quinta-feira, julho 21, 2005

Filho de Deus Maravilhoso e Perfeito. (Ou "As calcinhas da Martinha.")

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Óóóunn! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .



Carnaval se aproximando. Arnold estava com tudo certo para deixar Salvador e ir para um retiro Seicho-no-iê num sítio em Brasília. Martinha, no Rio, um tanto desanimada pelo recente litígio, conversa com ele pelo telefone.

- Vamos, amiga! Sair para um descanso espiritual vai ser bom para você! Tempo para pensar, recuperar as energias.
- Tá certo... é. Deve ser bom mesmo. Eu vou.
- Olha, meu amor, lá eles trabalham essa questão da nudez, de não ter vergonha. O pessoal anda muito ao natural. É bom ir preparada...

Martinha comprou doze calcinhas confortáveis, em cores diferentes, seguindo o conselho do amigo.
Se encontraram em Brasília, no Conjunto Nacional, de onde partiu o ônibus pro sítio, e de lá foram.
O sítio tinha os espaços divididos por gênero, para evitar desvios da atenção ao objetivo principal, que é o engrandecimento espiritual. Haviam apenas dois períodos de quinze minutos no dia em que os homens podiam ver as mulheres – e sem contato físico. A filosofia Seicho-no-iê dizia para sempre levar em conta apenas o lado bom das coisas e das pessoas. O tratamento dispensado de uns aos outros era "filho-de-Deus maravilhoso e perfeito".
Arnold não tinha o costume de servir sequer seu próprio copo de vinho. No primeiro dia, na divisão das tarefas, ganhou a missão de capinar uns vinte metros quadrados na porta da casa. O calor seco do verão brasiliense castigava, no meio do silêncio natural do lugar, enquanto ele executava a tarefa. Uma atmosfera angustiante. O mestre passou à tarde e falou, enquanto ele trabalhava de cueca, gentilmente:

- Obligado, Alnold.

Sorriu simpaticamente, enquanto pensava "Obligado o calalho, japonês da desglaça.".
Nos quinze minutos que encontrou Martinha, à noite, veio a notícia.

- Arnô! Roubaram minhas calcinhas! Que é que eu faço?
- Meu Deus! Amiga!! Olha, a filosofia aqui é de ver sempre o lado bom das coisas. Não se estresse. Você vai lá amanhã e fala assim...

No dia seguinte, com o sorriso mais aberto, Martinha pede atenção no quarto, para as outras treze mulheres.

- Gente! Eu trouxe uma sacola com doze calcinhas novinhas para cá! A filha de Deus maravilhosa e perfeita que se atrapalhou e pegou minha sacola, eu gostaria de pedir que devolvesse. Tenho certeza que foi um engano.

Terceiro dia e nada. Nos quinze minutos, Martinha se queixa de novo com Arnold.

- Meu filho! Eu tô lavando a calcinha à noite para poder secar e usar de dia! Tô dormindo com a boceta descoberta! Esse frio da porra, aqui!
- Meu amor, calma! Está vendo o porquê da filosofia Seicho-no-iê? Você já está estressada! É para ver o lado bom disso. Você vai viajar mais leve.
- Tô pra fazer é um auê aqui!
- Não faz isso. Tenta de novo com calma amanhã.

À noite, Marta demorando para dormir, sentindo frio nas partes íntimas e nas mãos, molhadas de lavar a calcinha tarde, logo antes de ir dormir. E trabalhando a raiva na filosofia Seicho-no-iê. (Está tudo bem. Quem fez não foi por mal. As calcinhas eram uma coisa a mais a carregar na viagem de volta...) Pela manhã abriu o mesmo sorriso.

- A filha de Deus maravilhosa e perfeita que por engano pegou minha calcinha, se estiver assim, meio sem jeito de entregar pessoalmente, por favor, é só deixar aqui na cama quando a gente estiver lá fora.

De noite, Arnold foi para o local em que se encontravam, após as refeições, mas não achou Martinha. Arnold estava até gostando do descanso, já. O trabalho mais pesado foi só no primeiro dia – depois disso, coisas menos complicadas como preparar as refeições, limpar a casa. Além disso, estar no meio de tantos homens de cueca era uma experiência inesquecível para ele, que, disfarçadamente, comia-os (até o talo) com os olhos.
Na manhã de quarta-feira, no entanto, o mestre chamou-o cedo, para ele acalmar Martinha.

- Sua amiga se encontla um pouco exaltada, Alnold...

