quarta-feira, julho 13, 2005

Ilusão de Ética

Maceió, 13/07, 10h26m.
Resumo: hoje, agora há pouco.

Estou no gabinete em silêncio, atrás de mim uma porta fechada, a que dá para sala de tv. À minha direita, uns três metros me separam da outra, esta a que leva ao corredor onde trafegam pessoas, um vento glacial companheiro do inverno, e, vez por outra, uns desses vultos que se dissipam a um simples girar de pescoço em sua direção. Há quem diga ser apenas ilusão de ótica. Creio que em toda casa há mais habitantes que os que sentam à mesa na hora do café. Estou acomodado em minha cadeira, e esta bem poderia ser daquelas giratórias, e bem poderia eu estar ladeado agora por uma secretária balzaquiana com cabelos devidamente presos, uns óculos de armações grossas, e uma indefectível caneta entre lábios.

Resumo: uma cadeira, um clichê e eu!

Diante de mim um laptop ligado. Aqui usamos uma dessas engenhocas práticas e insólitas. Mas o nosso é fixo, não é dado a perambular na sua maleta pelo caos urbano, limita-se a atender aos apelos do nosso caos mental. Abro - e já é automático – o meu arquivo de Word cujo nome é “Improvável” e dou um “ctrl end” para não me distrair com fatos antigos. É ali onde guardo toda e qualquer idéia, palavra solta, poema, texto, e afins. Com a minha doce obrigação da quarta-feira devidamente desenhada começo a digitar. Paro. Antes preciso quebrar levemente o silêncio com uma pequena dose de música. Que tal Eric Clapton? Riding With The King começa a tocar baixinho. Tocando blues esse gênio é um cara!

Bem, hoje quero falar sobre um sonho que tive, e começo:

Lembro-me com clareza de quando a vi pela primeira, e única vez, sentada no velho píer de madeira rústica da marina da Praia Velha. Tinha nos olhos a calma diáfana de quem vagueia por sonhos alheios, contemplava o horizonte como se buscasse verdades na mais ínfima parte daquele mar colossal que à sua frente deitava ondas como o serviçal mais obediente. Dessas ondas respingos lhe chegavam incólumes aos pés, como se implorassem a sua atenção... Paro!

Alguém me interrompe, é Alex, o meu secretário. Este tem o dom de aparecer quando não é chamado, e de sumir quando eu preciso. Trazia nas mãos a Veja dessa semana cuja capa ostenta um Lula pensativo ao lado de uma pergunta muda: “Ele sabia?” nada falou, apenas me olhou com sua cara de cachorro que caiu da mudança, pousou a revista sobre a mesa e saiu.

Resumo: Lula, um dilema, e eu!

O que escrever agora, depois que o sonho escapou-me? De chofre me veio à mente um fato passado, uma frase solta:

“Se partido fosse coisa boa não seria partido, seria inteiro”.

Um trocadilho infame que alguém soltou numa mesa de bar certa vez, mas que se instalou na minha memória qual um desabrigado de um furacão. Nunca mais o esqueci.

Mudei de rumo, e saiu o que segue abaixo:

Eles vêm fazendo história desde o período do Brasil Império, os partidos políticos são hoje inerentes ao estado republicano. Cresceram, tomaram formas distintas entre si, e se transformaram em representantes do pensamento do povo no poder. Na teoria. Uns se firmaram no meio, participaram ativamente de mudanças importantes no país, e seus principais representantes ainda hoje são usados como referências na hora de pedir votos, e aí entram Getúlio, Brizola, Arraes, dentre outros. Há também outras legendas históricas como o atual PFL, que já foi PDS, e que sempre foi situação, posto que até durante o regime militar alguns de seus quadros foram colaboradores sem cerimônia. Atualmente este vive um momento de oposição, ou seja, quando vidraça vira pedra.

Nascido no berço da classe operária, o Partido dos Trabalhadores teve uma ascensão gradativa e sólida no campo político brasileiro, e desde o início pautou sua história na seriedade e na ética. E na esquerda. Virou uma espécie de partido da moda, quando passaram a militar em sua frente grandes nomes da cultura nacional, como atores, cantores, escritores e intelectuais de toda sorte. Seu ícone, um operário de origem pobre cujo único cargo efetivamente político exercido fora o de deputado constituinte, lutou para chegar à Presidência da República e o fez depois de várias derrotas. Era o governo da mudança, que viria acabar com a “inércia” da social democracia do governo anterior, este que carregava a fama de ter “apenas” acabado com a inflação.

