quarta-feira, setembro 21, 2005

"Impressionantes Esculturas de Lama"


O ano era 1980, e eu, um pivete que corria pelas ruelas do meu bairro sob o sol quente tradicional da época e a fuligem da usina no auge da moagem. Cabelo grudado na testa pelo suor, pés descalços e artimanhas na cabeça, e para realçar, aquele porte magricela dos meus onze anos. Lembro-me como hoje a bomba que estourou naqueles dias. O governo militar dava seus ares de abertura, mas, o fato deixou no ar um certo medo, que, claro, eu sequer dei conta na minha correria de infante. O medo, hoje bem eu sei qual era. Rumores que ecoaram em todo o Pernambuco, davam conta da recusa de um padre italiano em celebrar uma missa pela independência no dia sete, sob a justificativa “da não efetiva independência do povo”. A recusa terminou com a expulsão do padre Vito Miracapillo, em 31 de outubro do mesmo ano, depois de exatos cinco vividos em Ribeirão, cidade agrária que fica a 50 quilômetros de Recife. Sua ligação com trabalhadores rurais era clara, e assustava os poderosos. Como também a sua admiração pelo “Bispo Vermelho”, e para mim, um dos mais decentes quadros da igreja católica, Dom Hélder Câmara. Fato é que o padre expressou seu protesto por meio de uma carta ao prefeito, e este correu ao seu padrinho, o então deputado estadual pelo famigerado PDS, Severino Cavalcanti. O puritano coronel, católico fervoroso, tratou de urdir com seus pares a trama da expulsão que em nome da civilidade nacional foi assinada pelo presidente João Batista de Oliveira Figueiredo.

Ali já estava se formando o caráter político desse ser que chegou ao ápice da carreira ocupando o 3º cargo mais importante do país. É certo que por meio de uma palhaçada, mas chegou. E bastou pouco tempo para que viesse à tona o arrependimento da oposição pela brincadeira de mau gosto. Arrogante, prepotente, intransigente, defensor explícito do nepotismo, e atualmente acusado de cobrar propina. Severino tem em seu currículo elementos suficientes para nunca mais voltar a exercer mandato algum. Vai optar pela via covarde da renúncia no afã de voltar às tetas em breve, e o pior, deve conseguir isso, graças a um curral que alimenta no interior de Pernambuco, onde é orgulho da cidade. Um sujeito que mal consegue argumentar sem gaguejar, não é capaz de fazer um discurso coerente de improviso, e diante das denúncias, para se fazer confiável, precisou ler um texto que seus cupinchas escreveram, e na pressão, gaguejou também. Não convenceu. Severino é contra a união homossexual, foi veemente contra a aprovação do projeto das células-tronco, mas, depois de o projeto aprovado, não hesitou em divulgar no horário político sua responsabilidade pelo fato. É um tolo que se acha. Para chamar a atenção na ONU, criticou os EUA por negarem o visto às delegações de Cuba e do Irã, e duvida-se que ele saiba por que motivo isso se deu. No auge da pressão, é daqueles que falam apontando o indicador, sem sequer perceber que há três outros dedos apontando para si mesmo. Deus é justo, e sua “expulsão” está por um fio. A máscara caiu!

Em suma, o ilustre deputado é um exemplo claro, e dos piores, de que a nossa responsabilidade de eleitores deve ser levada mais a sério, que a frase imortal de Tancredo, “O poder emana do povo”, não deve ficar na retórica, devemos sim, usar nossa arma para o nosso bem, o bem comum da nossa gente, e devemos também lembrar que o povo oprimido tem título de eleitor, e este, se se conscientizar de que um voto certo garante mais retorno que a venda de um voto errado, venda esta que garante apenas o feijão daquele instante; tudo pode melhorar à medida em que se fizer a faxina política devida no nosso país. Severino pode se afastar, mas outros “severinos” ficarão, e na própria mesa diretora existe uma metástase, passando pelo vice Thomaz Nonô, e o primeiro-secretário João Caldas, ambos de Alagoas, e de olho no desfecho da crise. Antes de ontem, no horário político gratuito (outra praga), Nonô já bradou aos quatro ventos que presidiu com “ética” a sessão que cassou Jefferson. Enfim, o nordeste nunca esteve tão forte no eixo do poder Federal, e Pernambuco tão decepcionado. Por hora resta se lamentar, e relembrar os bons tempos do grande Chico Science e seu movimento musical, que ganhou o mundo através de seus rios, pontes e overdrivers...

Salve, Chico!

3 comentários:

Vinicius disse...

Salve, Chico. Não só o Science, mas o Buarque e tantos outros Chicos e Franciscos desse país.

Olha, desde o primeiro dia que vi uma foto do Severino Cavalcanti, eu tive repulsa por ele. Da primeira vez que o ouvi, eu confirmei minha infeliz constatação.

Eu posso falar do meu nojo, da minha vontade de vomitar quando vejo aquela figura pífia, ignóbia e úmbria na televisão. Quando ele fala, morre um intelectual, porque sua fala é lamentável e louca. Somente no hospício seu discurso pode ser entendido na totalidade.

Só para terminar: um homem que defende o estupro não é dígno de ser nem o pior dos seres humanos, muito menos ocupar o terceiro cargo da república que, apesar da palhaçada, constará eternamente nos autos do nosso país, cheio de árvores e gente dizendo adeus...

Fábio Farias disse...

Concordo em vários pontos propostos. Inclusive a do grande Chico Science. Sobre o Severino, não é querendo defende-lo, mas creio que a saida dele do poder se deve a, talvez, uma jogada politica da oposição para conseguir o poder. Se o impeachement contra o presidente Lula se concretizar, e "provarem" que José de Alencar(ladrão) é um ladrão quem assume possivelmente será o PFL. Aì estamremos vendidos. Outro ponto que gostaria de comentar é sobre o voto. Na minha opinião só haverá mudança se o voto passar a ser facultativo. Com o voto obrigatório e com o povo imediatista que temos, muito provavelmente esses que sairam do poder, voltarão.

è triste, mas é o Brasil

Diógenes Pacheco disse...

"Quem tem fome, tem pressa". É pressa demais. Como é que faz?
"Mas vem de tudo na água suja, escura, espessa, desse rio Severino / Morte e vida vem"

[]´s