sábado, março 25, 2006

Um Filme em 1,63m

Ela sempre deixava para calçar a sandália por último. Não era porque gostava de ficar descalça, mas sim porque se sentia muito desconfortável em cima de saltos tão altos. E foi assim naquele início de tarde. Última escovada no cabelo, um pouco de perfume no pescoço, retoque no batom e sandálias de salto alto. Ritual cumprido despediu-se de quem estava em casa e saiu.

No meio do caminho tinha uma pedra (tinha uma pedra no meio do caminho!), sem perceber ela pisou em falso, o salto enganchou, o pé torceu e o corpo perdeu o equilíbrio. O corpo começou a cair. Entre se dar conta da queda e a lembrança de quando estava galopando em disparada foram milésimos de segundos.

E de repente sua mente se encheu de lembranças. Boas e ruins. Lembrou do final do filme “Beleza Americana” e ficou meio desesperada, mas foi deste mesmo filme que veio uma imagem agradável, o saco que voava cheio de ar por uma rua deserta. E no calor insuportável que faz em Feira de Santana ela caía, mas não sentia a queda. E determinou que apenas bons pensamentos lhe invadissem a cabeça.

E o corpo finalmente chegou ao chão. As lembranças pararam ali. 1,63m não é assim uma grande distância que se permita ter muitas lembranças, se ela fosse pelo menos dois centímetros mais alta teria direito a mais uma visita ao passado. Mas ela se levantou, limpou a roupa meio envergonhada e partiu desconfiada de que estava vendo filmes demais. Imaginando coisas demais.