quinta-feira, dezembro 29, 2005

Esbórnia.

O relógio se aproximava de dez da noite e nada do Cláudio.

- Porra, Marcão! Vamo sem ele! Cê não disse que dez horas era o limite pra gente chegar pro almoço na ilha?
- Sem o Cláudio não dá!
- Como não dá, rapaz? Faz a contagem aí! Tem oito mulheres na lancha, e quatro homens! Pra que é que a gente precisa do Cláudio mais, aqui? Duas pra um já tá numa proporção boa...

Lôro e Valmir conversavam e fumavam um cigarro a estibordo, apoiados no casco, olhando pro cais.

- Que nêga, rapaz...
- Sensacional!
- Gostosíssima!
- Vamo lá, Lôro?
- Bora!

Pularam para o cais, no que Valmir se deteve.

- Marcão! Qual é o nome dessa nega que trabalha no barquinho de transporte, aqui?
- Por quê?
- Diz logo aí, rapá! A gente tá querendo bater um papo com ela!
- Rapaz, o nome é Lene. Mas nem adianta, que eu já convidei pra passear de lancha várias vezes e nada.
- Mas dessa vez quem vai falar com ela é o Valmir, aqui, porra!
- Há!

O Léo continuava brigando com o celular, e nada do Cláudio atender. As meninas, na popa, começavam a reclamar.

- Êê!! Essa banheira sai ou não sai!?
- Marcão! Você é marcha lenta em tudo assim?
- Lia! Deixe disso que você conhece minha marcha de tempos, já...

E o Léo também não se conformava.

- Pô bicho! Porquê diabos a gente não pode sair sem o Cláudio?
- O Cláudio tá trazendo uns bagulhos?
- Bagulhos?
- Importantes...

Lôro e Valmir se aproximam das meninas e apresentam Lene. Largam ela conversando e se aproximam de Léo e Marcão.

- Te falei, rapá? A negona tá ali no bolo, já?
- Trouxeram, bicho? Porra! Como é que foi isso?
- Moleza, porra! O Lôro me atrapalhou um p...
- Atrapalhei o quê? Cê é viado, é? A mulher já olhou pra mim e sorriu!
- Sorriu não, Lôro! Deu risada! Que porra é aquele biquinho que você faz quando vai falar com mulher, porra!
- É charme. Você quase não disse nada, porra! Como é que quer dizer que foi você que convenceu ela?
- Nada... foi seu biquinho.
- Foi o biquinho!
- Porra, Lôro! Biquinho??

Léo chama Valmir no canto.

- Valmir! Sabe pilotar essa porra?
- Mais ou menos.
- Então faz o seguinte: vou dar um jeito de distrair o Marcão, cê dá partida no barco e a gente vai indo, que Cláudio não vem mais, a essa hora.
- Beleza.

Arregimenta Luana, uma morena com traços de índia, vinte aninhos, e Vivi, uma paulista com o sorriso mais sacana que ele já conheceu. Dá a missão - "é só levar pro quarto e manter ele lá."
Viviana sorri.

- Fácil...

Marcão, inocente, conversa com Lôro na cabine.

- E aí, Marcão? Como era o nome mesmo da menina lésbica? Conseguiu combinar? Ela tá aí?
- Ô, rapaz. Era a Paulinha. Mas não deu certo - o abestalhado do Valmir estragou tudo.
- Como?
- Dei o telefone para ele, para ele convidar. Aí ele já largou de cara: "Paula, tudo bom? Valmir! Lembra de mim? A gente tá marcando UMA SURUBINHA na lancha do Marcos..."
- Háhá! Aí foi!

As duas chegam e buscam Marcão. Pedem para ver uma coisa no quarto, que elas não estão entendendo como funciona.
Lôro se anima, busca duas amigas, e vai para outro quarto. Léo ainda ajuda Valmir a dar partida na lancha, e busca duas para si. Ocupa o terceiro quarto.
Sobram, lá fora, Lene, Janaína e Léa. Léa, meio desenturmada, toma uma atitude.

- Vou ficar ali com o Valmir.

Lene e Janaína, que se deram bem de princípio, estão empolgadas em se conhecer.

- Ah... e noite de ano novo eu gosto de fazer loucuras!
- Então essa não vai ser diferente!
- É? E qual a loucura que a gente vai fazer?

Uns minutos depois, Cláudio chega no cais e vê o barco à deriva, a uns vinte ou trinta metros. Em cima dele, Lene e Janaína, seminuas, se beijam. Nem pensa.
Alguns minutos depois está subindo a escadinha do barco, todo molhado, tremendo de frio. Entra na cabine e vê, no chão, o Valmir e a Léa.

- Caralho, Valmir! Não pedi pra vocês esperarem? Cadê o Marcão?

Dá uma olhada melhor e lembra.

- Ah, sim. E boa noite, moça.

Vira o barco de volta ao cais, e sai batendo nas portas dos quartos.

- Todo mundo vestido de novo, aí! Eu consegui trazer a Paulinha, mas tive que convencer que não ia ser suruba não!
- Ô, Cláudio! Mas vai ser suruba pô!
- É! Eu sei! Mas deixa pelo menos a menina tomar um espumantezinho antes, para relaxar...
- Trouxe os bagulhos?
- Tão lá no cais...

No cais, Paulinha, morena, que o que tinha de baixinha tinha de estonteante, sobe no barco com seu jeito meio tímido, e com aquelas bochechinhas carnudas num sorriso mal contido.

