segunda-feira, outubro 17, 2005

Do porquê de a vida ser uma música de Belle and Sebastian

Minha TV pifou... A outra já tinha ido pra nosso sítio há algum tempo, de forma que ficamos em plena sexta-feira à noite sem aparato tecnológico algum que nos aproximasse dos progressos que a humanidade tem atingido nos últimos séculos; e fazendo-nos portanto recorrer a artifícios reprováveis numa família moderna digna do adjetivo... sentamos no sofá, e olhando nos olhos uns dos outros, começamos a conversar (!?). De início timidamente, devido à falta do hábito. Mas depois a coisa toda transcorreu animadamente. Afinal, tínhamos de dar um jeito logo naquilo tudo! Como ousava a TV, este monte de cabos e metal retorcido, nos deixar numa situação difícil daquelas assim, sem o menor aviso!?? Se bem que "avisos" ela até havia dado... afinal, não havíamos percebido como o Francisco Cuoco estava um pouco mais retorcido que de costume? Só que tínhamos atribuído as tais distorções à imperícia dos maquiadores globais... talvez o vento forte na antena lá em cima... E com isso minha mãe havia perdido capítulos de duas novelas, assim, sem mais! E eu, de minha parte, irrecuperáveis horas de sonolenta observação inerte de notíciários esportivos e programas de auditório com cantores desafinados, que tanto me interessam.

Aliás, venho notando uma coisa... Já perceberam quão restauradora é aquela modorra passada diante da TV? E de verdade, até já cheguei a algumas conclusões cá com meus botões! Percebi, por exemplo, que há programas mais indicados que outros a esta saudável prática. Posso dizer, baseado em experiência própria, que um bom horário político é imbatível neste quesito! Com que disposição me ponho a dormir na frente de um deputado! Gosto particularmente das partes em que eles - levados provavelmente pela emoção do momento - prometem mundos e fundos em cima dum palanque qualquer! Nessas horas chego mesmo a roncar! Não gosto muito é de quando eles brigam... é ruim do ponto de vista do sono reparador, porquê daí a coisa toda fica tão atrativa que leva pra longe o sono. Aliás, deputado e senador brigando é coisa que todo brasileiro deveria ter em casa junto com os VHS de festas de 15 anos e churrascos de domingo. É a contribuição da briosa classe política brasileira às reuniões familiares de finais de semana. A propósito, vale lembrar também que em tempos de referendo, mantendo-se toda a tradição de politicamente correto Skank, Margaret Menezes e afins também contam pontos importantes em nossos sofás. Mas nem só de deputados e/ou artistas vive uma família que assiste tv unida. Que dizer dos esportes? Ah... esses agregadores de pais e filhos. Com que naturalidade sentamos eu e meu pai diante de uma tv numa noite de quarta-feira pelo prazer quase infantil de estarmos ambos cochilando em nossos respectivos sofás cerca de 10 minutos depois de iniciada a trasmissão!! Os programas de auditório, por sua vez, são um capítulo à parte. Crescemos todos habituados a assistí-los, e se há quaisquer motivos para que o brasileiro médio sinta-se pequeno e tímido diante de países de primeiro mundo, esse tipo de programação definitivamente não está entre eles! Basta assistir à grade de qualquer tv fechada e perceber que eles não são nada mais que uma pálida e descarada copia de nosso Sílvio Santos! O que é absurdo, considerando-se o ineditismo do formato criado por ele. São gerações de meninos irrequietos e donas-de-casa cochilentas - igualzinhas a mim - em frente à tv, vendo o sorriso do homem do baú e suas atrações, ditadas na voz espetacular do Lombardi. A propósito, será que a voz de hoje ainda é do mesmo Lombardi de meus tempos de moleque, que com galhardia narrava os calouros? Os calouros dos musicais... Nossa... realmente, alguém que passe uma tarde de sábado diante de um dos calouros do Raul Gil e não durma ruidosamente não merece dormir mais...

Mas é isso... minha tv pifou... e eu não sei bem o que fazer... Não acho que sentar num sofá de sala com uma tv desligada seja exatamente divertido. Não sem o entorpecimento que ela traz. Venho tentando soluções alternativas... o computador... livros... é... livros podem vir a ser uma boa. Mas no final das contas, acho que a solução melhor que pode haver é a chegada triunfante de um bom técnico lá em casa... ou, ainda melhor, a chegada de um carregador com uma daqueles aparelhos enormes e cheios de polegadas, do tipo que a gente mal consegue adaptar à própria sala! Eis um homem realizado!
Ah... o título do texto. Não sei... eu estava escutando Belle and Sebastian quando comecei a escrevê-lo. Saiu o título primeiro. Que, a propósito, tem absolutamente nada a ver com o resto dele. Quer pelo título em si (que eu lembre, não chego a citar o grupo em nenhum momento do texto), quer pelas idéias que ele possivelmente evoque a quem quer que já os tenha escutado. É uma música extremamente melancólica, chegando a ser depressiva quando se escuta atentando pra algumas letras. Mas a cabeça da gente é um troço meio doido (a minha mais que a da maioria da pessoas, devo admitir), e nos leva por caminhos tortuosos... e eis que eu, que iniciei um texto triste, termino com um sarcástico em que chego a ter de explicar o título.

O texto é dedicado a um bom e querido amigo que aniversaria hoje, e a quem tive o prazer de ceder o espaço segunda-feira passada. parabéns, orfeu. que os anos que vem pela frente tragam todos eles a falta de compromisso com regras e a incerteza das linhas do teu leminski. Afinal, só com descompromisso e incerteza é que tem graça continuar, né?

4 comentários:

mg6es disse...

Grande Léo! Livros são sempre uma boa, e tv no Brasil... hummm... Raul Gil, SS, Faustão... verdadeiros soníferos dominicais, diferentemente - e bem - deste texto leve e poético com "orfeu" ganhamos. Tks, amigo!

[]'s

Anônimo disse...

meu velhinho, que sempre nos faltem tvs!! e que os bons e acalorados papos de vento em popa, durante, ou não, as crises dos servidores loucos entre pings e pongs das rotas mais incertas, acabem sempre na meta ou se metam pelas encruzilhadas mais tortas das incertezas maravilhosas!
forte abraço, obrigado pelo presente!
orfeu

Vinicius disse...

lá em casa temos o hábito de sentar para conversar, vez ou outra. Geralmente o assunto é... falar mal da vida dos outros.

Mas no geral, a TV é a grande companheira da familia moderna.

Excelente texto velhinho...

Marina disse...

Sou sua fã! ;P