Um dia me flagrei usando um broche da estrelinha, e apertando o número 13 na urna eletrônica. Pela seriedade de Suplicy, a voz aguerrida de Heloisa Helena, e a própria história de vida de Lula. Eu estava votando consciente. O PT era um partido confiável, e em meio ao lamaçal político sempre estava à margem. Até que veio um vento e redirecionou a nau, e o partido ético virou vidraça. Chegou ao ápice, ao cerne da lama, e não teve o equilíbrio necessário para não pisá-la. O poder encharcou a bandeira da seriedade, da moralidade, um vendaval entortou seu mastro. Denúncias mil sobre corrupção, propinas, empréstimos escusos e outros afins. Armou-se o balcão, a forma mais sórdida de fazer política, trocaram Marx por Maquiavel.

O caos instalado atualmente serve para justificar a frase que abriu este texto. Minha estrelinha em forma de broche hoje habita o fundo de uma gaveta qualquer, e sem planos de volta ao meu peito. Talvez seja um caso de decepção momentânea, e amanhã, dentro dessa metamorfose que é viver, eu mude de idéia, ou pelo menos consiga desmistificar dentro de mim que o que via no PT era uma ilusão de ótica. Ou seria mera ilusão de ética?

Resumo: Comecei na intenção de contar um sonho. Desisti. E acabei falando sobre um sonho que tive.

Luz e Paz!

6 comentários:

Marina disse...

Eu tinha uma estrelinha dessas também! :~~~ E também sonhei com as mudanças... e fico triste quando vejo o Lula hoje... não vejo mais o PT ali... Enfim... Ah, esse papo de fantasmas foi muito sinistro! Tenho medo! rsrsrs... :P Beijos

Anônimo disse...

Ontem fui assistir ao show de Guilherme Arantes, ele comparou os partidos políticos do nosso país as prostitutas em um dos seus longos comentários. Depois da minha burrice no ar sem enteder tal comparação, ele resolveu ser mais objetivo: os partidos políticos do Brasil são como prostitutas, basta jogar dinheiro e elas mudam de posição.

Diógenes Pacheco disse...

Eu sou teimoso. Continuo acreditando. Ainda que percebendo que não são mil maravilhas.
No mínimo, assunto para amanhã eu tive.

[]´s

Anônimo disse...

Vamos por partes: Adorei "ver" vc na sua intimidade, que descrita com precisão, inclusive em distancias,me deu oportunidade de me colocar ali, ao seu lado...Até a presença do Alex foi interessante, de certa forma ele tmb fez parte. E quem sabe não faço parte dos vultos, dos que habitam os espaços sem serem convidados?

Sobre a atual situação do partido dos trabalhadores...estou tão abismada que passei da decepção a vergonha...é um sentimento de responsabilidade pelo q esta acontecendo, pelo ridiculo dos meus inflamados discursos, na verdade não sei onde enfiar a cara! E o pior, e agora o que fazer? Que pensar...devemos desistir de sonhar por um país mais digno ou entrar na onda e ser tão corrupta quanto?

Anônimo disse...

Não ser o que já fomos é simples quando pensamos em não ser aquilo em que tão bravamente acreditamos... E o que ser, pois? Esconder-se no fundo da gaveta é uma pseudo-solução prática e rápida para os momentos de fome ou enjôo. "Mas doença, meu bem, a gente cura, não esconde..." (minha mãe) E o que fazer então? Algum remédio ou tratamento eficaz pra desilusão? Não... não conheço...
"não veio a utopia/ e tudo acabou/ e tudo fugiu/ e tudo mofou./ e agora, José? [...]José, para onde?" (CDdeA)
Há a esperança de ainda haver esperança. Ela demora a morrer, mas quando morre... o que resta?
Vamos fugir e pensar em outra coisa. Pelo menos agora que a realidade nos grita...

Anônimo disse...

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