- Boa noooite genteee!
- Oi! Você deve ser a Paula! Encantado! Sou seu xará! Meu nome é Paulo, mas o pessoal me chama de Lôro!

Valmir não agüenta:

- Ô Lôro!
- Oi?
- Sem biquinho, porra! Esse biquinho não!

De longe, na televisão do quarto principal, o Faustão começa a contagem regressiva.

[]´s

(Feliz ano novo, galera! E se alguma leitora ainda não souber o que vai fazer, eu devo passar num barco de um amigo meu, e tá sobrando espaço. Esquema família, naturalmente... :)

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Cem comentários!


Não sei por que cargas d´água, o meu distinto computador decidiu, sem me comunicar, não mais efetuar comentários nos blogs do blogspot. Não apenas isto, pois, como proprietário de dois desses, também fui impedido de ler os “comments” deixados por lá. Não é problema de pop-ups, posto que noutro site o recurso funciona. E assim, entre duas paixões (mulheres e música), fui obrigado a abrir mão de uma, pois fiquei com o direito aos pop-ups da Radio Uol, em detrimento dos da Revista Sexy, onde podia visualizar as modelo-atrizes da hora em mínimos trajes, ou, sem; sabe-se bem, stress, dia a dia, e outros clichês... Portanto, como nem tudo está perdido, poderia efetuar/ler indo até uma lan house, coisa que para um usuário de cadeira de rodas é simples, rápido, e nada perigoso, morando este numa via expressa. Com o passar dos dias, e uma angústia me batendo à face, resolvi matar dois coelhos com uma caixa d´água só, e, comentar a cerca dos últimos posts com um texto.

Antes, é inevitável, mas preciso lamentar o sumiço de alguns companheiros de viagens literárias. Num breve retrospecto, vê-se que desde o 1º escrito, quando nos empolgávamos via msn, todos marcavam presença no dia tal. Com o decorrer do tempo vieram as faltas, mas, enfim, natural num grupo em que nem todos cultuam o ócio, como eu. Saudades da menina Ercília com seu banho poético dos sábados; Patati Patatá com Sandretes e afins; o André com sua poesia mambembe.
Baiano, Léo, Vinícius, Mary, estes sempre ativos. Eu quando não tenho como encher minhas lingüiças, o faço com apoio de alguém muito melhor, claro. E assim foi que o Orkut nos proporcionou um grande encontro, e que um dia, ainda se vai materializar.


Sobre o texto-reportagem de Léo, nota-se que ele saca muuuuito de informática, e bem podia me ajudar com o caso dos pop-ups, estou aguardando a continuação, meu caro. A você um feliz ano novo, e que palavras e idéias novas lhe venham com a simplicidade do vento. []´s


O grande Vini soltou um grito entalado nas goelas sensatas, porém, sem força para tal. Pois, faz tempo que o natal é comercial, e essa de “espírito natalino” já devia ter sido incorporada ao trivial faz tempo. Um ano criativo para você, amigo! []´s


Baiano, quando escuto/leio a expressão “ou não!”, é inevitável pensar em Caetano, enfim, dia de não é tão comum por aqui, que não sei não. Que 2006 lhe seja um ano de “sins”, positividade, já! []´s


Ercília, André, Pá, Má, queridos meus, que novas janelas se abram para dar passagem às palavras mágicas que embalam nosso convívio, distante mas, tão palpável. []´s



terça-feira, dezembro 27, 2005

E que seja...

clique na imagem!


E que seja sempre necessária toda e qualquer data, todo e qualquer motivo,
que nos traga à vida, aos atos e à memória, o real sentido de Amor e Paz.
Cheiros para todos!
Patricia

segunda-feira, dezembro 26, 2005

São Paulo - 24/12/2005 - 14h00

Foram presos ontem, por volta das 3 da manhã em suas casas, graças a uma ação conjunta das polícias de vários estados, 5 adolescentes envolvidos em crimes virtuais. Outros 7 ainda estão foragidos, mas deverão ser presos nas próximas horas. Aquele que parece ser o líder do grupo cracker, conhecido no submundo como "j3suZ", assumiu a culpa pelos crimes de invasão, defacement e manipulação/destruição de dados, tentando inocentar seus amigos. A mega-corporação "Micro-Morning-Star-Soft", alvo do ataque, não se manifestou ainda sobre o ocorrido. O grupo, conhecido como "Apostles of Doom", vinha sendo um dos mais atuantes dos últimos anos.

j3suZ aproveitou-se de falhas em determinados serviços, e utilizando-se de um exploit desenvolvido por ele mesmo, iniciou há algumas semanas um ataque a 2 dos maiores e - até então - mais seguros servidores da Micro-Soft. Os crackers, desenvolvendo um bom trabalho de equipe, já haviam conseguido entrar nos servidores e a partir deles, sem ter sido notados, já haviam ownado pelo menos 3 máquinas de vital importância dentro da estrutura da empresa, inclusive várias bases de dados, nas quais haviam feito grande estrago. O interessante é que em momento algum suas ações foram percebidas pelo pessoal responsável pela segurança de rede da Micro-Morning-Star-Soft. j3suZ e seus parceiros foram pegos somente porque um dos integrantes do grupo, conhecido como JhudasH (também detido posteriormente), descontente, resolveu delatá-los.

j3suZ - cujo nome não será divulgado por tratar-se de menor - tem 17 anos e é filho de classe média-baixa de um subúrbio paulistano. Usou computador pela primeira vez aos 10 anos, numa aula de extensão de informática. 6 meses depois já invadia o sistema do colégio, adulterando suas notas e de mais alguns colegas. Formou o 'Apostles of Doom' com mais 12 amigos recrutados em canais de IRC. Todos jovens e habilidosos programadores, muito criativos na arte da invasão de sistemas. P3truZ, o segundo em comando no grupo por exemplo, é excelente desenvolvedor C, e foram atribuídas a ele pelo menos 10 ataques de defacements a sites de grandes empresas no ano passado. Sempre teve muita admiração - tanto técnica quanto pessoal - por j3suZ, e o que se comenta é que sempre almejou a liderança de grupo.

