quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Pisando os dias.

É assim: primeiro um escuro faminto engolindo tudo, um pano grosso e gentil nos olhos, uma coisa absurda e lentamente adivinhada. Onde eu estou? E se o chão de repente se recusar a ser chão? E se ele se achar gordinho e murchar o estômago de chão, eu... eu... eu vou cair? É muito fundo?, eu... vou... morrer...?
Mais aquela dor de cabeça toda, aquele esforço em saber o que não é sabível enquanto não for pisado. Uma neosaldina e um travesseiro, sim? Amanhece. Agora é assim: uma fresta de luz, uma janela de luz, um sol inteiro. Clarinho, claro, clarão. Zão. Ah, o susto. Além da dor, evidente, mas susto dói mais que os olhos: a mão não alivia. A sandália virada, a roupa suja, o vinho e o vidro perigosos no corredor, o cachorro agonizando na varanda, a roseira brotando espreguiçada e manhosa no meio da sala; a consciência – a mão não alivia.
- Olha, morreu.
Ver. O horror está em ver. Está em estar. Em não fugir do próprio corpo, mais ainda – de si próprio, em saber a delícia e o sangue, ah, tão próximos, tão seus.
- Me leva de volta a onde eu estava protegida do estado de vivência? Eu quero meu casulo, meu pano, minha expectativa, minha ignorância, meu supor que, meu quase.
Burra, não. Sabida. Sabida até demais, só que verdinha. Natural. Sempre assim, depois do clarão, a recusa. Um empurrar de prato com cara feia de quando se tinha quatro anos. É que aos quatro anos não se sabe o quanto um creme de espinafre é gostoso. Depois de um tempo, é assim: !



Esta foi Ana. Uma amiga, sobrinha, companheira de letras, escritora, poeta, dona de uma sensibilidade literária ímpar. Ou, algo assim...
*mais do mesmo em: www.agua-morta.blogspot.com

2 comentários:

Marina disse...

Adorei o texto!
Parabéns pra Menina Ana! ;)

Avó do Miau disse...

Expressões digitais é um belo titulo!
Estou cada vez mais fascinada com os blogs brasileiros, parabéns!
Vocês são um povo muito criativo!