma música, um poema, ou esse texto sem vergonha que acabei de escrever.

sábado, julho 09, 2005

Pequenas Histórias

Quarta-feira, 06/07/05. 15:00h
Cansada, muito cansada.
Resolvo vasculhar o Orkut.
Descubro que meu ex, o grande amor da minha vida (pelo menos até agora) está namorando alguém.
Normal. Namoramos três anos. Terminamos (terminei) há quase três. Sempre desejei que ele fosse muito feliz, mas isso só é fácil na teoria.
Senti um soco no estômago. Sob meus pés, o chão sumiu. E quando tanto precisei de um abraço amigo (cadê você, Márcio???) não vi ninguém ao meu lado. Restou-me escrever.

Em algum lugar do passado...
Tinha quase seis anos de idade quando meu pai chegou do trabalho com uma novidade. Disse que havia pedido transferência. Eu não havia entendido.
-Vamos nos mudar no próximo mês, disse ele.
A ficha caiu. Como? Onde? Quando? Por quê?
- Eu não quero ir!
Choro. Choro muito. Minha vida estava naquela cidade.
Todas as pessoas que conhecia, todos os que amava.
Meus amigos. Minha escola. Minhas lembranças.
O primeiro livro que li. O primeiro gibi que ganhei.
A catapora.
O primeiro grande amigo.
A primeira grande queda (tentando escalar uma estante de aço pra descobrir o que tinha na última prateleira).
Minha vida acabou aos seis anos de idade. Pelo menos era o que eu pensava na época.

1995, 3º ano do 2º grau.
Apaixonei-me por um professor de química. Fiz vestibular no mesmo ano. Passei. Engenharia Química, 1º semestre, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

1997, 2º ano de faculdade.
Apaixonei-me por um (outro) professor de química. Decidi que queria estudar catálise heterogênea. Mestrado. Doutorado. E tudo mais.

2004.
Não me apaixonei por ninguém. Mestrado em Eng. Química na área de alimentos.

Outubro de 1999.
Apaixonei-me por um engenheiro eletricista. Nadávamos juntos até o primeiro beijo. Depois disso ninguém mais nadou. Amei. Fui amada.

2001-2002.
Salvador-Bahia. Fibromialgia. Depressão. Síndrome do pânico. Fim.

Segunda-feira, 26/06/05. 15:40h.
Cine Natal 2. Batman Begins.
“E por que nós caímos, Bruce?
Pra aprendermos a levantar.”


E agora, de volta ao começo: Quarta-feira, 06/07/05. 15:00h
Por que tudo isso? Por que tantas histórias?

Porque é assim que sou. Intensa. Exagerada nas emoções. Nas ações e reações. Passional. Choro muito. Rio mais ainda. Transparente. Acima de tudo sou transparente. Sou apaixonada sempre. Por alguém, por alguma coisa. Por uma música (Something-Beatles no momento).

Meu psicólogo afirmou que eu fiz Engenharia (totalmente lógica, racional, exata) pra tentar equilibrar minhas paixões. Meu lado instintivo, animal. Não funcionou.

Mas não é pra pensarem que eu sou triste. Isso não é verdade. Melancólica, sim. Nostálgica? Talvez. Momentos bons. Momentos ruins. Horas de choro, isolamento profundo. Horas de alegria, gargalhadas altas na madrugada (alta). Sou muitas.

Uma amiga (especialista em perfumes) perguntou-me os meus preferidos. São dois, respondi. De uma mesma linha – Floratta in Blue, Floratta in Gold.

-Engraçado, comenta. Não é comum gostar de ambos. De um e de outro sim. Mas eles são de estilos tão diferentes...

Respondo:
- Eu sei. Mas eu também sou assim. Sou diversas. Sou várias. Um dia, uma. Um dia, outra. Sou tantas que apenas dois perfumes não me representam o suficiente.

É isso. Uma metamorfose. Sentimentos muitos (nem sempre mútuos). Mas sempre as paixões. Nem sempre as mesmas paixões. Mas sempre PAIXÃO.

Complicado? Talvez. Mas bastam duas horas comigo (ou uma pequena crônica) e você vai me conhecer pra sempre.

quinta-feira, julho 07, 2005

Baiano na área - se derrubar é pênalti!

"Desculpa aê, papá... desculpa aê, papá
A minha mãe me ensinou
Que a pessoa tem que ser modesta
Desculpa aê, papá... desculpa aê, papá
Desculpa aê
Mas quando eu chego é que rola a festa"

(Brincadeira. Com o tempo, se houver, vão confirmar que isso não é sério.)


Estou me sentindo como um zagueiro no ataque. A bola está vindo redondinha e eu, livre e de cara com o gol, vou fazer alguma braga. Não se enganem – sei do que estou falando – sou zagueiro. (e faço as bragas)
Mas já que a bola veio...

