domingo, março 12, 2006

Dos medos que tenho...

Eu morro de medo de cobra. Minha irmã tem medo de fantasma. Eu também poderia morrer de medo de fantasma, mas só tenho medo de cobra. Meu pai diz que não tem medo de nada, mas não assiste filme de terror... Um amigo meu, valentão, disse que só tem medo de encontrar o diabo. Eu também poderia ter medo do diabo, mas eu tenho medo de cobra, porque a gente só tem medo do que não pode ver. Já tive muito medo da solidão. Hoje não. Hoje tenho medo de cobra, porque o pavor está em não vê-la. Não saber onde está. Já a solidão ta logo ali. Vem e volta, bate e se acalma. Ninguém mais tem medo da solidão. Nem eu. Agora só tenho medo de cobra.
Quando você passa a ter medo só de cobra, a vida pára. Fica um tanto sem graça. Acho que na verdade, a graça está em ter medo de ligar pra saber como está. Tem graça ter medo de se perder no caminho, tentar tomar de assalto um coração cheio de espinho ou embarcar numa bad trip só pra saber se volta.
Meu primo de 21 anos ainda tem medo de escuro. Eu também tenho medo de escuro, outro além da cobra. Mas penso em perder o medo de escuro e ficar com medo só de cobra. Perder o medo é como levar um tiro de escopeta na cabeça. Não tem volta. Mas por enquanto eu sigo com medo de cobra e escuro.

Quando eu era criança eu tinha medo de Deus, porque minha mãe dizia que se eu fizesse algo errado ele me castigaria. Eu achava que o castigo de Deus era ele me pegar e me jogar do céu aqui no chão. Então eu tinha medo da dor de cair do céu pelas mãos de Deus. Eu tinha medo do diabo, porque eu não queria vomitar nem ficar com a cara verde, rodando a cabeça. E tinha medo de Cristo, mas esse eu não sei explicar. Antes desses medos todos eu tinha medo da Cuca e do Saci-pererê. Sempre que minha mãe me mandava fechar os olhos para lavar minha cabeça eu tinha medo de abrir e descobrir que minha mãe havia se tornado a Cuca. Até hoje eu fecho os olhos com medo de abri-los e encontrar o que não quero.

Hoje eu tenho medo de cobra. Na verdade eu vivo atormentado por pensamentos estranhos. Perseguição e doença. Porque eu sou hipocondríaco. Daqui a pouco vou fazer uma ultrassonografia nos olhos. Você conhece alguém que fez uma? Pois agora conhece. E hoje à tarde vou ver o médico do joelho, porque sigo há dois meses com dores no joelho direito. E não jogo bola. E não corro. E não faço qualquer atividade física. Mas meu joelho segue doendo há dois meses. E eu sigo com dor no joelho direito e com medo de cobra.

E tenho medo de ficar louco. Minha avó por parte de mãe é louca e dizem que a segunda geração herda a loucura. Meus pensamentos oscilam entre a sanidade e a loucura, então eu não sei se estou ficando louco ou se de fato as pessoas me perseguem. Mas a verdade é que eu sei que as pessoas me perseguem. Eu sinto no ar que tem alguma coisa acontecendo. Então eu saio na rua com medo de gente e de cobra. Porque eu odeio lugares com muita gente. E odeio ainda mais a solidão, por isso não gosto de usar escadas de grandes edifícios: você sempre vai ouvir vários passos enquanto caminha sozinho. E eu sempre ouço passos com os meus, e não são de Deus, porque ele sabe ser silencioso como uma manada de elefantes correndo do meteoro que se chocou em Santo Antonio de Jesus na madrugada de 08 de março. Foi a maneira sutil que Deus encontrou para comemorar o dia internacional das mulheres. Acho que meu medo de Deus está voltando. Assim como aqueles que me perseguem e as cobras, que vivem me metendo medo.

Mas a distância entre intenção e gesto é a mesma que separa o medo da valentia. Acue-se e o medo passa. É como levar um tiro de escopeta na cabeça. Não tem volta.

Só para terminar, quero ressaltar a benevolência e bondade quase divina de nós homens, que cedemos um dia do nosso calendário anual de dias para dedicar às mulheres, que se agraciam por tão pouco.

Viva o dia internacional da mulher – 8 de março. Fiquemos nós, homens, com os outros 364 dias intergalácticos dos homens.

***

It's just a joke...

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4 comentários:

Anônimo disse...

Fantástico o texto cara. Coeso, dentro do limite entre a prosa e o verso. Repetido quando deveria, sem exageros.

Parabéns.

Leonardo Caldas disse...

eu tenho medo de baratas...
e de ficar cego tb
tinha medo de não conseguir me entender direito...
hoje continuo sem me entender... mas o medo eu perdi. já não ligo.

e você não é nada de maluco, que eu sei que não. se você for, que que eu falaria de mim? :)

Anônimo disse...

Eu tenho medo do escuro e de ficar sozinha. Tenho medo de muitas coisas, mas não tenho medo de ler textos lindos como este. Parabéns.

Marina disse...

Eu tenho medo de baratas também!!!

Adorei o texto, Vini! Muito bom! Bjus.