Um dos primeiros grandes ataques conduzidos pelo grupo, e que acabou por torná-lo famoso, ocorreu há quase 3 anos e teve como consequência deixar a Micro-Morning-Star-Soft por um dia inteiro fora do ar. Aliás, j3suZ sempre teve como idéia fixa a derrubada da empresa, e nunca negou isso em nenhuma das metafóricas declarações que dava com razoável frequência em veículos de divulgação de cultura underground, e chamados romanticamente de "os sermões de j3suZ". Este ataque em particular ficou famoso - além dos motivos óbvios da derrubada da maior empresa de desenvolvimento de software do mercado - por ter sido planejado e conduzido em sua maior parte por Madalena Santos, 18 anos (a "Mad_Mary"), cracker habilidosíssima, e segundo consta, favorita de j3suZ. Segundo depoimento de fonte anônima, os dois (que nunca chegaram a se encontrar pessoalmente) tinham um relacionamento estranho de amor/ódio que já durava meses. Madalena mora em Salvador com os pais, num confortável apartamento no centro da cidade, e demonstrou desde muito cedo habilidade com tecnologia em geral, além de dificuldade nas relações sociais. Era a principal responsável pelo planejamento e logística dos ataques do grupo, e ainda segundo a mesma fonte, causa de ciúmes de p3truZ, já que vários dos outros membros viam nela uma fonte de inspiração.

Um fato interessante na vida de j3suZ é que na época de seu primeiro grande ataque à Micro-Morning-Star-Soft ele foi sondado por headhunters da própria empresa, que conseguiram fazer contato num canal de IRC. Apesar de negado por sua acessoria de imprensa, soubemos que por cerca de 40 dias foram feitas várias propostas financeiras tentadoras com o intuito de levá-lo para seu quadro de funcionários. j3suZ não aceitou nenhuma. Vale lembrar que a Micro-Morning-Star-Soft sempre esteve envolvida em boatos de comportamento anti-ético e tentativa de formação de monopólio, sobre os quais alertava j3suZ em seus 'sermões'. Uma de suas principais técnicas é a absorção de tecnologia e mão-de-obra concorrente.

Com o desmantelamento do carismático grupo, e com a falta de provas contra os outros acusados (apesar da batida na casa de alguns e posterior prisão, a polícia não conseguiu ainda encontrar provas com nenhum deles), além da atitude de j3suZ de assumir toda a culpa do crime sozinho, é provável que os apóstolos detidos sejam liberados sob fiança. Já se nota certa comoção nos meios underground e pelo visto é certa continuação do grupo, sob a tutela intelectual de p3truZ (ainda que haja facção que siga Mad_Mary, que se auto-intitulou "Dev0t0s de Maria").

Mais notícias na edição de amanhã

domingo, dezembro 25, 2005

E então é Natal. O que você fez?

Com essa frase Simone começa estragando uma bela canção do Lennon. Não sei se é benção ou castigo, mas a cronologia me escolheu para escrever o post de Natal. Justo eu que adoro tanto a hipocrisia e o consumismo, as grandes marcas dessa data.

Nossa sociedade blá blá blá. Natal é um saco porque você se vê compelido a estar com sua família, goste deles ou não. Caso você não tenha família você é obrigado a ser um pobre coitado. Todo mundo é pego pelo espírito de natal. E você vê uma legião de caridosos prontos para trocar suas fartas ceias por uma noite feliz de verdade, fazendo caridade de verdade para quem precisa (rá rá rá).

E o que falar do consumismo, da obrigação de dar presentes, de se endividar e depois não ter como pagar? O natal de fato se transformou numa festa idiota e absolutamente desnecessária. O verdadeiro sentido, que é o nascimento de Cristo não pode mais ser celebrado, já que hoje em dia dizem que ele nasceu em abril ou maio. Então qual é a razão disso tudo?

Eu não vou tentar responder perguntas, até porque o Valium 10mg já está fazendo efeito faz alguns minutos e qualquer tentativa de refletir com um pouco mais de neurônios seguramente será desastrosa, especialmente porque o monitor possui vida própria e não pára em frente a mim.

Que seja, hoje é um dia desnecessário, com uma celebração desnecessária. Quer ser bom? Seja bom todo dia, porque isso não faz mal a ninguém. Quem quer fazer caridade e estar com a família não precisa de um motivo, uma data ou qualquer simbologia. Porque aqueles que se amam sempre arrumam uma maneira de estar juntos. Os outros encontram desculpas para estarem juntos apenas uma vez por ano.

Quer fazer caridade? Tire vinte ou trinta reais, menos se for o caso, todo mês e faça uma doação para uma instituição. Não tenha vergonha. Eu não sei por que, mas o brasileiro tem vergonha de fazer caridade pequena. Porque se é para doar 5 ou 10 reais, melhor gastar isso de cachaça. Se você quer ser bom, tenha a bondade em seu coração e não se preocupe com o tamanho do seu gesto, mas sim com aquilo que você tem em seu coração.