Apesar de conhecer a pessoa em questão muito bem, já que sou eu, traduzir em palavras me parece impossível. Sempre que tenho um campo tipo "escreva sobre você", orkut, gazzag, blog, mando um "pois é".
Pois é. Aqui vou tentar. Seria chato da minha parte não fazê-lo, como já está sendo chata toda essa enrolação aqui.

Brasileiro, baiano, soteropolitano, nascido no Espanhol, bem a tempo para o almoço do dia vinte e cinco de outubro de 1980. E nesses anos tive o prazer de morar em Salvador, Itaíba, Brasília, Vitória da Conquista, Lauro de Freitas e Salvador, de novo. Sinto que meu lugar é aqui. Minha personalidade é em grande parte moldada nas fôrmas da cidade.
Meu dominó começa com bucha de ás.
Meu acarajé tem que ter gosto de acarajé.
O calor que eu quero vem acompanhado de vento, e não abafa.
É o melhor clima para tomar minha cervejinha.
E o gosto manjado do pôr-do-sol no porto da barra nunca me parece por completo conhecido.
Outras paisagens são sempre grandes experiências, mas quando penso nelas não sinto o conforto daqui. Ou como diz um grande baiano, "O melhor é o mar do mundo / De um certo ponto de vista / De onde só se avista o mar / E a ilha de Itaparica"
Eu sou um menino crescido. Me divirto com coisas simples. Cerveja prestes a congelar, em quantidades estúpidas. De preferência, a boa. Carlton vermelho, o segundo se acende no primeiro, acompanhando a cerveja. Qualquer hora. Praia ensolarada, galera animada, dominó, futebol, Fórmula 1. Sorrisos sinceros, papo tranqüilo. Meu maior vício é mulher. Meu ponto fraco... (...)
Mas eu também sou um homem (não sem fazer uma certa força). Os percalços no caminho já me ensinaram alguma coisa, e tenho estabelecidos os termos de como me defender nesse mundo brabo.
Por outras e essas, tenho meu trabalho estável, e não largo minha faculdade, mas também não levo pra frente... E me preocupo com isso.
Não sei mais muito o que dizer. Teria inúmeros detalhes representativos, mas que deixariam tudo muito vago. Desde o jeito de chamar meu irmão de moleque, meu humor inconveniente, até minha música, dança, sexo, drogas e obsessões.
Acredito que esse conceito de ser, na forma que é focado, envolve muitos fatores transitórios, e não necessariamente reflete fundamentos imutáveis da personalidade em questão.
Não que eu não ache que existem bases sólidas no âmago dos valores, conceitos e comportamentos de cada um. Acho. Mas paradigmas são quebrados a cada dia, com a dificuldade que lhes é proporcional.
Daí que vai focado desse mesmo jeito, mas não admito como algo necessariamente correto, muito menos permanente. Não penso duas vezes antes de contradizer ou subverter, embora acredite que não vá acontecer muito.
E concluindo...
Onde é que eu fui amarrar meu jegue?
Se tem alguém lendo que me conheça há tempo, e tenha lido os textos de até então, deve estar dando risada.
Todo mundo aqui tem blogues de poesia, lê muito, entende as referências de Saint Exupéry a Kant. Eu já me lembro de, no meu blogue, ter citado o tio Ben, de Peter Parker, e escrito piadas de macaco.
Adaptando uma comparação adequada que já ouvi por aí: um fermentado (barato) e sete destilados.
Ah, Marina... só matando. :)
(Vamos que vamos! Prazer!)

[]´s

quarta-feira, julho 06, 2005

Verba Volant Scripta Manent

Leitoras e Leitores, atenção, não tirem as crianças da sala!! O Blog Expressões Digitais tem a coragem de vos apresentar... (tambores rufando), um cidadão... (aplausos) ...ele é... (aplausos abafando a voz do apresentador) ...mais um parti... (aplausos) ...cipante...

...cinco minutos depois, silêncio total...

Muito obrigado, muito obrigado, não era para tanto... (meio sem jeito)...

Caros amigos! Cá estou como humilde escultor de letras e palavras, e muito grato pelo convite. Espero contribuir de alguma maneira para o bom funcionamento deste canal de comunicação. Para tal, antes de mais nada, quero me apresentar:

Fui registrado num cartório cujo juiz se chamava Múcio, em tempos idos, bons tempos em que juizes..., deixa pra lá! Daí vem meu nome. Sou um pernambucano desnaturado, pois moro em Maceió há algum tempo, e aqui, quando se bebe da água... Estou de passagem nesse plano por um período não determinado, e aí já se vão 36 anos, e com muito afã, quero muito mais. Não tenho formação acadêmica, mas já sou calejado pelas dores e odores dessa vida. Faz 14 anos que entrei para as estatísticas das pessoas portadoras de deficiência, depois de um acidente automobilístico, leia-se: bebi demais, porém menos que o colega que me acompanhava, deixei-o dirigir, reclinei o banco do carona, e não coloquei o cinto, (não tentem fazer isso em casa!).

