domingo, julho 31, 2005

Delícias e Perigos: banco do meu carro

Hoje eu me encontrei comigo. Me encontrei com a minha face negra, oculta e obscura. Hoje eu vi a vida como não quero. Não por uma vida. Por até um minuto eu posso querer viver a vida oculta e no gueto. Mas não quero viver longe de mim por mais de um minuto.

Hoje eu encontrei o erotismo. Sexo tarado, ousado. Por um minuto eu esqueci dos meus limites e me entreguei à luxúria. E no meu minuto descarado eu vi a luz do sol, mesmo sendo noite sem lua.

E senti prazer como não costumo, porque eu não estava sozinho. E o meu prazer, sempre solitário, deu espaço para outro corpo, compartilhar comigo o meu gozo. E por um minuto eu não me senti sozinho.

Senti o calor de outro corpo junto ao meu. Tinha cheiro, gosto. Mas não sei o nome ou sobrenome. Apenas um corpo. Tinha pelos, tinha cor. Era um corpo que se mexia, enquanto o meu sentia a ousadia desse corpo respirando o mesmo ar. Era um corpo vivo. Era um par, completando o meu.

Hoje, por um minuto, eu estive vivo. Não sei quanto tempo foi. Uma hora, um minuto. O que importa? Naquele instante, enquanto você esteve comigo, meu relógio não quis funcionar. Ficou preguiçoso.

Minhas mãos, analfabetas do seu corpo, não sabiam o que fazer. Mas eu queria possuir você com minhas mãos. Sentindo o seu fogo queimando minha boca, minhas mãos buscaram aquilo que eu não procurava, mas que estava ali para mim. Minhas mãos, cheias de desejo, como cada pedaço do meu corpo, ficaram inquietas, rijas e deslumbradas com sua umidade inferior.

Não foi preciso um cigarro depois de você. Não era preciso mais prazer, porque não havia mais espaço. Só havia erotismo. Beco escuro, risco de vida e transeuntes desconcertados. Eu, você e algumas poucas estrelas tímidas e envergonhadas, olhando nosso ato, nosso coito interrompido pelo trânsito do domingo. Nosso erro bem cometido, nossa falha mais perfeita. Nosso prazer. Só nosso.

Meus dedos, meus dedos. Seu corpo. Meus dedos. Meu umbigo e sua língua. Sua vergonha em minha saliva.Sua saliva, meu corpo nu. O peso de você em mim. O ar condensado e rarefeito. Você em meu peito. Mãos suaves em minha coxa. Seus mamilos, minha vocação para amante. Tudo junto, você e eu, meias verdades. Poucas palavras.

E ali, onde geramos vida, contemplamos o luar. Mas não tinha lua. Mas para que lua, se eu tinha seu olhar, tímido encontrando o meu? Eu tinha seus olhos. Eu tinha seus olhos e isso para mim é noite enluarada. Eu tinha seu gemido, seu sussurro em meu ouvido. Língua em minha orelha.

E jorrei vida. Amor com cloro e cloreto de sódio. Amor químico. Tesão de puta. Foda selvagem. Eu e você, homem e mulher. Sexo. Sexo. Você me deu prazer e eu jorrei vida. Jorrei com força o calor das minhas entranhas. Pólo sul, área de serviço. Mentira. É tudo mentira.

Dois corpos desconhecidos tentando se encontrar. Duas pessoas, eu e você, entrelaçados numa bagunça epiléptica e cansativa. Dois corpos, uma vida e muita vontade de entrega, de se dar. Prazer sem culpa, sem preconceito. Prazer animal, ausência de amor. Seu corpo, água e sal. Suor, saliva e secreções ordinárias. Você e eu, nunca nós. Egoísmo, prazer machista. Coisa de homem. Coisa de mulher.

E depois de tudo, ofegante por compartilhar com você meu oxigênio, meu corpo e o banco do meu carro, girei a chave deixando o motor funcionar. E deixei você em casa. E voltei para minha casa. E não consegui dormir nesse domingo. Porque, por um minuto, eu tive seu olhar.

Eu tive seu olhar.

5 comentários:

Anônimo disse...

intensidade, é essa a palavra que deve constar nos comentários do tal.

Anônimo disse...

Intenso, foi a primeira palavra que me veio a mente.

Anônimo disse...

"Hoje, por um minuto, eu estive vivo. Não sei quanto tempo foi. Uma hora, um minuto. O que importa? Naquele instante, enquanto você esteve comigo, meu relógio não quis funcionar."

"Não foi preciso um cigarro depois de você."

"Você e eu, nunca nós. Egoísmo, prazer machista. Coisa de homem. Coisa de mulher."


Não é preciso nada quando se tem o momento... nem mesmo a extensão dele!

Ótimo texto, menino!

Beijo grande!

Leonardo Caldas disse...

doly meu filho, que que é isso?!!? :)
acho que é o que de mais intenso já li teu! a sensação de ler é - com o perdão do trocadilho - "orgásmica", no sentido de que vai aumentando, e aumentando, à medida que você chega a "jorrar vida"! putz! delicioso de ler! :)

Marina disse...

Delicioso texto, Vinicius! ;)
As meninas já disseram tudo!
Beijos