E bom natal pra todo mundo (com valium e tudo o mais)

quarta-feira, dezembro 21, 2005

"Eu nunca saio..."

Segunda-feira, 7:30h

Um dia indigesto num horário mais intragável ainda. Eis que na pequena cabine de controle do fluxo de carros e pedestres de um prédio à beira-mar, ecoa a música estridente de um aparato tecnológico desprovido de fiação. A educação rigorosa de Josué, o porteiro, não permitia que o mesmo atendesse um aparelho que não o seu, mas, aquela musiquinha insistente, já na quarta chamada seguida...

“Alô?”

“Alô!!!, quem está falando aí?! Quem é o senhor?!”

“Danou-se!!, calma, minha senhora! Que aperreio danado!!”

“Ah já sei!, é seqüestro, né? O senhor é o seqüestrador!
Pelamordedeus, devolva minha filhinha, seu moço, devolva!”

“Tô dizendo!... esse mundo pirou! Que seqüestro? Quem é a senhora pra me acusar assim?”

“Eu perguntei antes, quem é o senhor?”

“Ih dona, pergunta difícil, essa! Nunca sei quem sou, e acho que ninguém sabe. Ontem mesmo eu queria ser aquele da barbichinha lá, o Biu Laden, só pra matar todo o meu time, vixi, depois daquela surra! Mas hoje...”

“Nãooo!!!, filosofia, agora não!”

“Por favor, dona, não me interrompa!, detesto isso. Mas, como ia dizendo, não sei quem sou... Talvez, eu seja a senhora amanhã, ou, fui a senhora ontem, enfim...”

“Por favor, diga o seu nome!!!” (aos berros)

“Ahhhh, agora é mais simples... Fui batizado com um nome bíblico, por serem evangélicos os meus pais, daí, ficou Josué, pronto, me chamam Josué.”
“Afff... Seu Josué, o que o senhor faz, onde o senhor está, como achou esse celular aí?”

“Calma, dona!, a senhora fala muito, vixi! Vamos por partes! Eu sou controlador de fluxo de automóveis e pedestres num prédio à beira-mar.”

“Ah o porteiro...”

“Cheguei para trabalhar e meu antecessor falou que uma morena bonita, alta, cabelos longos, olhos puxados, com um sinal acima do lábio superior, havia esquecido este aparato aqui. A mesma chegou às 4 da manhã, num estado etílico bastante alterado, em companhia de uma moradora, também morena, mais baixa que ela, muito bonita, cujo nome vem de origem árabe, ou russa... Samia... Samira...”

“Samara!!!”

“É a mocinha do sexto and... alô? Alôôô?? Voti, que educação! Desligou na minha cara!”


Segunda-feira, 8:00h, no mesmo prédio à beira-mar, toca o telefone do apartamento 602...


“Alô?, é da casa da Samara?”

“É sim”

“Eu sou mãe da Marina, ela está aí?”

“Quem, Samara, ou Marina?”

“Ai, meu Deus..., a Marina, pode chamá-la?”


Dez minutos depois...

“Mainha? Que foi que houve?”

“O que??? Essa pergunta é minha, mocinha!!! Você me sai de casa sexta-feira, e hoje, a essa hora, nenhuma notícia. Ligo no seu celular, atende um homem, o porteiro do prédio, você enloqueceu, Mazinha?”

“Oxe, mainha... eu avisei, sim! Eu gritei do portão que tava saindo, não ouviu, não?”

“Engraçadinha... seu pai está mansinho com você... venha já pra casa, e se prepare!”

“Tá bom, tá bom... chego já... que droga! Posso nem dormir...”



Segunda-feira, 22:30h, na porta da casa, seu Genaro sentado na calçada...


“Oi, painho!”


“Ô Mazinha, você saiu na sexta sem avisar, chega segunda a essa hora, e só diz isso?”

“Mas painho...”

“Nem mais, nem menos! Mazinha, você precisa dar um rumo na sua vida... Passa os dias na rua, não pára em casa...”

“Mas painho, eu nunca saio...”

“O que, Mazinha???, você o que???”

“Eu nunca saio... sem avisar...”

“O que, Mazinha???, você o que???”

“Eu nunca saio... sem avisar... na sexta... pra voltar na segunda...”

domingo, dezembro 18, 2005

Sampa

Pense num lugar grande. Eleve a 10000ª potência. Agora adicione bastante barulho. Buzinas, sirenes e vozes. Muitas vozes. Agora arrume um jeito de colocar a maior frota de carros do planeta. E a maior de motos. E para completar, bastante poluição e mais gente que no carnaval da Bahia. E pense em você morando e trabalhando num lugar desses. Conseguiu imaginar? Então bem-vindo a São Paulo.

E enquanto eu escrevo ouço sirenes frenéticas. E o cheiro de esgoto que insiste em pairar no ar. Estou na Vila Olímpia e daqui do 27º andar é possível sentir esse cheiro que só São Paulo tem. Olhando pela janela eu vejo muitos prédios, muitas luzes e muitas luzes. E no alto do mais alto prédio o nome da Microsoft. Cheio de luzes piscando em homenagem ao natal. Não sei por que tem tanta luz no natal. Deve ser por conta da estrela-guia. Mas é impossível tentar traduzir tantas luzes e prédio. Que barulho infernal. Deve ter acontecido algo realmente grave, porque as sirenes não param. Acho que é do bombeiro e ambulância. Mas são muitas. Deixa-me olhar na janela. Bom, fiquei 1 minuto na janela e vi 3 ambulâncias, 2 carros do corpo de bombeiros e 5 viaturas da polícia. Deve ter sido algo grande. Provavelmente vai passar daqui a pouco na televisão.

