quarta-feira, dezembro 21, 2005

"Eu nunca saio..."

Segunda-feira, 7:30h

Um dia indigesto num horário mais intragável ainda. Eis que na pequena cabine de controle do fluxo de carros e pedestres de um prédio à beira-mar, ecoa a música estridente de um aparato tecnológico desprovido de fiação. A educação rigorosa de Josué, o porteiro, não permitia que o mesmo atendesse um aparelho que não o seu, mas, aquela musiquinha insistente, já na quarta chamada seguida...

“Alô?”

“Alô!!!, quem está falando aí?! Quem é o senhor?!”

“Danou-se!!, calma, minha senhora! Que aperreio danado!!”

“Ah já sei!, é seqüestro, né? O senhor é o seqüestrador!
Pelamordedeus, devolva minha filhinha, seu moço, devolva!”

“Tô dizendo!... esse mundo pirou! Que seqüestro? Quem é a senhora pra me acusar assim?”

“Eu perguntei antes, quem é o senhor?”

“Ih dona, pergunta difícil, essa! Nunca sei quem sou, e acho que ninguém sabe. Ontem mesmo eu queria ser aquele da barbichinha lá, o Biu Laden, só pra matar todo o meu time, vixi, depois daquela surra! Mas hoje...”

“Nãooo!!!, filosofia, agora não!”

“Por favor, dona, não me interrompa!, detesto isso. Mas, como ia dizendo, não sei quem sou... Talvez, eu seja a senhora amanhã, ou, fui a senhora ontem, enfim...”

“Por favor, diga o seu nome!!!” (aos berros)

“Ahhhh, agora é mais simples... Fui batizado com um nome bíblico, por serem evangélicos os meus pais, daí, ficou Josué, pronto, me chamam Josué.”
“Afff... Seu Josué, o que o senhor faz, onde o senhor está, como achou esse celular aí?”

“Calma, dona!, a senhora fala muito, vixi! Vamos por partes! Eu sou controlador de fluxo de automóveis e pedestres num prédio à beira-mar.”

“Ah o porteiro...”

“Cheguei para trabalhar e meu antecessor falou que uma morena bonita, alta, cabelos longos, olhos puxados, com um sinal acima do lábio superior, havia esquecido este aparato aqui. A mesma chegou às 4 da manhã, num estado etílico bastante alterado, em companhia de uma moradora, também morena, mais baixa que ela, muito bonita, cujo nome vem de origem árabe, ou russa... Samia... Samira...”

“Samara!!!”

“É a mocinha do sexto and... alô? Alôôô?? Voti, que educação! Desligou na minha cara!”


Segunda-feira, 8:00h, no mesmo prédio à beira-mar, toca o telefone do apartamento 602...


“Alô?, é da casa da Samara?”

“É sim”

“Eu sou mãe da Marina, ela está aí?”

“Quem, Samara, ou Marina?”

“Ai, meu Deus..., a Marina, pode chamá-la?”


Dez minutos depois...

“Mainha? Que foi que houve?”

“O que??? Essa pergunta é minha, mocinha!!! Você me sai de casa sexta-feira, e hoje, a essa hora, nenhuma notícia. Ligo no seu celular, atende um homem, o porteiro do prédio, você enloqueceu, Mazinha?”

“Oxe, mainha... eu avisei, sim! Eu gritei do portão que tava saindo, não ouviu, não?”

“Engraçadinha... seu pai está mansinho com você... venha já pra casa, e se prepare!”

“Tá bom, tá bom... chego já... que droga! Posso nem dormir...”



Segunda-feira, 22:30h, na porta da casa, seu Genaro sentado na calçada...


“Oi, painho!”


“Ô Mazinha, você saiu na sexta sem avisar, chega segunda a essa hora, e só diz isso?”

“Mas painho...”

“Nem mais, nem menos! Mazinha, você precisa dar um rumo na sua vida... Passa os dias na rua, não pára em casa...”

“Mas painho, eu nunca saio...”

“O que, Mazinha???, você o que???”

“Eu nunca saio... sem avisar...”

“O que, Mazinha???, você o que???”

“Eu nunca saio... sem avisar... na sexta... pra voltar na segunda...”

3 comentários:

Marina disse...

Adoooorei! :P
Muito foda! Vc! :D
Amo.

:*

Vinicius disse...

Como sempre, sem condições de comentar.

Soberbo!

Anônimo disse...

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