quinta-feira, setembro 14, 2006

Revoadas.

O comentário do momento era a minha covinha de um lado só. Melhor que conversarem sobre o quanto eu sou chato – assunto anterior.
As três fumavam com vontade – eu o conseguira com algum custo, naquela cidade estranha -, e à medida que o tamanho do baseado diminuía, tudo ia ficando mais divertido.
Eu apenas acompanhava com minha cerveja e um Hollywood, que eu não gosto. Maconha teve jeito, mas parecia não haver sequer um Carlton disponível em toda a cidade.
Eu anotava coisas no caderninho. Anotei, numa vontade de pensar algo, separando espaços para o que viesse, as palavras "Mulherzinha", "Saidinha" e "Maluquinha". Nada sobreveio, a não ser a tentativa de desenhá-las, limitada por meu parco talento gráfico.
Anotei umas metáforas que me surgiram ouvindo as músicas, e que àquele momento me pareceram interessantes – “Acostumar-nos a olhar o mundo de seu vale para o alto.” e “Esquecer o cosmos e se concentrar no relógio”. A primeira nem sei mais o que foi. A segunda, muito mal construída esteticamente, vinha da lembrança do quanto eu costumava a pensar nas, com o perdão da expressão batida, “grandes questões”: origem do universo, ideário socialista, análises da história a partir da máxima de que é contada pelos vencedores. Um dia passei a trabalhar pra caramba, estudar mais um tanto, e há anos não tenho tempo para pensar em quase nada. Ser adulto tem um certo potencial de limitar a mente.
A única conclusão foi de que estou a um passo de escrever auto-ajuda. O que é pior: a partir de uma possível auto-piedade. E de má qualidade, diga-se.
Tem uma crônica - se não me engano é do Mário Prata -, sobre o que ele chama de Passarinho, na literatura. Resumindo, fala de um princípio de incêndio que teve no terminal rodoviário, que não deu prejuízo nenhum e nem pegou em nada, e o repórter que foi cobrir, precisando de notícia, só conseguiu levantar a informação de que foi perto de uma gaiola, mas que o passarinho estava bem. Tascou a manchete “Chamas na Lapa ameaçam a fauna carioca”, ou algo assim.
O gosto por escrever, sem viver, vem sendo uma dupla frustração. Frustração no ato e na hora que repasso o tempo, na memória, para gravar no papel. Ou talvez eu não esteja olhando do vale para o alto.
Talvez, ainda, no alto, ao menos ao escrever, deva haver umas belas revoadas. Anotei isso, também.
Mas isso tudo são digressões sem tempo certo. Naquela hora eu estava tenso, escrevendo, desenvolvendo outras linhas de pensamento, e quando dei por mim elas estavam nuas, sob os lençóis de seda, sob a lua mansa. O cheiro de maconha escondia seus perfumes, denso, vindo pro meu lado com a brisa leve que dançava na noite.
Fechei o caderninho no meio de um rabisco esquecido, e fiz questão de não olhar as horas enquanto tirava o relógio. Um galo cantou, pouco depois, mas eu já tinha percebido, nas noites anteriores, que ele errava os horários.
E , sujamente contente, ao dormir, dessa vez eu sonharia com o dia que passou.

[]´s

6 comentários:

Vinicius disse...

Fantástico o texto. Muito bom cara, muito bom.

Abraços

mg6es disse...

Ja passei sem Carlton numa cidadezinha qualquer. Maconha sempre tem. Incrivel o "poder de penetração" no mercado. E escrever segue sendo esse paradoxo dor-prazer.

Massa o texto!

[]´s

Diógenes Pacheco disse...

Pô, galera. Perdi o encontro. Fiquei chateado por ter dado errado. Foi mal.

[]´s

Anônimo disse...

Belo texto...
Ah! Hollywood faz mal a saúde, devia tentar algo "mais natural".
Bejos!!!

Anônimo disse...

Passa lá no http://civilizados.naselva.com/
E, quem sabe, você não dá uma canja por lá? Aliás, todos daqui são ótimos, estão de parabéns!

Um grande abraço!

Equipe Selva

Anônimo disse...

Muito bom, meu amigo... É legal perceber isso, que o mundo da escrita é autônomo, e nos permite viver, remoer, e pensar coisas que não têm espaço no mundo que qa gente compartilha com o resto do mundo. A escrita é um ato solitário, onde a gente é jogado diante de nós mesmos. Falei demais. É a vodka.