Mas voltando ao assunto, São Paulo é a cidade dos exageros. Muita comida, muito carro, muito dinheiro. Muita violência, muita desigualdade social e muita gente andando nas ruas. E muito barulho. Que inferno de buzina e sirene. É por isso que o paulista acha que trabalha mais que os outros. Com tanto estresse e trânsito, não tem como não achar que se trabalha mais. Já estou de mau-humor aqui. Que inferno!

Mas eu adoro São Paulo. Tudo que você quer você consegue, e com preços sempre melhores. Eu penso às vezes em me mudar para cá, mas só pelo dinheiro mesmo. Não gosto de praia. Gosto de trabalhar. Mas o problema de viver em São Paulo é ter que acordar 2 horas antes só para chegar no horário. E tudo é longe! Mas tem metrô.

Enquanto isso eu passo mais um sábado preso num quarto de hotel. Mesmo nunca cidade cheia de todas as coisas.

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Dia de não.

O que é essa solidão na qual todos nós mergulhamos? Essa solidão introspectiva, de quem reflete esse tanto para escrever algo profundo?
Acho que pessoas gostam disso suficientemente para orgulhar-se de fazê-lo, e para fazê-lo bem. Não é o meu caso.
Meus momentos de imersão mental são, em grande parte, transbordos das impressões de um homem frustrado. Alguém que gostaria de estar fazendo outra coisa, cercado de gente. Respirando mais ar que o que está reservado para mim, dentro dessa sala com as janelas fechadas.
Digo não a um convite e nem sei bem o porquê.
Quem sabe o contra-golpe instintivo a tantos nãos que eu guardo, ao invés de atropelar ou desviar.
Talvez amanhã seja um dia de sim.
Ou
não.

[]´s

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Com a palavra, Dom Pablo!

A PALAVRA
... Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam ... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as ... Amo tanto as palavras ... As inesperadas ... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem ... Vocábulos amados ... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho ... Persigo algumas palavras ... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema ... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas ... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as ... Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda ... Tudo está na palavra ... Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu ... Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que ,se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes ... São antiqüíssimas e recentíssimas. Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada ... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos ... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas .Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras*, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca. mais,se viu no mundo ... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos perdendo... Saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras.
*Butifarra: espécie de chouriço ou lingüiça feita principalmente na Catalunha, Valência e Baleares. (N. da T.)
...e Deus, com sua astúcia ínfinita, deu-nos de presente o Poeta Neftali Ricardo Reyes Basoalto, o bom Neruda. Deu-nos, tomou-nos, levou para sí, afinal, quem não queria tê-lo para si? Perdemos e ganhamos, ele foi, a obra ficou.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

08 de dezembro.

Apesar de entender que o Expressões Digitais é uma instituição de alcance internacional, em Salvador, hoje, é feriado.
Portanto, até semana que vem.

[]´s

terça-feira, dezembro 06, 2005

Uma TERÇA de dezembro...

clique na imagem acima!

... de um 2005 cheio de por quês e o meu desejo de que os nossos CORAÇÕES recebam sempre as FELICIDADES que eles merecem!

Em algum lugar na minha lista enviada ao cara do gorro vermelho,
tem o pedido de terças mais consistentes! ;)

Fiquem com Deus !!!
...ooo...

segunda-feira, dezembro 05, 2005

A puta e o suicida

"Merda de música chata", eu pensava, enquanto lentamente mexia no dial do som. É tão mais fácil quando não se tem quase uma garrafa e meia de bebida destilada no cérebro. O vento frio, que traz a chuva fina pela fresta da janela do carro, já incomodou mais. Agora é só uma forma de me excitar os sentidos e me fazer perceber que apesar do entorpecimento ainda estou vivo. Pelo menos por enquanto... O pedaço de metal que seguro nas mãos nunca esteve tão pesado. Tenho uma única bala. Como se fosse precisar de mais de uma pro que pretendo... Já perdi as contas do número de vezes que tirei-a e coloquei de volta no tambor. É uma bela arma e, segundo o sujeito sorridente que me vendeu, perfeita para amadores. Bom equilíbrio, cromada, entre várias outras características inigualáveis cuja existência fez questão de me despejar numa torrente desencontrada de adjetivos. Teria um bom futuro como vendedor, não fosse um marginalzinho de terceira.

De onde eu estava, parado em plena orla, conseguia ver pelo retrovisor as luzes da cidade. Um caos multicolorido que ia e vinha ao sabor de nada. À minha frente, o mar escuro e sombrio. Estava calmo agora, espumando um pouco nas marolas, e às vezes me chegava a maresia e seu barulho calmante misturava-se à confusão de sons que vinha do lado oposto. O lado da cidade. Não havia ninguém na praia logo ali. Não com um tempo frio como esse. Acendi o cigarro que já havia enrolado antes, e o cheiro bom e adocicado da marijuana misturou-se ao do mar. Fechei os olhos.

