segunda-feira, agosto 22, 2005

A trilha sonora da tua vida

Você entra em casa, e teu dia foi cheio e intenso. E aqui a palavra "intenso" está sendo usada em seu sentido mais negativo. Joga tuas coisas no primeiro móvel que te aparece pela frente, e ainda assim continua sentindo em si o peso do mundo inteiro. E toma um copo d'água, e o peso não vai embora... nem teu quarto - pedacinho de paraíso na Terra, onde você conhece cada palmo - te traz alento. Mas é pra onde você vai. Desliga as luzes, e vestido como chegou da rua, larga-se na cama. Agora, na escuridão de teu mundo, é como se só existissem você e quaisquer que sejam os teus demônios. Há um ventilador logo ali... você só tem de levantar-se e ligá-lo. Mas os demônios que o atormentam não seriam dignos do nome se te permitissem este pequeno prazer... e cá está você, rendido à própria inércia... Já o som... bom, o som é diferente... ele está logo ali, a um estirar de braço. Você o liga, e nota com olhar vazio a dança das luzinhas coloridas, prenunciando o que está por vir. E que vem... devagarinho, de início sussurado, mas num crescendo constante, em que o sussurro se torna em grito, e depois em lamento triste e sentido. E é neste momento que tua vida vira toda ela Janis Joplin, e o barulho gutural vai tomando conta, e você vai entorpecendo-se devagar, e tem vontade de beber alguma coisa. E depois vem o blues... a melodia negra sofrida e triste. A vida começa a parecer um pouquinho menos fodida, e quando você nota, as lágrimas já escorriam há tempo por teu rosto. Pois é... pelo menos por esta noite você conseguiu exorcizar teus demônios...

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E lá está você, de frente pro rosto daquela que foi sempre a mulher de tua vida. A "mulher da vida de alguém" parece a coisa mais datada e piegas do mundo, e é exatamente o que você pensa enquanto o início de sorrisinho sarcástico começa a aparecer em teu rosto pragmático ao vê-la aproximando-se. E daí o turbilhão de emoções passa por tua cabeça é tão grande e tão inesperado que você não sabe bem o que dizer. Não depois de tantos anos. E gagueja... Gagueja?? Droga... Enquanto conversam, com toda a aura de aparente tranquilidade ao redor de vocês (e que você nem sabe bem porque te remete à imagem de um conto que leu, que tinha um lago com calmaria na superfície, mas cheio de turbulência na parte mais profunda), você vai lembrando de cada pequeno detalhe do jeito como a conheceu... a primeira vez em que teve coragem suficiente pra se assumir encantado de verdade por alguém, numa relação cujas bases de sustentação te eram de natureza completamente nova. Enquanto conversam você também observa o par de olhos enormes e melancólicos, e comporta-se como um adolescente nervoso e vacilante. Afinal, é a mulher da tua vida... e são as memórias das músicas que tocavam sempre que você pensava nela que te levam aos solos rápidos e harmoniosos de Dire Straits, com a voz grave do Mark Knopfler, ou à calorosa música do Gonzaguinha.

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4 da manhã. Você já está tão alcoolizado que até os movimentos mais simples como um aceno de mão estão comprometidos. O boteco é o pior pé-sujo que teus amigos conseguiram encontrar, e a forma como é decorado é de gosto extremamente duvidoso. Tem o colorido forte que provavelmente teria um cabaré imaginado pelo Almodóvar, com pinturas e bibelôs espalhados por todos os cantos, que oscilam entre a beleza simples da cultura peruana e a ostentação excessiva da decoração pretensiosa demais. A noite foi comprida e agitada, e vocês dividem espaço com os primeiros trabalhadores que começam a chegar e pedem seus cafés fortes e quentes, com os quais conseguem suportar uma manhã inteira de lida. Chega o prato de feijoada, tão quente que se forma uma cortina de fumaça na atmosfera já pesada, com o cheiro característico de cigarro e perfume baratos. A comida é gordurosa demais, mas extremamente saborosa... e você se pega pensando em que colocação poria aquelas pessoas numa escala imaginária de cuidados com o colesterol. E ali tem tudo o que você gosta. Feijão, cheiro de café, toalhas de pano quadiculadas, cerveja gelada e a sensação de vista nublada que vai precedendo lentamente o adormecer quando se está bêbado. E nesta hora sua vida é toda o som repetitivo dos lambadões agudos demais, ou dos boleros dramáticos e chorosos. Nesta hora, e levado por esta ambientação, você percebe quão importante é a Celia Cruz e toda a música cubana e caribenha na tua vida.

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E no final das contas você pensa... Quer saber? Se existe um deus, que ele seja música.. e que nos encante e abençoe em forma de melodia, porque é das poucas coisas que valém à pena nessa vida sem graça.
Amém.

(e este é outro texto que vai merecer uma segunda parte)

6 comentários:

Diógenes Pacheco disse...

Com os momentos para cada qual... é verdade.
Arriba, muchachos! :)

[]´s

(Engraçado. Sempre pensei que eram Dire Straights. Pesquisei na internet e descobri que é um erro comum, e que é Dire Straits mesmo.)

[]´s

Vinicius disse...

Pois é cara. Você bem sabe que tocou em meu ponto mais fraco: a música. Nos vários fins de semana em que passamos trabalhando juntos (incluindo garrafa de 51 e limões), nas nossas idas para o trabalho, já mais recentemente ou no dia em que nos encontramos na Casa da Roça a música sempre esteve presente. Porque, como você bem falou, Deus é onipresente, assim como a música.

[]'s

mg6es disse...

Mark Knopfler em voz, Almodovar em cena, Grande Leo em ação... Poesia pura, amor puro, e nossas musicas, mulheres e vidas... qtas idas terão as mulheres de nossas vidas?

vlw!
[]´s

Anônimo disse...

"Tudo bem simples
Tudo natural
Um amor moreno
Fruto tropical
Todas as cores
Que eu puder te dar
Toda a fantasia
Que eu puder sonhar
Eu pensei te dizer
Tantas coisas
Mas pra quê
Se eu tenho a MÚSICA, MÚSICA
Bom é bem simples
Sem nos complicar
E bastante tempo
Pra te amar."

Com música tudo fica "Bem simples" como diz o pessoal do Roupa Nova (sem provocação...tb gosto!:P)...

Belo texto, menino Léo!

Marina disse...

Lindo texto!

O que seria de nós sem música?! :P

Beijos! ;)

Anônimo disse...

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