Gosto de escrever, e me arrisco qual um navegador temerário nos mares da poesia, e assim como agora, também no campo das crônicas. Gosto de rir tanto quanto de chorar, sou puto com injustiças de todo tipo, sacanagens políticas e afins (mas quem não é?). Já quis ser bombeiro, já fui soldado do exército, e vejam o contraste, pois eu queria ter vivido os anos de chumbo, queria ter sido exilado no Chile, mas não torturado, claro! Queria ter sido um ativista político, um marxista-leninista, um guerrilheiro, coisas do gênero. Não deu. Cheguei em 69, e quando completei 10 anos a abertura já era a retórica da hora, meno male. Ah, também quis ser palhaço, e sempre saía do circo resmungando que jamais iria crescer, só para poder voltar sempre. E aquele menino insiste em me acompanhar...

Já fumei, já bebi mais. Hoje só fumo se a ocasião etílica for empolgante. Bebo eventualmente, e algumas vezes, conjugo o verbo em todas as formas, embora termine no gerúndio de outros verbos, como “vomi..., cair e dormir”, necessariamente nessa ordem. Reunir amigos para conversar faz muito bem à alma, bebendo ou não.

Prefiro a batida de um blues à confusão melódica do jazz; pífanos e rabecas; e toda manifestação cultural nordestina (a que conheço), maracatus e cirandas; Chicos, Ottos, Ambrosios e Lenines; enfim, música brasileira na mais perfeita acepção da palavra.

Assim sendo, acho que já deu para se formar uma idéia a respeito deste escultor que vos escreve, e o mais vai se revelando a cada quarta-feira.
É..., a conversa está boa, mas é preciso justificar o título acima. Então, como eu sempre que mato a cobra mostro o pau - com a devida autorização do Ibama – aqui vai:


Numa sala de aula, primeiro período de Direito, alunos recém-saídos do ensino fundamental, conversas paralelas, e um mundo de questionamentos absurdos. Dita o professor a matéria, uma pausa, um comentário, uma dica aqui, um toque acolá, eis que surge no fundão a indefectível dúvida:

“Professor, é pra copiar?!”

“Verba volant scripta manent”, grita o mestre.

Pronto. Instalou-se o dilema:

“Verba o que?!”, soltaram.

“Verba volant scripta manent”, repetiu.

“Sim, mas, é..., traduza!”, pediu alguém.

“As palavras voam, escritos permanecem, fiat lux!” Completou.

Mas por que fez isso? Instalou-se o pânico. Trocou seis por meia dúzia, o caro mestre. Murmurinhos, e tentativas de decifrar a incógnita frase, até que uma alma salvadora, dessas que povoam ambientes insólitos, grita lá trás:

“Fez-se a luz! Vi isso numa caixa de fósforos”, entre risadas.

“Ahhhh”, com tom de alivio.


Assim sendo, que nossos escritos permaneçam.

Luz e Paz!

terça-feira, julho 05, 2005

O que posso falar, além do que diz essa minha cara?!

...

Nada agora...
Logo mais estarei aqui...
Sem falta...
Sem me fazer falta...
Sem faltar com vocês...
Logo mais!

.............................................................................................

O que posso falar, além do que diz essa minha cara?
...

Ainda não tenho rugas... Tenho sinais... Quatro negros e pequenos pontos habitando meu queixo a mais tempo do que consigo lembrar...

E tenho medo... menos desta confissão! Tenho medo dos fantasmas que crio, que me podam, que me atropelam... que congelam minhas vontades ou que me forçam ao remendo. O remendar do erro... das tentativas frustradas... o remendo que aumenta a nódoa...

- Hã?!

- Peeera!!!

Pow! Splat! Aaaaaiiiii !!!!

Estou há 45 min. de casa, às 19:34, aproveitando o micro do trabalho, enquanto o meu resolveu dar pau, altamente ressaquiado e ainda tenho que presenciar meu lado introspectivo, down, chato, brigar com o meu lado “deixa a vida me levar?!”

Tudo bem, os medos são verdadeiros mesmo...Existem e me paralisam algumas vezes. Talvez esteja sentindo as vibrações balzaquianas, talvez a minha Polyanna tenha aprendido a ficar descontente, talvez... Mas nem tenho tempo pra descobri-los agora.

