quarta-feira, setembro 28, 2005

Breve olhar sobre a vida de um homem


Um cheiro inebriante de coisa boa invadiu a sala, pouco antes de quebrar a esquina que vem do hall de entrada da mansão, um vestido solto e curto, ornado em estampas de pequeninas e delicadas flores sobre o fundo branco do tecido, este, que pela leveza com que se moldava àquela malemolência, qualquer leigo diria ser seda. Olhando de baixo para cima, o vestido começava a um palmo e meio, quase dois, acima do joelho, mais precisamente, nas imediações de um belíssimo par de coxas, coisa que bem se poderia dizer, fora esculpida à mão; e terminava em duas finas alças quase inúteis, posto que aqueles belos seios gravitacionais e seus mamilos, de tão intumescidos, fariam o seu papel. Por dentro do vestido, a recheá-lo e dar-lhe formas esculturais, um exemplar da raça feminina de ímpar beleza se insinuava docemente numa direção da sala, como se fora algo premeditado. De rosto e pele inefáveis; melenas em desalinho; boca em lábios brilhantes, e úmidos; olhos de um verde nunca visto, e olhar de promessas inimagináveis. Era a Ruiva.

No ambiente, num volume agradável, tocava uma música suave e sensual. Mais ao fundo, numa confortável poltrona de couro, sentado estava um homem. Metido em seu roupão de seda estampado com motivos indianos, aquisição feita na sua última estada na Indonésia. Seu porte atlético escondia-lhe os verdadeiros anos vividos, apesar das entradas já bem adiantadas a partir da testa. Lia um jornal estrangeiro, e que aberto totalmente, o fazia desperceber o que se passava à sua frente, além do cheiro bom que percebera sem se distrair pouco antes. Trazia as pernas cruzadas, e um leve balançar de pés, estes calçados em chinelos rústicos importados da sua última peregrinação às montanhas do Himalaia. Era o Multimilionário.

De pé, mais ao canto, com todos os paramentos na vestimenta, um homem sisudo e compenetrado, com olhar fixo num ponto da parede longínqua, de certo evitando o que se passara ali, à sua frente. No ante-braço um grande guardanapo, e ao seu lado numa mesa com rodinhas, um balde de prata legítima guardava uma garrafa de Möet Chandon inundada em gelo, e as respectivas taças aguardando o precioso líquido. Era o Mordomo. Na medida em que a Ruiva se aproximava em seu balé lascivo, o mesmo pigarreou quebrando a beleza melódica que inundava o ambiente, para que então seu patrão se desse conta do enleio a ele reservado.

Uma piscadela da Ruiva para o Mordomo e a música baixa foi trocada. Agora em alto e bom som explodiu na grande sala a voz rouca e sensual de Sade, em Paradise. A Ruiva encarnou sua alma stripper, e iniciou o show. O Mordomo se retirou discretamente, mas antes distribuiu o champanhe nas taças; a sala se encheu de um ar excitante, o Multimilionário dispensou o jornal, a inquietação tomou-lhe conta, o cruzar de pernas, as mãos sem achar lugar. A Ruiva se aproximou e pegou o champanhe, uns morangos que surgiram por osmose; e cada vez mais perto, num balé serpenteado, provocava o Multimilionário. Ele levantou, desfez-se do roupão de Java, e entrou no jogo de corpos, numa espécie de "quer-não-quer". Negação. Promessa. A música agora era No ordinary love, ainda de Sade. E veio o beijo, o joguinho se intensificou com a queda do vestido, que escorreu pelas curvas da Ruiva, como água. Despido, aquele corpo tomou mais ares de escultura, agora, se excetuando de tal apenas pelo púbis tenro e ruivo. Nus, dois corpos sedentos se entrelaçaram ali mesmo, dançando, beijando-se, no compasso da melodia. Inconscientemente se deitaram, foram entre o atrito se desvencilhando das resistências, e logo chegaram a tal horizontalidade que, os encaixes perfeitos por si só foram feitos. Ao som de uma música que para eles, àquela altura era inteligível, já que o idioma sussurrado e sem nexo é particular dos amantes sedentos, só eles entendem; amaram-se com sofreguidão, sob o testemunho de um tapete persa, mimo dado para si mesmo na última estada em Istambul. Mãos e boca, entre pêlos e apelos, seguiram até o ápice, ao que chamam os franceses de la petit mort, a explosão final; Supernova, a morte da estrela. O orgasmo. Exaustos, dois corpos caídos sob o pálio imaginário do pós-morte, e o Multimilionário em seu sorrir adormeceu, indo despertar pouco depois com um forte cheiro de fumaça vindo de um fogão à lenha. Abriu os olhos, e deparou-se com a cena: a Negra, sua esposa, com uma vassoura de piaçaba numa mão, chaleira de água fervente na outra, cabelos aramados e presos à força por um lenço roto e sujo; três moleques remelentos e barrigudos a chorar, e uma frase peculiar e carinhosa:

“Acorda, vagabundo! Não vai catar lixo hoje não?!”


Ps: entrando na temporada “inspirado em”, aviso que qualquer semelhança entre pessoas e fatos já citados aqui, não terá sido mera coincidência.

2 comentários:

Vinicius disse...

A paudurescencia deste texto é algo excelente. Eu já estava aqui me imaginando com essa ruiva, lembrando que conheci algumas, não necessariamente ruivas, mulheres esculpidas e maravilhosas.

Mas o final do texto defende o meu próximo, que escrevi ontem, quando parei para tomar um café e pensei nas minhas loucuras que são pensadas nos intervalos entre o café, o trabalho e o café.

Marina disse...

Hehehehe
Muito ótemo!

Esse multimilionário está rendendo! :P

Beijos, amore! ;*