quinta-feira, novembro 03, 2005

Dos Gerais.

Dava passos rápidos sobre suas velhas sandálias de couro, inexatos pelo peso do fardo que carregava no lombo. Sua pouca magreza era protegida do sol impenitente pelo grande chapéu de palha, e pela velha e já amarelada camisa branca de mangas compridas. Sob a calça suja de terra, dobrada até perto do joelho, o suor escorria, misturando-se com o barro e transformando-se em lama.
O caminho à frente era mesmice e desalento, tudo que se via era chão seco e céu, para a frente e para trás. Ele pensava que de vez em quando podia ter menos um toco de árvore, ou uma pedra grande, ou quem sabe um morro, para ele saber que andou um tanto até chegar nele e outro tanto até o morro sumir de novo.
Lá pelas tantas, com o sol a pino, ele vê ao longe a estrada.
Aperta o passo quanto podem seus joelhos cansados, chega na estrada. Anda mais um pouco até um velho abrigo de taipa ao lado da pista. Lá, com cuidado, põe à sombra sua carga, e trata de se limpar quanto pode sem água. Atenta para a estrada, senta ao lado da trouxa, espera.
O tempo cresce de um jeito assustador quando se espera por ele. Ele só pensa que a qualquer hora passa um caminhão. Carro pequeno não para. Tem que ser caminhão.
E o sol desce aos poucos, trazendo consigo a brisa da tarde, esfriando suas roupas encharcadas de suor. Faz frio. Ele sente o torpor do cansaço, mas não pensa em nada - mantém os olhos fixos na estrada.
Passa um carro pequeno rápido. Ele abana o chapéu, mas o carro não para. Pela primeira vez em horas, meio que sem querer, sai um som de sua garganta.

- Aara! Ôooux!

Volta e senta no mesmo lugar, e espera. E quando se percebe dando cabeçadas de sono, prestes a não suportar, canta uma música.
“O Senhor é o meu pastor / E nada me faltará / Nada me faltará”
O sol vai quase se pondo. Passa um caminhão, ele abana o chapéu e nada, e não tem nem tempo de pensar, vê outro apontando lá de longe na estrada.
De impulso, corre até o abrigo, volta com uma mulher nos braços, e fica no meio da estrada. O caminhão, de longe, dá luz, mas ao chegar mais perto, apaga o farol, diminui a velocidade e pára.

- Que é isso, sô?
- Minha esposa tá doente, senhor! Pelo amor do nosso Senhor Jesus, o senhor pode levar a gente até a cidade?
- Uai! Entra logo no caminhão, sô! Que é que ela tem?
- Eu não sei não, moço. Ontem à tarde ela começou a desmaiar. O menino me contou de noitinha, quando cheguei de volta do roçado. Andei a noite e a manhã para chegar na estrada.
- Sêo trabalha onde?
- É nos gerais, sim senhor.

E ao falar isso, sentiu uma tristeza doendo fundo no peito, uma lágrima se formou no seu olho, mas ele não deixou ela descer.

- É só o que eu sei fazer, sabe, moço. Mas é muito ruim. Quando a mulher e o menino adoecem, quem cuida?
- E o menino? Ficou com alguém cuidando?
- Não precisa não, não senhor! O menino tem dez anos já. E fica com o trabuco, pra se tiver precisão.

Ajeitou a cabeça da mulher no colo, sobre um pedaço arrancado do pano com a qual a carregara, colocado cuidadosamente para que ela não se molhasse com suas roupas encharcadas.

- O senhor se importa se eu perguntar sua graça?
- Meu nome é Clébson. E o seu, meu amigo?
- José dos Santos Honrado, ao seu dispor, sim senhor.

Clébson percebia o cansaço do homem, visível nos olhos fundos vermelhos e nas olheiras destacadas pela pele grossa.

- Dorme um pouco, sô! Já andou muito! É melhor guardar as energias pra lá na cidade.
- Agradeço, mas estou bem, sim senhor.

Disse isso e manteve-se olhando para a estrada, calado. Em menos de dez minutos, desmaiou para trás, com os braços cruzados e a cabeça na dobra do recosto.
Clébson tirou o pano que deixava sobre as pernas, para aquecer, e ajeitou sobre os braços do carona. Pensava consigo mesmo nesse povo dos gerais, quanto sofria, e pensava que não tinha jeito mesmo. Ligou o som baixinho e colocou o disco de Elis, tocando “Romaria”. Mal começou, tirou. Colocou Mercedes Sosa, cantando ”Los Hermanos”.
A lua era cheia e o céu estava limpo. Duzentos quilômetros de asfalto esburacado, ainda, até Jacobina. Cléber toma uma pílula para o sono, joga a marcha, e avança contra a ladeira.

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(Continua...)

4 comentários:

Anônimo disse...

É, velho...
Vida do sertanejo não é fácil, não...
Espero a continuação da história.
O que é que você está aprontando para ela? :)
Abraços.

Ban disse...

conheço isso de perto, sou de Guanambi, interior de nosso estado.
Lá é gerais, gente passa fome e sede, gado morre à beira da estrada e o que vemos surgir da terra é miragem...

escrevi algumas vezes sobre isso, mas a saudade nao têm me permitido escrever mais sobre miséria, quero ver a felicidade por lá. Deixei de escrever sobre eles, pois, como descrever felicidade em quem passa fome?

Anônimo disse...

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