quinta-feira, abril 27, 2006

Então Voe!

- Então voe! Gritou o homem de barba cinza, incrédulo com a audácia do menino.

Marcos era um rapaz teimoso. Sabia que podia voar e não era um velho de barba cinza que o faria desistir. Dentro dessa convicção; pulou do teto de sua casa. De início, teve a súbita sensação de vôo, mas derrepente uma força estranha puxou-lhe para baixo com tamanha intensidade que se sentiu sugado para o chão. Acabou numa fratura no braço esquerdo, uma perna quebrada e muita dor de cabeça.

- Tá vendo rapaz teimoso! Disse o homem de barba cinza com aquele ar de superioridade dos adultos frustrados - Tá pensando que é o que? Gente não voa moleque.

Marcos teve vontade de gritar e mostrar que quase conseguiu. No entanto, vendo que o homem de barba cinza afinal tinha razão decidiu sabiamente se calar ir ao hospital para curar aquele braço enfermo e da perna que estava incomodando bastante.

Voltando do hospital, Marcos decidiu estudar os motivos pelos quais o vôo não fora bem sucedido. Subiu até o telhado, estudou minuciosamente as telhas, sentiu o vento no rosto, conferiu altura do local, verificou seu cadernozinho que tinha todas as instruções prévias de vôo copiadas de um desenho animado e tentou imaginar o que lhe fizera cair de modo tão brusco e tão forte no chão. A solução não tardou a vir.


- Sim! O vento! Não havia vento o suficiente naquele momento!

Um sorriso de esperança brotou-lhe como nunca naquele rosto de apenas dez anos de idade. Decidiu chamar, com o braço enfaixado, o velho de barba cinza. Agora ele finalmente provaria que voar era algo simples e bastava querer, imaginar e se jogar do telhado de casa para conseguir e que as pessoas eram umas bobas em acreditar naquele troço de gravidade, imaginação é tudo. Falou-lhe que havia descoberto o motivo pelo qual ele não houvera voado e que agora ele iria voar de verdade e todos iriam ver! O Velho, incrédulo, deu risada da cara do menino e topou presenciar a segunda tentativa.

O menino então subiu para o telhado. Sentiu o vento com força batendo no seu rosto e teve a certeza que era mais do que o suficiente para garantir o bom vôo. Tomando cuidado com o braço e puxando um pouco a perna, estudou o céu e viu que as condições eram as melhores possíveis.

Imaginou o oceano visto de cima e os olhares incrédulos das pessoas. Viu-se apertando a mão do Cristo Redentor, dando um olá à Estátua da Liberdade, contornando o mundo todo por cima. Sem falar que poderia também visitar a sua avó que morava numa cidadezinha distante e comer mais um pouco daquela comida que só as avós têm o poder de fazer. Foi tudo tão real que a covardia, já escassa, abandonou o menino, afinal a covardia é a virtude dos que não sonham e dos que não imaginam. Subiu então ao ponto mais alto do teto de sua casa.

A covardia e a razão ainda não houvera abandonado o senhor das barbas cinzas e lhe fizeram gritar:

- Menino louco! Não pule daí, Está muito alto!

Mas era tarde. Marcos já havia pulado. E no momento em que o Velho gritava, ele estava sentindo toda a plenitude do vento batendo em seu rosto. Não acreditava, estava mesmo voado! Via as pessoas lá de cima, sentia uma paz irracional a invadir todo o seu ser. O que lhe motivou a dar piruetas pelo ar e a brincar enquanto volitava. Marcos estava experimentando, e tinha a plena noção disso, a felicidade completa e inatingível.

Pensou em fazer tudo aquilo que havia imaginado, mas algo lhe chamou a atenção. Começaria pela Estátua da Liberdade, passaria pela casa da sua avó para comer um daqueles bolos de chocolate. Porém, antes de ir, notou algo interessante. O senhor de barba cinza estava no chão chorando incessantemente. Ao se aproximar viu o motivo das lagrimas. Era o ele, com a cabeça toda ensangüentada, sem vida, com os olhos ainda abertos, estirado no chão com os braços abertos, como se abraçasse o chão. Não acreditava naquilo! Não podia ser eu, pensava o menino. Ora ele estava ali, logo ali em cima voando e vendo tudo aquilo.

Esse, definitivamente, não sou eu, pensou o menino. Nem o azul dos olhos esse corpo estirado no chão tinha. Tendo a certeza de que aquilo que estava deitado no chão não era a sua essência, partiu em vôo maluco pelo mundo.

4 comentários:

mg6es disse...

lirismo e pureza, sobrevoando palavras...

[]´s

Vinicius disse...

Gostei do texto. Tipo, lembrei da minha eterna vontade de voar, que tenho desde criança e não desisti. Aliás, adoro quando sonho que estou voando...

Leonardo Caldas disse...

puxa! tá excelente o teu texto, fábio! de um lirismo realmente bonito de ler...

e pensar que os meninos voadores deste mundo poderiam só crescer mais uns tantos anos, e voar sem tirar os pés do chão...

Marina disse...

Um dos seus textos mais belos, menino Fábio! :)