Já tinha tudo preparado. As contas, já devidamente pagas. Afinal, suicida sim... Mau pagador, nunca! Prefiro - com o perdão do trocadilho - morrer. O bilhete fora bem escrito, e as razões estavam todas ali, bem claras. Na verdade claras ao ponto de eu não conseguir imaginar como mais gente, ponderando sobre a validade de meus motivos, não viesse a fazer o mesmo que eu. Terminei semana passada com minha (agora ex) namorada. Um coração partido a menos no mundo... Sei que com a família vai ser diferente... meus pais, Kardecistas daqueles de carteirinha, vão fazer correntes inteiras de orações pela minha alma, e chorarão por um bom tempo. Essa é a parte ruim... gosto tanto deles.

"Ei amor, bora fazer um programinha?"

Só então a percebi ali. Pequena, extremamente magra ("esquelética" talvez a definisse melhor), vestindo as naturais roupas chamativas e curtas que a profissão exigia. Inacreditável... uma puta, surgida do meio do nada, oferecendo-se pra mim na noite que escolho pra me matar! Observei-a com um pouco mais de calma, e notei o sorriso, ao qual ela obviamente pretendia imprimir um ar de sensualidade, mas que, dadas as minhas funestas intenções, a hora da noite, a luz pálida e desfavorável do poste mais próximo, a chuva fina que lhe borrava a maquiagem já naturalmente mal feita e o aspecto geral do corpo (que com o frio que fazia, tremia levemente de forma involuntária, acho) junto a uma aura de desamparo e medo só conseguia me fazer sentir é pena daquela figurinha esquálida e assustada na minha frente.

"Não. E vai embora."
"..."
"Ah, entra aí, vai... Tá frio pra caramba aí fora."

E ela entrou. Sentou-se timidamente no banco do carona, e sem me olhar nos olhos começou a me dizer de forma envergonhada os valores referentes a seus "serviços". Nessa hora não consegui deixar de sorrir ante o inusitado da situação. Eu, que queria dar cabo da própria vida aquela noite, tinha a meu lado no carro uma prostituta que, com visível pouca experiência nos meandros de sua profissão, oferecia-se pra mim. Comentei meio vago que não tinha a menor intenção de fazer um programa com ela, mas que não havia problema caso ela quisesse esperar um pouco até a chuva passar. Pareceu pesar pós e contras por alguns segundos, e dando de ombros recostou-se no banco. Notei que olhava de soslaio a garrafa de vodca que eu ainda não esvaziara. Isso sem falar do cigarro, largado no painel, exalando o odor característico.

"Quer um gole?"
"Bom pra esquentar um pouco, né? Tá fazendo muito frio essa noite!"

Contei três goles dos bem generosos...

"Xô dar um tapinha?"

Passei o baseado.

"Hmm... Qual o teu nome?"

"Kelly Christinne, com dois 'n' e dois 'l'". Baixou os olhos. "Ah, é Cleonilda Maria", admitiu, com a vergonha típica dos que são apanhados com alguma coisa tirada duma loja. Pensei cá comigo que realmente apresentar-se a um de seus clientes ou ser anunciada num dos barzinhos em que era bem possível que ela dançasse com um nome como "Cleonilda Maria" não ajudaria em nada em seu marketing pessoal. Um pouco mais à vontade, Cleonilda Maria viu a arma, e rápida falou.

"Tu é cana, cara? Me prende não, que eu não fiz nada!"
"Não... não sou policial."
"E pra que essa arma?"
"Pretendo me matar."

Ela me olhou com uma expressão curiosa no rosto. Os olhos meio arregalados, com aquela maquiagem toda em volta, e formou um início de sorriso na boca melada de batom. Pôs a arma de volta cuidadosamente.

"Ah, tá. Hoje?"
"É bem provável que já tivesse feito se não fosse tua presença, inclusive."

Ela novamente me lançou um daqueles olhares curiosos, mas não falou nada. Deu mais um de seus bons goles na vodca, e começou a contar de sua vida. Não havia sido puta sempre... veio do interior cheia de sonhos, pensando em conseguir um emprego razoável e conhecer um cara bom e carinhoso, como convém a toda menina sonhadora. As coisas, evidentemente, não haviam dado tão certo quanto ela imaginara... os empregos, ruins... os caras, violentos, pouco tinham dos príncipes com quem sonhara. E a conversa, agradável... Me prendeu. Quando percebi, lá vai o dia amanhecendo em nossa frente. Sol nascendo devagarinho e os reflexos na água ofuscando o olhar de ambos. Ela sorriu, agradeceu a companhia, o bagulho e a bebida. Me beijou no rosto e saiu. Já fora do carro, parou e olhou calmamente o mar uma vez, e se foi. Eu, de minha parte, morria de dor de cabeça... um gosto horrível na boca. Lembrei que ainda tinha uma coisa importante - a última - a fazer. Era simples... pegar a arma... pegar a bala... hmmmm... a bala... cadê a bala?

A puta-Kelly-Christinne-Cleonilda-Maria havia levado a bala consigo... e, lá do jeito dela, salvo minha vida. E naquela hora tive vontade de abraçá-la.

domingo, dezembro 04, 2005

A vida é uma eterna celebração de encontros

Ele, um homem comum, entre tantos homens, nunca foi de fazer sucesso com as mulheres. Talvez as desvantagens físicas, ou ausência de predicados e audácia fizessem dele um tipo qualquer. Ela, de beleza extraordinária sem vaidades, batons e cabelos, nunca se preocupou com o sucesso que fazia entre eles. Livros, crescimento cultural e profissional sim eram seu foco.