Aliás, a falta de tempo tem me reconfortado ultimamente, já sei pra que serve aquele cubinho de papel escrito meu nome... Mesmo que por alguns momentos deseje cair nos braços do ócio... Só pelo prazer do nada... Da bunda pra cima... Do despreocupado balançar dos pensamentos, das lembranças...

Gosto de ter do que lembrar... gosto do fantasiar... do acreditar que as minhas insanas verdades são as certas... do sonhar... dormindo, acordada, ou olhando o menino que me interessa...

... de cantar molhada, debaixo do chuveiro frio ou quente, pela rua, em roda de violão... minha música... minha terapia...

... de ouvir “aquele” cd, comparsa do amasso no carro...

... de ser amante do romantismo, ao qual estou condenada...

... de rejeitar mudanças e ainda assim desejá-las...

...de descobrir sorrisos enfim...em todos... em mim!

...

O que posso falar, além do que diz essa minha cara?!

Que texto é esse? Alguém tem um chocolate pra mim? Será que ainda tem ônibus?!

domingo, julho 03, 2005

Semana de Apresentação

1, 2, 3. Testando (batidas leves no microfone)...

Coube a mim o primeiro post. Mais um blog entra no mundo virtual. Novas idéias e novas pessoas embarcam nesta aventura. Somos 8 ao todo. Um para cada dia da semana e André, criador do layout e correspondente intergaláctico do nosso Blog.

Esse é meu primeiro registro aqui no “Expressões Digitais”. Ta certo. Preciso admitir que depois de meia garrafa de vinho chique e forte, não passo mais no teste do bafômetro. Mas ainda, com condições etílicas para pensar, brincarei com o nome do Blog.

De acordo com o pai dos burros, “Expressão” quer dizer: s. f. 1. Ato ou efeito de exprimir. 2. Ato ou efeito de espremer. 3. Manifestação do pensamento. 4. Maneira de exteriorizar pensamentos, comoções e sentimentos.

Já “Digital” é algo do tipo: adj. m. e f. 1 Relativo aos dedos. 2 Relativo a dígito. Não gostei muito dessa definição, porque neste caso o digital é relativo a computador. Mas isso não vem ao caso.

Juntando os nomes a gente pode definir a nossa “expressão digital”: Pensamentos espremidos com nossos dedos, como cravos ou espinhas, no mundo virtual, com um toque de sentimento.

Agora fiquem com meu post de apresentação!


Uma história sobre Deus, o Diabo e Eu

Eu moro numa rua poética. O bairro é do tempo do rococó, o que me deixa muito feliz, porque eu gosto de rococós e essas frescuras que deixam as cidades mais bonitas. Pelo menos deixavam. Hoje em dia tudo é vidro espelhado e concreto. Acabaram com os detalhes e com a poesia das cidades.

Na rua onde moro tem poesia no chão – paralelepípedo (eu sempre achei que essa era a forma errada de falar...). Tem um forte com mais de 200 anos e casarões coloniais. Sempre que piso em uma das pedras, penso que algum herói da nossa história também já andou por ali. Gosto de pisar na história.

Penso em quantos escravos derramaram sangue nas ruas onde hoje me divirto. Ou quantos homens se divertiram com suas mulheres de vida fácil nos becos em que, aos poucos, diminuo minhas horas.

Gosto da poesia da vida antiga. Da educação e da cordialidade que perdemos ao longo dos anos. Gosto da música antiga, das roupas de época. Se existir reencarnação, seguramente vivi em uma época próxima e minh’alma ainda está muito ligada ao mundo em que pertenceu. Até porque o mundo de hoje não é como o de antigamente.

Gosto da noite, gosto da boemia. Gosto de ver o momento em que as estrelas saem para trabalhar e quando elas voltam para casa, para descansar com suas famílias. Gosto de bebida com álcool. Gosto de cigarros Hollywood. Gosto de rock and roll e gosto de chorinho. Gosto de jazz e de samba. Gosto de blues e de bossa nova.

A bebida e o cigarro são prazeres do diabo. Porque quando Eles fizeram a divisão, tudo que era do homem ficou com o Diabo. Deus só ficou com as coisas d’alma. A música é coisa de Deus. Pelo menos para mim, que tenho a música como alimento da minha.

Eu acho que é por isso que dizem que o bem e o mal andam de mãos dadas. Eu não consigo dissociar a bebida, o cigarro, a música e a noite. São elementos de Deus e do Diabo, mas geralmente ando com eles, misturados com a poesia e com meus pensamentos defumados.

E é escondido nessa fumaça cinza que me revelo. Uma mistura de Deus e Diabo. Alma e carne. Oração e profanação.

E na minha rua, cheia de poesia, com suas pedras históricas e casarões seculares, vou me concluindo. E junto comigo uma garrafa de vinho chique e pretensioso.