Martinha tinha passado outra noite dormindo mal, nada de calcinha. Acordou de manhã antes de todo mundo, trancou a porta do quarto e berrou.

- A filha-de-uma-puta escrota que roubou minhas calcinhas, é melhor tomar vegonha! Eu vou logo avisando que devolva hoje! Senão amanhã o bicho vai pegar aqui, viu! Eu sou baiana de Euclides da Cunha, porra! Não brinquem comigo não!!! Não tô achando graça nenhuma dessa poooorra aqui nãããão!!! Tô logo avisando que daqui eu não vou embora sem as calcinhas!!! Vai ter problema!!! Vai ter probleeema!!!

O circo se armou. Quando se encontraram, com a intervenção do mestre, Arnold ainda tentou acalmar os ânimos.

- Mas amigaa... que é que tem? São só umas calcinhas! Supere isso!
- SUPERAR O CARALHO, Arnô! Seicho-no-iê pra cima de mim? Pra me sacanear?! Tô passando frio, cacete! Por mim a gente ia embora dessa porra!

Não dava para ir embora – era longe e o ônibus só vinha buscar no dia seguinte. Ela dormiu a última noite mais chateada ainda e, se não foi, para ela pareceu ser a noite mais fria. Quando acordou de manhã, pronta para rodar a baiana, o saco das calcinhas estava do lado da cama. Pensou ainda que agora não adiantava tanto, que eles já estavam voltando para a cidade, onde não teria mais o problema do frio. Ficou ainda mais revoltada.
No ônibus, mais tarde, as pessoas conversavam em um tom bem baixo, bem pacífico, com a calma que resgataram nestes dias de descanso. Martinha, sentada do lado de Arnold no ônibus, tinha o olhar injetado, atenta a todo gancho que sobrava das conversas dos outros. Emendava-as em tom nada elegante.

- Paz uma porra!
- Seicho-no-iê a desgraaça! Uma sacanagem, isso sim!
- Seicho-no-iê de ladrão sacana, essa porra!

E reclamava com o amigo.

- Perdi meu carnaval para roubarem minhas calcinhas aqui, Arnold! MEU CARNAVAL! Nunca mais me chame para essas suas viadagens!! Nunca mais, entendeu?!

Arnold olhava pela janela e tentava relaxar...

[]´s

11 comentários:

Leonardo Caldas disse...

gostei da forma como foi construído o texto... vai num "crescendo" divertido de ler... e o clímax acaba chegando duma forma que surpreende um pouco.
e o arnold? ele existe? :)

Anônimo disse...

Isso de ficar sem roupa não sei não... afinal, minha vó praticava o Seicho-no-iê e não consigo imaginá-la sem roupa... hehehe..
Mas se for verdade, acho que a amiga de Arnold deveria ter aproveitado melhor os momentos sem calcinha...Relaxar!!!!

Marina disse...

Trocar um carnaval por uma viadagem dessas?! rsrs.. :)

Anônimo disse...

Hahahaha...

Ai,se minha vizinha (talvez uma das que estavam no quarto!)passasse por aqui...

Beijo, menino!

Anônimo disse...

Uma crônica de verdade, muito bem escrita, cheguei a ouvir os gritos da Martinha, o sotaque carioca, tudo. parabéns.

Classificação: 5 Estrelas

Anônimo disse...

Muito interessante o texto, como tudo que você escreve.
De vez em quando eu copio um post seu e envio para Merci, com os devidos créditos, claro.
Pô! roubaram a sacola de calcinhas da mulher! Será que devolveram limpas? hehehe
E esse "amigaa" do Arnold não negava a raça... Esse cavalo é égua! Esse capim é grama!
Agora, rapaz, tinha que ser "Martinha", justamente o nome da minha princesa?! Sacaneidje! :)
Abraços!

mg6es disse...

Martinha... Calcinhas... Filosofia... Carnaval... Uma deliciosa mixórdia! Ri, e muito! []'s

Vinicius disse...

ehehehehehhe.

Cara adorei o texto. Totalmente baiano, com diálogos fantásticos.

Já tinha tempo que eu não lia uma ¿estória? tão boa...

Valeu mesmo

Anônimo disse...

pelo menos era um quarto para as mulheres e outro para os homens. ou seja, poderia ser pior.

Anônimo disse...

Well, eu já comentei o texto no blog. Esse aqui é só prá você não ter ciúmes dos 11 comentários de não-sei-quenzinho aí. Beijoca!!!

p.s.: achou a borrachinha do meu fone?

Anônimo disse...

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