quarta-feira, setembro 14, 2005

Quando entrou setembro...

Na janela do meu quarto tem um toldo, desses comuns de função dupla, que ora protege do sol, ora da chuva. Na verdade, essa primeira função ele não exerce com tanta freqüência, já que o sol chega à ela de forma discreta, assim meio tímido, como quem nada quer, entre a folhagem de uma mangueira frondosa. A melhor época do toldo é de fato no inverno, quando acentua o barulho das chuvas, principalmente as noturnas, som do qual eu gosto muito. Por vezes perco o sono sem nenhuma culpa para ouvir a chuva deitar-se por toda a noite naquele pedaço de lona acústico. Porém, pensando bem, sinto culpa sim, não por mim, mas, quando me lembro que àquela hora, em algum lugar da cidade existe alguém com frio, sem teto, na rua.

A noite passada foi dessas de chuva e sem sono. Quando consegui dormir o barulho havia se reduzido a umas poucas gotas nas poças de água que se formaram durante o processo, e o tímido sol já vinha descortinando o pouco que sobrou da madrugada. Acordei cedo, ou melhor, despertei pouco depois de haver dormido, e como, para mim, acordar cedo não significa levantar da cama, fiquei deitado apreciando o movimento sutil das réstias de sol que bailavam no tecido alaranjado do toldo, cena que via através do vitrô que orna a parte superior da janela. Esperei ali até a hora de começar as chatices diárias, que atendem pelo nome de fisioterapia e outras cositas mas. Nesse ínterim, chegou meu secretário, que ao meu sinal logo abriu o dia lá fora. De leve, uma brisa doce com cheiro de terra molhada entrou no meu espaço, tocou-me o rosto com suavidade, como uma carícia, e se instalou, preenchendo o ambiente. Outro sinal, e ele abriu a outra porta daquele dia, que de tão intenso parecia explodir para dentro do quarto, apesar de o sol desse fim de inverno ser um tanto indeciso. A vontade de contemplar a paisagem que se desenhava na tela lateral venceu a disposição de fazer exercícios.
Fiquei sozinho, e logo me veio à mente um tempo em que podia me debruçar ali, e observar com calma a vida simples da natureza transcorrendo. Pois é, tive tanto tempo para isso, mas, a correria diária me impedia. Saía cedo e correndo, posto que nas noites anteriores eu sempre dormia tarde, e assim, mal tinha oportunidade de abrir aquela janela. Era um tempo de trabalho, farras com amigos, e navegação pelos mares dos amores temerários. Em comum com o que sou hoje, há apenas o gosto por escrever, o que eu fazia nas madrugadas que passava em casa, entre cigarros e meus rabiscos em papeis toscos e português revolto; que por sorte, as namoradas “cegas” mal liam antes de amassar.

Mesmo assim, sem me debruçar, imaginei que lá fora àquele instante, nas árvores que povoam o vasto quintal, bem poderia estar havendo uma convenção de rouxinóis, pardais, bem-te-vis, sagüis, no intuito de discutir acerca dos desmandos do homem com o meio ambiente. Mais ao lado, dois beija-flores dividiam pacificamente a seiva de umas poucas Lágrimas-de-Cristo, alheios à palestra da qual se avizinham. Enquanto formigas e cigarras se fartavam num banquete de folhas; no céu bailavam nuvens a mudar de forma sob o comando da imaginação de quem as olham; é a vida sendo ali, há uns poucos metros da minha cama. Lembrei do jardim de nossa amiga Ercília, minha rosa lá, a esperar que eu a colha.

Veio a coragem e iniciei os exercícios. Agora, com o rádio ligado numa estação sóbria a tocar músicas calmas, e boas. As lembranças se fundem com o som, e a vida mais que real pulsa à minha frente. É então que me dou conta de que a voz que sai do rádio é a de um dos rapazes do Clube da Esquina, um mineiro tranqüilo e terno, que um dia falou “que o medo de amar é o medo de ser livre para o que der e vier, livre para sempre estar onde o justo estiver...”. Beto Guedes e suas canções de sol, setembros e primaveras. E penso como seria bom que canções assim tivessem o poder permanente de tocar corações, sempre que tocassem nos rádios dos mais longínquos pontos do universo, abrindo assim fronteiras, vencendo distâncias, voando no vento da paz, da harmonia e do amor...

Saí do quarto e deixei ecoando pelo corredor esta canção:

“Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos,Quero ver brotar o perdão onde a gente plantou juntos outra vez...”





6 comentários:

Leonardo Caldas disse...

e daí me vem à mente alguém, por trás duma janela perdida num subúrbio qualquer, observando a inércia do tempo acontecer, impotente por saber que não muda mais o que foi, ao tempo em que o corrói o pensamento do que poderia ter sido... e eis a música da minha vida... é doentio e extremamente melancólico... e ainda assim, é lindo.

"a winter's day, in a deep and dark december
i am alone, gazing from my window
to the streets below on a freshly fallen silent shroud of snow
i am a rock... i am an island..."

Anônimo disse...

Love...
Eu sou toldo no verão... ouvindo o barulho das crianças brincando...
Amo...
Beijos!!!
:* :* :*

Diógenes Pacheco disse...

O tempo correndo macio.
Para mim, falta um tanto, ainda.

[]´s

Vinicius disse...

É incrível como você transporta sua realizada, nas palavras escritas, para quem lê.

É incrível a qualidade da sua poesia.

É incrível.

Marina disse...

Que texto lindo, Mu!
Eu tb adoro ouvir barulho de chuva quando vou dormir e quando acordo... Acordar ouvindo a chuva é bom demais! :P

Beijos. ;)

Anônimo disse...

That's a great story. Waiting for more. Canadian pharmacies and phentermine Floor mats - 0.87 divorce tony robbins Lawyer bartleby significance Karcher power washer accessories Divorce quote cyberspace gambling black jack drop arm sofa oldsmobile cutlass supreme gs Bellefontaine dentist special colored contact lens 1999 bmw 740 Kfsm tv Sofas loveseats sectionals Topamax chronic Oxycontin stays in system Cheap calls ghana voip awards 2006