Ele nunca acreditou em amor, muito menos à primeira vista. Ela, muito prática, sempre se preocupou com sua carreira e condição de mulher moderna. Casamento, filhos e família feliz nunca estiveram em seus planos.

Mas o destino, este tão desacreditado por tantos, resolveu pregar-lhes uma peça...

Caminhando pelo shopping, entre uma refeição e a leitura do periódico, os dois se tropeçam num balé absolutamente esquisito. Entre os pedidos de desculpa e consternação pelo sorvete derramado, seus olhos se encontram como o sol no horizonte após mais um dia de trabalho. Magnetizados por uma energia totalmente inexplicável, a ausência de palavras dá lugar ao constrangimento de tamanho sentimento que como mágica tomou conta daqueles dois. Pedindo licença ao poeta e ao clichê, naquele momento até as estrelas se esqueceram de brilhar.

Ainda sem as palavras corretas, ele toma-se a pedir desculpas, num gaguejo desconcertante. Ela, numa tentativa frustrada de praticidade, põe-se a limpar seu paletó. Mas o encontro de suas mãos naquele dorso de homem fez faiscar aquela energia estranha que ainda os circundava. Entre olhares e o vazio do som, os dois pensam em lampejos sobre o acontecimento. Tentam explicar a qualquer custo aquele sentimento estranho que tomou conta de seus corações. Após longos segundos, ele ainda que timidamente, toma a iniciativa e puxa um assunto qualquer, baseado na leitura da outra. Ela, ainda perplexa, responde perguntas que não foram feitas.

Sorrindo, ainda que sem dentes, os dois postam-se a conversar já sentados num banco de praça de shopping center. Suas faces agora possuem expressões simétricas e a timidez dá lugar à gargalhadas gostosas e espontâneas. Com o adiantado da hora e o fim do horário do almoço, trocam telefones e promessas de futuras ligações.

Ele ainda busca respostas para o que aconteceu. Como pôde ele, tão fechado ao amor, sentir aquele turbilhão de sentimentos por uma desconhecida? Não é a beleza, nem a pretensa inteligência daquela mulher. Era algo misterioso que ele, cético, não saberia explicar. Ela, num exercício vão, fez-se de tola e ignorou tudo aquilo. Mas intimamente deseja ouvir aquela voz, mesmo que por telefone e sentir mais uma vez aquele peito em suas mãos.

O tempo parece não passar e os minutos transformam-se em horas, até que ele, num impulso, pega o telefone e disca a senha para o sonho de ouvir, mais uma vez, a doce voz daquela desconhecida. Mas o que ele diria, já que conhecera a mulher a menos de 30 minutos? Que justificativa teria para ligá-la? Ele não poderia parecer interessado ou desesperado, já que ela não parecia o tipo de mulher que caça homens em shoppings. Até que lembrou do detalhe que fez a diferença: diante dos acontecimentos, ele esqueceu de perguntar seu nome. Esta seria a melhor das desculpas.

Ela, do outro lado da antena, atende ao telefone aos pulos, tentando manter a voz tranqüila e o compasso da respiração. Agora eles já sabem seus nomes, telefones e segredos.

E na sexta-feira o que parecia sonho resolveu virar realidade. Entre uma borrifada de perfume e a maquiagem mal-feita pela falta de prática, ela o aguarda como a mãe espera um filho chegando da guerra. Ele, na difícil escolha da tríade gravata, flores e vinho, transforma o trânsito em fórmula 1, para não chegar atrasado.

Ao toque da campainha, com o coração pulsante e carne trêmula, corre em sua arrumação para abrir a porta. Ele, do outro lado, tem a pele fria e as mãos suadas. Mais uma vez seus olhos se fitam e o silêncio, insistente e inconveniente, faz-se presente. A timidez do momento faz o ter o que dizer no não saber o que falar.

E com a mistura dos odores (jantar, vinho e sexo), os dois conversam sobre todos os assuntos que se pode conversar. Entre um gole e outro daquele vinho seco, não tão seco quanto a saliva que insiste em não descer, a conversa e o riso dão lugar a um magnetismo que inevitavelmente puxa seus corpos um contra o outro. E quebrados o medo e a resistência, seus lábios se colam e suas línguas passeiam pelo infinito de suas bocas. E o que era antes roupa, agora é trapo, porque a força que os moveu até ali não teve educação para despi-los.

E com o vinho derramado pela taça quebrada ao chão, os dois se amam. E o tempo do amor que fazem é do tamanho da distância que separou aquelas almas e aqueles corpos. E juntos, chegam ao momento mágico do gozo. E ela dorme ali, nua ao chão, como uma criança de sono inocente e uma felicidade que não cabe em si. Ele, com todas as respostas, fica acordado velando aquele sono e contemplando o amor inusitado e único que ele não sabe como começou e que não pensa em terminar.

E com o sol em seus olhos, despertam de um sono que não teve sonho, porque não poderá mais haver sonho em qualquer sono, já que o sonho era estar acordado, cada um com o seu você. E contemplando um ao outro, passam o dia ali, naquele chão mais confortável que qualquer cama, amando a toda hora, porque amor nunca desperdiça. E eles agora sabem disso.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

A Cereja.

Ele abriu a porta e apertou a mão do garoto. Barba por fazer, cabelos despenteados, camisa por fora da calça e com as mangas dobradas. Olhou-o de cima a baixo. Ofereceu-lhe um assento, o rapaz se abancou.

- Quer dizer que você quer aprender a escrever contos?
- É. É. Eu sou um grande fã do senhor e - a perna tremia, arrastando a bermuda de surfista do lado da cadeira - e... e gostaria muito de umas dicas, sabe?
- Sei.

Pensou em dizer-lhe que um bom escritor não usa franja. Aliás, bons escritores também não são loiros, não usam camisas estampadas do Radiohead. No fundo, sabia que nada disso era verdade, mas aquele sorriso de brackets azul-bebê lhe causava uma certa náusea.
Sorriu mostrando os dentes amarelados, coçou a cabeça, acendeu um cigarro.

- Sei...

A sala era pequena, com móveis velhos de madeira. Janelas altas e, pelas persianas, os raios de sol diagonais iluminavam a poeira suspensa, misturada com a fumaça do cigarro. Derramavam luz, parcialmente, em uma velha máquina datilográfica, sobre a escrivaninha.
Ao lado da máquina, causou-lhe estranheza uma mala preta.

- E essa mala?
- É meu notebook.
- Se quiser aprender alguma coisa, você vai ter que usar a máquina. Para valorizar mais o que está fazendo.
- Óquei.
- Computador é muito volúvel.
- Tudo bem.

Ria-se por dentro, enquanto pensava se a máquina ainda iria funcionar depois de tantos anos.

...

A semana corria e seus santos continuavam se olhando enviesados. Apesar disso, ele tentava, em certa medida, realizar o proposto. Leu umas coisas escritas previamente pelo rapaz.

- É uma questão de ambientação e personagens, sabe?
- Tô ligado...
- Mais até de personagens. Se eles forem bons, tiverem coerência, profundidade, eles tem vida!
- Vida?
- É. Quando você faz um pesonagem assim, ele escapa de você. No meio do texto você percebe que ele está tomando suas próprias decisões, vivendo sua vida.

O aprendiz olhava como se não estivesse acreditando muito. Ele percebeu. Tomou mais um gole de café, pensando quem era aquele pirralho para duvidar. Seus dentes cerrados mordiam o copo plástico, como se objetivassem a jugular à sua frente. Respirou fundo.

- Olhe bem, garoto. Eu não falo nada por falar. Minhas lições tem um motivo. Não estou aqui perdendo tempo, estou?
- Não, senhor...
- Mas faça. Demore nos personagens. Pense bem quem são eles. Aí você vai criar uma situação e eles vão reagir. Pode começar agora. Só quero saber amanhã de tarde o que você fez.

Saiu da sala, enquanto acendia um cigarro.

...

Leu o texto de uma sentada. Uma crônica de vinte páginas. Circulava, sublinhava e, não obstante o papel datilografado, rasgou as últimas páginas sem nenhuma cerimônia.

- Tem até futuro... mas dê uma olhada nas observações aqui.
- Certo.
- E de onde você tirou o "hodierno"?
- "Hodierno" quer dizer moderno, que...
- Eu sei o que quer dizer "hodierno". Mas colocar um termo rebuscado num texto com o seu linguajar não tem nada a ver.
- Meu linguajar?
- Nada demais. Só não é rebuscado. Fica parecendo tabaroagem.

Disca um número no celular e deixa o rapaz sozinho na sala, enquanto fala baixo na recepção, num tom misterioso.
A secretária, Lúcia, uma loura portentosa, de lábios grossos e olhar sedutor, parece prestar atenção na conversa. Ele acende um cigarro e olha para ela, maroto.

- E aí, Lucinha? Nunca mais te vi me olhando desse jeito.
- Que jeito?
- Esse. Você sabe.
- Não estou te olhando de jeito nenhum. Aliás, desencana de vez. Já tem dois anos que a gente não tem nada.
- Mas pode ter! Que tal um jantarzinho hoje?
- Já tenho compromisso.
- Ah, é? Com quem?
- Com o garoto.

A piada já estava preparada na cabeça para quem quer que fosse, mas não saiu. Ao invés dela, balbuciou o início de um "filho da puta", mas também não o falou. Seus dentes cerraram mordendo o cigarro. O filtro ficou na boca, a parte do fumo quase caiu, mas ele aparou a tempo. Cuspiu o filtro na mão e saiu da sala.

...

O garoto datilografava um novo conto enquanto ele terminava de ler o primeiro. Já acertara, na outra ligação, que seu editor desse uma olhada o trabalho do garoto.

- Muito melhor garoto, mas falta a cereja.
- Cereja?
- É. O gran finalle. Seu texto termina com a mesma toada que começou.
- É ruim, isso?
- Não é ruim, mas não empolga.
- Ah, mas no final o Maurício fica com a Léa!
- É. Eu vi. Mas não é grande coisa.
- Eu achei. Como assim cereja? Me dê um exemplo.
- Achou? Está me contestando? Um exemplo??? Um exemplo!?!

Ele abre a gaveta, tira um revólver e aponta-o na cabeça do garoto, para seu espanto. Está com os dentes cerrados.

- Pra comer a secretária dos outros não precisa!!
- Pera...

Ele puxa o gatilho - click!
Olha pro chão e sorri.

- Eis um exemplo! Isso é uma cereja! Lúcia! Vem ver seu namorado surfista machão aqui! Mijou o carpete todo!

Sai acendendo outro cigarro, dá um tapa na bunda de Lúcia enquanto cruza a porta. Ainda ouve, dentro da sala, a voz envergonhada do garoto.

- Caraaaalho, bróóder...

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